sábado, 4 de julho de 2020

Eu não consigo satisfazer suas loucuradas masoquistas

Ouvi dela uma história estonteante,

me fascinou até as últimas doses,

necessárias pra não me desequilibrar

do seu raciocínio.

Dores iniciavam na cabeça e desciam pelo braço

e retorciam as unhas dos dedos,

depois reviravam os intestinos

e subiam, subiam até o coração,

e este chorava, tamanha a aflição.

As dores não  paravam nesse inesgotável

e indispensável companheiro:

subiam mais e mais e alcançavam o cérebro,

e o miserável suava goteiras,

como se fosse uma calha em dia de tempestade,

e o som das gotas se chocando no solo

rememorava os invernos de sua infância.

 

A caminho do bar, lembro de sua narrativa,

e estou convencido de que, comparada a tantas loucas e bêbadas,

ela tem algo a dizer.

Não sou psiquiatra,

em vez de diagnósticos

rabisco umas frases ou versos.

Curtiria ser terapeuta para ouvir as histórias dessas beldades,

sejam delírios ou não,

mas gostaria que tocasse um blues de fundo musical e,

ao lado da poltrona, um drinque reforçado

e 3 pedras de gelo.

 

Ela queria impressionar na cama,

mas eu só pensava em suas dores,

receava que atingissem o mastro,

como se fossem DSTs das antigas,

e os vermes microscópicos poderiam corroer meu companheiro

como um câncer.

 

Vocês desejam poemas certinhos,

rimadinhos,

comportadinhos,

dizendo que a vida é bela,

e que todos alcançaremos sucesso e prosperidade.

Porém, tenho visto noticiário demais,

e estamos todos meio podres,

é uma corrupção deslavada que expulsa as rimas.

O terapeuta que assedia pacientes indefesas,

a socialite que se apropria do auxílio emergencial do governo

à população carente.

 

Não sinto a dor de cabeça da garota,

eu sinto o cheiro de carniça,

tudo está meio podre,

a carne descongelou faz uma semana

e está tomada de varejeiras.

 

Vocês me pedem um poema certinho,

algo como um discurso de autoajuda,

que dá dinheiro pro autor,

mas não garante prosperidade a ninguém.

 

Não posso olhar postagens no Facebook.

A última que vi, uma puta compartilhou selfies daquele jeito:

como não sabia o que fazer com a boca,

fez aquele biquinho ridículo.

 

As dores da garota não foram as primeiras peculiaridades

a causarem espanto.

Certo dia, bêbada, no meio de uma trepada, enquanto eu estava sóbrio,

pediu pra que batesse... no rosto, no rabo...

Fiquei sem ação, nunca cogitei "agredir" uma garota

para satisfazer sua fantasia masoquista...

(sádico eu? Acho que não...)

Então me convenci de que  precisava ouvir suas histórias,

talvez compreendesse o motor dessas loucuradas.

Quem sabe suas narrativas aliviassem o espírito atormentado.

 

Mesmo com a luz do quarto acesa,

ela utilizava a lanterna do celular

para espionar os cantos mais escuros do quarto,

não sei se tinha pavor de baratas ou aranhas,

ou de monstros imaginários.

Fitava a lâmpada no teto e dizia que ela piscava

e que logo ficaríamos sem energia.

Eu pensava, "Acho que o excesso de bebida

está extraviando a luz do seu juízo".

Daí a pouco ela tomava o pulso e verificava

a quantidade de batidas por minuto,

e pedia vinho, dizendo:

"Ao contrário da quantidade de cachaça

que tu consome, o vinho baixa a pressão".

Eu apenas rosnava:

"Tá, e alguém aqui está preocupado com a pressão, sua doidinha?".

Então ela apanhava minhas mãos e dizia:

"Tu notou que tuas mãos tremem?".

Eu dava de ombros e balbuciava qualquer coisa,

acho que relacionado com as condições climáticas adversas

do mês de julho.

 

Ontem demorei pra dormir.

Pensava o tempo todo em como lhe dar prazer sexual

sem utilizar meios não convencionais

e politicamente incorretos.


(B. B. Palermo)

 


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