sexta-feira, 26 de abril de 2019

Camiseta virada e preservativo no bolso


Chego em casa pelas quatro da tarde e me detenho diante do espelho. Uso camiseta estampada, e logo percebo que está virada. Noto a etiqueta enorme atrás do pescoço. Fico vermelho de vergonha por não ter passado vergonha diante das pessoas. Danem-se, não lembro de ter reparado em gente conhecida.
Enfio as mãos nos bolsos, no esquerdo encontro meu RG e algumas moedas e um bilhete com o telefone de uma putinha e uma fita vermelha do Santo Expedito. No bolso direito encontro um preservativo.
Ontem, lá pelas onze da noite, jogava sinuca e comemorava, com outros comuns, uns trocados que ganhei no jogo do bicho. Aconselho esses carinhas que sonham em ganhar nas apostas para que joguem alguns centavos nas centenas, pois assim é mais fácil ganhar algum, pelo menos pra pagar os jogos da semana. Espiei o celular e havia um áudio da Janete. "Cadelão, onde tu tá? Vem pra cá, tenho uma novinha pra ti". Há anos ela joga essa isca pra me atrair ao seu puteiro. Sempre vou faceiro e chego lá e vejo gordinhas de uns trinta e poucos.
Tinha novidades. Propôs algo como um estágio. Se dormisse com Ela no final das noites, poderia passar a semana na boate, rodeado de putas, escrevendo. Gostei da ideia, quem sabe agora minha literatura deslancha. Vivo um dilema diário: não trabalho para ter tempo para escrever, mas vocês sabem, no Brasil a maioria dos escritores têm outra profissão, senão passariam fome. A inspiração não vem, então tenho um motivo pra correr pro bar. No outro dia baixa uma ressaca e então a Janete me chama. Ela tem uma boa alma. Ela sabe dos meus sonhos e bolsos vazios.
Na boate, embalado pelo álcool e pelas músicas que botei pra rodar, eu não urino no banheiro. Saio pela porta da frente e vou até os fundos. É um lugar mais elevado, afastado dos postes mais próximos e suas lâmpadas. Abro a braguilha, aponto o jato do coiso em direção à grama, olho pro céu e sou tomado por um encantamento, um momento mágico, uma vertigem me atravessa quando a beleza se descortina diante dos olhos, nada mais nada menos do que a imensidão deslumbrante da via láctea.
Perto do amanhecer,  depois que os taxistas conduzem algumas garotas até suas casas para despacharem as babás e levarem as crianças pra escola, Janete me leva ao seu quarto. Retira os brincos e os anéis, que parecem valiosos, e suas mãos calosas, como se fossem de diarista, guardam-nos num cofrinho sobre a cômoda.
Enquanto me distraio com os pequenos quadros e miniaturas de estátuas de Nossa Senhora aparecida sobre um pequeno santuário, ela vai pro chuveiro e logo retorna com seu pijaminho cor de rosa.
A lâmpada, de um avermelhado tímido, nos deixa mais bonitos. Ela se enrosca, estou meio acordado, meio dormindo, apanha meu sexo, ordeno para que aperte sem medo e ela massageia numa paciência comovente.
- Calma, meu bem, tenho meu tempo... Sou um cara de outro mundo.
- Eu sei, meu anjo, eu sei. Você não tá aqui por acaso.
O escroto, enfim, desperta.
Pelo que recordo, consegui a todo custo manter a ereção e levar Janete até o paraíso, mas imediatamente meu amigão desandou. Afobado, arranco a camisinha e massageio para que permaneça em pé. Esforço inútil.

Duas da tarde, ao me vestir, não acendo a luz pra não acordá-la. Ela ronca mansinho.
Se de madrugada, com aquele céu estrelado, tudo era magnífico, à tarde, quando me dirijo ao portão da saída da boate com a cabeça latejando e pesando toneladas e num calor de trinta graus, sinto-me às portas do inferno.
Na rua, além do calor, há um trânsito infernal. Nada de passar um táxi ou motoboy. (Não chamamos um táxi porque deixei meu celular em casa, e a bateria do aparelho da Janete estava descarregada).
Carrego o moletom no ombro, companheiro aconchegante à noite, agora um estorvo, vontade de depositá-lo na primeira lixeira, não o faço porque é meu agasalho preferido.
Caminho em direção ao centro, que fica a uns dois quilômetros. Que crise do caralho, sou cercado por crianças, índios Caigangues, com suas cestinhas e outros objetos de artesanato. Merda, a essa hora deveriam frequentar escolas de turno integral. Esse país vai de mal a pior. Jovens senhoras vendendo doces e salgados e uns caras vendendo frutas e panos de prato e muitos outros trecos. 
Na parada de ônibus reparo numa morena de uns vinte e poucos, camuflada num shortinho, tudo lindo a pele das pernas e costas e o cabelão e os lábios carnudos e tudo o mais me arrepia. Não perco tempo, me aproximo e pergunto se o ônibus pra Vila Esperança já passou.
A garota não esboça reação, como se eu fosse invisível. Chego mais perto, ela acompanha o movimento de meus lábios e faz uns gestos e de sua garganta sai um grunhido incompreensível. Imediatamente uma senhora que está próxima diz "passou faz uns dez minutos". Dezenas de pessoas me olham espantadas. Encharcado pelo álcool, elas parecem sem vida, como manequins das lojas. A única coisa que me passa pela cabeça é descer do ônibus perto de casa e tomar um café com leite, bem adoçado.
O lar me aguarda no lugar de sempre. Misturo o café, o leite em pó, apanho um pote e coloco três colheradas das grandes, só pra repor a glicose. Agito tudo com a colher e dou aquele gole. Puta que pariu! Em vez do pote com açúcar, eu apanhei o pote com sal. Caramba, mal deu tempo pra correr até o banheiro e vomitar.
Dou um stop diante do espelho. Do outro lado um ex-adolescente com cara de padre diz "a partir de hoje nascerá um novo homem". Ele ri até não mais.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...