Subia a ladeira, mãos nos bolsos,
cabeça perseguindo e decapitando os pecados
que cometi
nos primeiros meses do ano.
Deitado numa rede, respiração demorada,
forçada,
muitos ruídos, alguém está trovejando,
irradia sua energia agarrado
aos fios de alta tensão.
Sinto as pernas, alongo a parte debaixo
do corpo.
Ando sozinho por aí, e de fato meu
outro eu fala aos botões,
aos borbotões,
é meu agente interior.
Que seja algo secreto,
ninguém merece escutar
hilárias preocupações.
Ouço sua voz distante:
- Bem na real... sossega, Cadelão, o
que a gente faz
não desperta interesse em ninguém.
Bem assim, dou linha pra pandorga
imaginária, uma pobrezinha,
acossada por ideias inúteis.
Estou diante de um boteco, final de
tarde,
velhinhos acalmam a tremedeira das mãos
com doses de cachaça.
Mãos grossas e calejadas, batalharam
décadas por aí.
Agora aposentadas e enlouquecidas e o
restante de seus corpos tremendo, desamparados, e a cada trago uma satisfação banguela
escorre pelo canto da boca.
Eu sei, estão acelerados também seu
coração,
pulmões e rins e tudo o mais.
Sinto a mão direita e eis uma caneta
inspirada traçando palavras e frases no papel,
visualizo, enfileiradas, me chamando, as
punhetas que me acalmaram
desde a pré-adolescência e deixaram em
alvoroço
minhas energias.
Aquele jeito sem jeito de se movimentar
dos velhinhos,
um jeito morto-vivo vacilante.
Miram-me com olhos também mortos-vivos,
não sei se resmungam ou se lamentam ou
se pronunciam algo...
ou se falam com seus botões.
Não faço ideia do que seriam tais
queixas,
não sei o que isso tudo significa,
apenas sei que me perseguem.
- Como está a vida por aí? Como vão as
coisas no teu planetinha, Cadelão?
Vozes, interrogações, como pequenos
balões
flutuando ao redor de minha cabeça.
Meu corpo sobe, indiferente à
gravidade,
flutuo acima das nuvens,
como se fosse um pequeno avião subindo,
subindo,
subindo...
procurando as estrelas...
Faço a meditação que aprendi com o
veado do Maharishi,
tudo aconteceu olhando vídeos da
internet.
Eis-me arrastado para baixo,
num solavanco,
o solo é meu limite,
a mente está presa daquele jeito,
como o espírito está impregnado de
corpo,
de sexo,
de luxúria,
e então me vêm imagens de garrafas e
seus rótulos,
cervejas e vinhos, dos bons e dos nem
tanto,
e imagens de vaginas,
tudo ali por perto depilado,
e peitinhos tenros e lábios úmidos e
sussurros, vem... vem...
e eis um corpo pendurado,
uma corda no pescoço,
sustentado por uma frondosa árvore
num quintal estranho,
eis a pintura de Michelangelo
onde Deus me estende a mão,
minha mão vacila e treme e recua,
agarra cachos de uva,
e maças,
e folhas em branco,
e canetas,
e vassouras,
e sombras,
e Deus é energia,
e sua mão agarra a minha,
e agora eu respiro
pau-sa-da-men-te...
devagar,
devagar...
e alcanço as nuvens,
e subo nas estrelas,
e em silêncio me aproximo da janela enorme
que se abre...
que se abre... e vejo diante dos olhos
a casa onde nasci...
e então vejo mamãezinha e
seus braços me acolhem,
e me espreguiço...
me espreguiço...
e adormeço...
(B. B. Palermo)
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