O amor foi à
função, bebeu, cantou e bailou, estava muito excitado, tiveram de
levá-lo para casa e prendê-lo no quarto para que repousasse. No dia
seguinte, o amor cantou e bailou sem beber, e era sempre primavera nos
seus modos e falas. O amor viajou, voltou, fazia piruetas, trocadilhos,
esculturas, criava línguas e ensinava-as de graça. Todos o queiram para
companheiro, paravam de guerrear para abraçá-lo, jogavam-lhe moedas que
ele não apanhava, gerânios que ele oferecia às crianças e às mulheres.
O amor não adoecia nem ficava mais velho, resplandecia sempre, havia
quem o invejasse, quem inventasse calúnias a seu respeito, o amor nem
ligava. Cercaram sua casa de madrugada, meteram-lhe a cabeça num saco
preto, conduziram-no a um morro que dava para o abismo,
interrogaram-no, bateram-lhe, ameaçaram jogá-lo no precipício, jogaram.
O amor caiu lá embaixo aos pedaços, mas se recompôs e foi preso outra
vez, aplicaram-lhe choques elétricos, arrancaram-lhe as unhas, os
dedos, o amor sorria e quando não podia mais sorrir gritava numa de
suas línguas novas, que não era entendida. E desfalecendo voltava a
consciência, e torturado outra vez, era como se não fosse com ele.
Quebraram o amor em mil partículas, e ninguém pôde ver as partículas.
Foi sepultado normalmente no fim do mundo, que é para lá da memória.
Ninguém o localizou, mas todos falavam nele, o amor virou um sonho, uma
constelação, uma rima, e todos falavam nele, e ressuscitou ao terceiro
dia.
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