Perdoe, amiga, pela vileza
com que me agarro às cruzadas da vida, como puro sangue na última aposta em
cancha reta. Perdoe os planos entusiasmados de hoje e, de súbito, o desânimo e mergulho
no precipício amanhã.
Perdoe a indiferença com
que trato meus amores, com aquele ar aparente de quem não está nem aí. De quem
pede sem nada oferecer, de ser parasita que suga e deseja mais e mais amor.
Perdoe o entusiasmo com
que inicio minhas dietas, dois três quilos perdidos com orgulho, anunciados
pelos quatro cantos da cidade. Perdoe a agilidade com que abandono a tudo e me
jogo às bebidas e prazeres.
Perdoe por andar
enfurnado, preso à própria casca e, de um momento para o outro, lançar-me atrás
de mil aventuras, numa estranha correria, sem
a coragem de retornar ao lar.
Perdoe por andar num
parafuso medonho. Hoje apertado demais, como sapato novo. Noutros momentos desajustado, prestes a comprometer estruturas e engrenagens.
Perdoe por tantas vezes
me afastar, sem anunciar se estou bem ou mal, sem ligar para as boas novas e o
que fora promessa. Perdoe-me por silenciar imóvel, como samambaia que enfeita a
casa, que a tudo observa e nada diz.
Perdoe a indiferença diante da banalidade com que meu entardecer recepciona a noite. Vivo a especular sobre
tristeza e saúde, doença e saudade, entusiasmo alegria e letargia. Penso e anuncio cada uma dessas coisas, sem mover um
braço, sem ofertar um sorriso ou abraço.
Perdoe, amiga, essa
confusão de me imaginar mais do que eu, crente num universo infinito e plural, como se o
fato de conviver nesse meio pi-ro-téc-ni-co me desse o direito de assumir vários papeis. Tolere essa teimosia em considerar que, o que chamas de
fingimento e simulação, para mim é apenas invenção e imaginação.
Perdoe o paradoxo de
ser assim, muita vontade de fingir, sumir-e-se-mostrar e, mais do que tudo, a cara de pau de esconder a vontade de chorar.
Amiga, dei voltas e
voltas para tentar te dizer o que estou sentindo. Fracassei. Então, apelo agora a estes versos de Fernando Pessoa: “Nunca conheci quem tivesse levado
porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) / Toda a
gente que eu conheço e que fala comigo / nunca teve um ato ridículo, nunca
sofreu enxovalho, / nunca foi senão príncipe na vida. / (...) Estou farto de
semideuses! / Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo
nesta terra?”.
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