Meia-noite.
A garganta berrando.
O céu, lá em cima, mijando luz nas calçadas.
Ninguém escuta.
Ótimo.
Sigo pelas ruas mortas,
sem saída,
como eu.
E lá está ela:
a loja de bebidas,
bonitinha, toda cheia de promessas baratas,
me vende a salvação por alguns trocados.
Não me nego.
O cachorro preso num beco late pra cima,
se joga contra as grades,
quer fugir,
quer me levar junto.
Não vai dar.
Ignoro os carros rebaixados,
o som podre rasgando o asfalto,
a lua, minguada,
me acena com pena.
Passei ali de tarde -
vi a igreja lotada,
o bailão da terceira idade bombando,
uns velhos dançando mais vivos do que eu.
Num canto, uma mulher esmagada pelo AVC
empurrava uma bola de basquete devagarzinho,
como se a vida fosse isso:
uma bola murcha num chão rachado.
Do outro lado, um bombado idiota,
cheio de músculos e vazio,
olhava pro nada,
segurando a própria desgraça como se fosse medalha.
Agora, a rua é só minha.
Meia-noite.
Eu e o asfalto.
Descansa, irmão,
amanhã tem mais escravidão,
e menos tempo para sentir
essa m* toda.
(B. B. Palermo)