terça-feira, 21 de abril de 2020

Uma lata de sardinha mais pão dormido



Naquela noite a inspiração e a Tina chegaram juntas, por isso não dei atenção. Pra Tina, claro. Fiquei anotando compulsivamente o que me vinha.
Daí a pouco...
- Meu, que papo foi aquele?
- Qual?
- Uma piranha te falou que não transava fazia muito tempo porque queria um amor e não apenas sexo.
- Han??
- Lembra o que tu falou pra ela, seu filho da puta? Tu disse que da transa pode nascer um grande amor... Mas tu é muito galinha!
- De onde tu tirou isso?
- Vi por acaso umas coisas no whats.
- Ah é? Quer dizer que tu chega aqui com mais uma qualidade: ficar mexendo no meu celular. Se aproveita só porque não sei colocar a senha.
- Imagina a putaria que ia rolar se tu tivesse uma senha.
- Guria, não pude fazer nada. Ela veio atrás. Essas criaturas bobinhas leem as histórias que invento e publico nas redes sociais e pensam que eu sou um bambambam.

Ela ia de um lado pro outro, parecia explodir. Então convidei pra tomar umas no bar.
- Vai sozinho, perdigueiro escroto. Fareja por lá alguma piranha. To sabendo que tu tá de olho num traveco que nem deve ser maior de idade. Disseram que é uma "guria" alta, magrinha, que desfila pelas ruas num short desse tamanho. Disseram que ele é linda. Eu que não vou competir com um ser andrógino.
- Andrógino? De onde tu tirou essa?
- Ah, tá, e quem não sabe o que é androginia?
- Hum... Interessante. Tu conhece "O banquete", de Platão. Fui eu que te falei sobre?
Nesse diálogo do Platão aparece uma narrativa para explicar o que é o amor, citando uns seres primitivos, os andróginos... A gente podia fazer um grupo de estudos pra ver o que o Platão diz sobre o amor. Guria, é um dos ensaios mais brilhantes sobre esse desgastado tema.
- Por que desgastado?
- Por... Porque caiu num lugar comum. De tanto a palavra "amor" ser usada com tantos diferentes significados, acabou ficando desgastada, virou clichê... Quanto à minha sexualidade...  Deixa de ser ingênua. Tu sabe que eu sou hetero. Não sou veado macho.
- Enrolando de novo. Conta outra.
- Sou cidadão do mundo, baby, amo rock e jazz e blues e outros ritmos. A vida é ritmo, meu bem. E o amor está em tudo. E sexo também é ritmo... sente só o pulsar do meu coração, doidinho por você.
- Tu, sempre se achando. Pesquisei o teu Lattes, seu cafajestinho. Necas de textos publicados, faltando às aulas e, por fim, demitido por conta do alcoolismo.
- Isso tudo é passado, baby. Minha praia agora é a literatura. E essa história de alcoolismo ficou pra trás. Fiz três anos de terapia, no CAPS. Tu sabe o que aconteceu no final?
- Não.
- Dei alta pro psiquiatra.
- Meu, tu fala isso tudo como se estivesse falando de outra pessoa, e não de tu mesmo!
- Meu bem, a vida é essa mistura de comedia e tragédia... Sorria!
- Seu estúpido! Insensível! E o pior é que fica dizendo pra todo mundo que é poeta!

Quando fui ao banheiro ela bateu a porta daquele jeito e se mandou.
Daí a pouco me dirigi até a estante pra apanhar a carteira e ir pro bar. Eu sempre deixo a carteira em cima dos livros. Não encontrei: merda, tenho certeza que ela escondeu minha carteira! Vou é devorar uma lata de sardinha mais pão dormido. Caralho. O que me sobrou foi dar um pouco de ômega 3 pra esse judiado corpo.
Gente, o que eu tenho de errado, pra ser assim tão incompreendido?
E o pior: o manquinho da pensão ao lado nunca ouviu Belchior. O puto só ouve música sertaneja, e a todo volume. Alguém aí acredita nessa lorota de aperfeiçoamento ético e estético da humanidade?

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...