Apresentação
Sábias agudezas...
Refinamentos...
‒ Não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
Como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
[...]
Um poema que não te ajude a viver
E não saiba preparar-te para a morte
Não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
(Projeto de Prefácio ‒ Mário Quintana)
Nem
agudezas, nem refinamentos encontrarás aqui. Nem temas meramente trazidos para
a distração nas imagens caleidoscópicas colhidas pela óptica de Palermo em
pequenos fragmentos coloridos. Por seus espelhos articulados, Palermo produz
imagens refletidas do universo em que habita e de onde extrai a matéria-prima
de sua prosa poética. É na beleza de seu lugar que o poeta encontra razões pra
cantar, seja pra festejar, seja pra protestar.
É
das intervenções e vivências próprias e, também, do insuperável e inseparável
Beiço, do Porko, do Dr. Biza, da Janete, da Janusa, do Damo do Cachorrinho, do
Manetta, do Zé, do Cabezón, do Marcão e de outros tantos que produz reflexões
sobre o seu aqui e agora ‒ o espaço-tempo atual em que vive. É de sua escassa
economia e das contas, inclusive, no bar em atraso, da indubitável hiper
hipocondria revelada numa ‘picada’ de taturana, da vaca de presépio a que é
reduzido pelo megalomaníaco Dr. Biza e da observação da vida como ela é que ele
conclui que a vida é curta demais pra ser pequena.
E
ser pequena significa não poder ser desperdiçada em coisas sem relevância. Daí
talvez seu viés um tanto escatológico, sem reduzir-se a isso como personagem,
quem sabe como estratégia de ‘ligar o f*da-se’ (numa alusão ao conhecido título
de Mark Manson), para advertir sobre a necessária mudança de hábito no
tratamento da realidade e dos limites do homem e da natureza. Talvez daí um
tanto de mistério e misticismo no conto que dá título ao livro ‒Caminhando
na chuva sem me molhar ‒, suscitando um quê de realismo mágico e de um novo
modo de lidar com nossas adversidades, indiferenças e vulnerabilidades.
Nas
trinta narrativas componentes da obra, ordenadas em sua desordem normal,
Palermo dá voz e vez à sua pequena guarnição, talvez para não reduzir sua força
a um exército de um homem só. Talvez sua maior qualidade seja o modo esquisito
com que provoca arrepios naqueles que têm medo do novo, do diferente, do que
incomoda o sossego. Talvez por isso, perdoamos-lhe alguns desvios (como o uso
por vezes exagerado de alguns palavrões), até porque de perto ninguém é normal,
mas que não vão além do mundo das palavras. Se, no Cosmos, a Lua gira em torno
da Terra, a Terra em torno do Sol, o Sol em torno de outros astros ou galáxias,
no universo da linguagem as palavras giram em torno das palavras, que giram em
torno de outras palavras, num sem-fim de rotações e translações.
O
perigo maior de Palermo talvez resida em ser, justamente, um poeta ‒ esses
estranhos seres que têm, mais do que sangue, o coração nos olhos. Isso o
impossibilita a ser ‒ apenas ‒ um ingênuo maldito. Isso o torna capaz de
conversar com Deus e o Diabo em qualquer chão, de ir dos píncaros às
profundezas, do sublime às sublimações e, de repente, dos pensamentos às ações.
E mais: faz isso tudo com boas pitadas de ironia, de humor, de amor. Seja em
busca de sentido para um mundo absurdo, seja denunciando o absurdo de um mundo
sem sentido, Palermo provoca o leitor a refletir sobre a condição humana.
Parodiando
Saint-Exupéry em “Carta ao General X”, quem sabe Palermo denuncie que “não é
possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas,
não é mesmo? Não é possível! Não é possível viver-se sem poesia, sem cor e sem
amor. [...] Nada mais resta do que a voz do robô da propaganda. 8 bilhões de
homens, nos tempos de hoje, não escutam mais do que o robô, não entendem mais
do que o robô e estão se transformando em robôs”.
E
talvez o nosso poeta traga novidades em sua próxima aparição: promete passar
uma temporada em Palermo, para “tentar compreender de onde venho e por que sou
assim, meio doido”. É esperar para ver.
Carlos
Silveira
Ijuí, janeiro de 2024.
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