Estava de ressaca e já eram 2 da tarde de domingo.
A vizinhança alardeava animada
sobre futebol e sugava cerveja barata.
Toquei Mozart pra abafar os ruídos que vinham de fora
e pra acalmar meus batimentos cardíacos
e suportar meus sentimentos de culpa.
Momentos de ressaca são inspiradores.
Pretendo colocar papel de parede na cozinha,
que está manchada da gordura de frituras
em horas bêbadas ouvindo Celso Blues Boy.
Planejo também esfregar os azulejos encardidos
do banheiro.
Tem dias que morro de rir da minha sujeira,
mas quando pinta uma garota
renascem meus sentimentos de limpeza,
de ordem
e de perfeição.
Batem à porta.
É o grande Jacó.
Olhos vermelhos, o rosto não cabendo em si
de tanto sofrimento.
Planeja internar-se de novo.
Quanto mais embebido de cachaça,
mais bota fé na sua redenção.
Jacó é o invisível do bairro.
Ele queima solitário o fogo,
rodeado de gente morta e
amores fingidos.
Apanha as latas vazias que lhe alcanço
e segue, cambaleante.
Minhas fichas não caem,
a orelha direita me dói,
arroxeada depois do último porre
e do último tombo.
5 minutos depois eis que aparece a Lucy.
Esteve ausente muitos anos.
Cavalga uma motinha fodida,
e eu não pergunto sobre o que fez,
por onde andou e se ficou com muitos caras nas boates,
ou se teve filhos.
Parece haver alguma saudade,
parece que ela nunca me deixou.
Nossos olhares silenciosos dizem:
"Caramba, como você decaiu!".
Eu sei o que ela pensa:
"Hora de ficar na toca,
não dar muito na vista,
ninguém tem nada com isso".
Penso nisso também.
Apanho o isqueiro e acendo incensos.
(B. B. Palermo)
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