Dia
desses aconteceu algo inusitado. No final da tarde, o sol driblou vários prédios
do
centro da cidade e veio bater na janela da sala, onde está a redação do jornal.
Na hora eu gritei: “Cleon, vais deixar escapar este momento? Não vais registrar
nas lentes da tua máquina fotográfica?”
Cleon deitou a dar
explicações técnicas sobre a impossibilidade de registrar numa boa foto aquele
pôr-do-sol. Os prédios impediam que
houvesse “composição”, etc., etc.
Bateu-me um desespero,
dali a pouco viria a noite e o instante se apagaria de nossa visão, restaria mera
lembrança. Então comentamos sobre a beleza que a natureza nos oferece, de
graça, mas que não aproveitamos, já que nossa cabeça está mergulhada nos
afazeres cotidianos, e entrincheirada entre
as ruas e seus prédios.
Ao refletir sobre esse
fato, lembrei-me da crônica do Rubem Braga, Ai
de Ti, Copacabana. Ali, o cronista não estabelece uma relação entre o sol e
a cidade, com seus prédios a desafiar as alturas, mas sim entre o mar e a
cidade. Cidade com seus barulhos, lixos e especulações. Cidade com seus
encontros e desencontros, e negócios muitas vezes impublicáveis. Cidade e sua
relação conflituosa com o passado, quando uns querem botar abaixo prédios
históricos, tendo olhos apenas para o presente e o futuro, sem qualquer
preocupação com o que foi. Cidade com sua indiferença ante a natureza, seus
lagos, córregos, banhados, árvores, seus ventos, humores e estações.
Diz Rubem Braga, em
algumas passagens da crônica:
“Ai de ti, Copacabana,
porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu
não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas. (...). Grandes são teus
edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha
desafiando o mar; mas eles se abaterão. (...). Então quem especulará sobre o
metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum. (...).
Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta
pressa quando virem pela frente a hora da provação. (...). Por que rezais em
vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da
noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?”
Rubem Braga parece um
profeta a anunciar o castigo (merecido) aos homens, porque fazem tudo do seu
jeito: torto e do avesso. Seus olhares rasteiros, como a farejar ouro em Serra
Pelada, não sentem a beleza da vida a pulsar, com a transcendentalidade que a natureza
nos oferece.
Aqui em Ijuí, entre a
cotação do dólar, da soja e do trigo, do custo da cesta básica e da passagem do
ônibus, ainda é possível carregar as baterias
da sensibilidade, e sentir a presença (muitas vezes espremida entre um edifício
e outro) do pôr-do-sol. E, tendo a emoção se libertado um pouco da razão, posso
dizer que esses movimentos harmônicos do sol que nasce e se põe, da lua que
“namora” com Vênus, do ipê que floresce sem a ajuda das promoções das lojas de
tintas, me dá uma vontade juvenil, não de ser profeta, mas sim de rezar.
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