De onde vem essa vontade tardia de cuidar de cada plantinha da horta? De olhar para o céu, percorrer as previsões do tempo na internet, ansioso para que chova e a semente venha a brotar?
E essa noia zen de de relaxar olhos e pés, pisar na grama contemplativo diante dos canteiros? De fazer planos, vinte pés de alface crespa aqui, no canto próximo ao muro transplantar as mudinhas de pimenta que trouxe do pomar do professor Helio, adubar as covas para os chás, salsa e cebolinha... de onde vêm essas picuinhas?
Saudoso, cheguei a plantar sementes de melancia, como se fosse agricultor de verdade – urbano doido, disponho apenas de um pedaço de terra, nos fundos do terreno! Tenho redobrado a atenção, em cada quintal que me deparo, em cada rua que passo, a geometria dos canteiros, a disposição dos ventos, a porcentagem de sol que doura o chão... E pesquiso sobre sucos, as propriedades curativas de abacaxis e morangos, enfim, vasculho tintim por tintim os sites especializados...
De onde vem essa atitude ridícula de negociar com pombos, sabiás e joões de barro, para que cisquem por todo canto, menos na terra que preparei? E já tenho insônia com as invasões imaginárias da formiga-cortadeira – Deus me livre!
Minha farmácia doméstica, o pé de limoeiro, parece indeciso sobre ficar ou crescer... Nesses anos todos, dei a mínima para isso, e agora sofro por não vê-lo adulto, carregado de flores e frutos. Então, desfilo uma ladainha de perguntas sobre cuidados com o solo, para amigos engenheiros agrônomos, e encaro minhas dúvidas como as mais importantes do mundo, mais do que o aquecimento global. Que metamorfose ocorreu, se durante anos apenas fiz recuar o mato, aparando a grama só quando os olhares dos vizinhos o imploravam?
Que bizarrice é esta para, de uma hora para outra, eu me preocupar com inseticidas, herbicidas e transgênicos? Que insanidade me faz agora olhar para o bife ou o peito do frango e sofrer com o bicho, como se fosse eu mesmo?
Acho que adivinho um pouco o que se passa comigo. Deve ser uma reação a essa pressa moderna, de nos afastarmos dos outros e mergulharmos no mundo virtual, atrofiando nossos bons e velhos sentidos!
Devolvam-me o que perdi com essa solidão urbana. A horta representa o oxigênio necessário aos meus sentidos – depois de anos e anos afastado da terra, do pomar e da cozinha, quero ver, ouvir, cheirar, tocar e, mais do que tudo, sentir!
Acompanhar o nascimento, crescimento e maturação das frutas, legumes e verduras significa ganhar mais vida, e renascer.
Irônico, meu amigo Monstro desconfia que minha cabeça aterrissou em outro planeta, e lá estou escrevendo e cultivando abobrinhas. Não o repreendo. Ele se criou no mundo urbano. Nunca vai compreender que quem nasceu e se criou na roça vai carregar terra debaixo das unhas pelo resto da vida.
Se é verdade que enlouqueci, por favor, me avisem!