segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Perdoe, amiga


Perdoe, amiga, pela vileza com que me agarro às cruzadas da vida, como puro sangue na última aposta em cancha reta. Perdoe os planos entusiasmados de hoje e, de súbito, o desânimo e mergulho no precipício amanhã.
Perdoe a indiferença com que trato meus amores, com aquele ar aparente de quem não está nem aí. De quem pede sem nada oferecer, de ser parasita que suga e deseja mais e mais amor.
Perdoe o entusiasmo com que inicio minhas dietas, dois três quilos perdidos com orgulho, anunciados pelos quatro cantos da cidade. Perdoe a agilidade com que abandono a tudo e me jogo às bebidas e prazeres.
Perdoe por andar enfurnado, preso à própria casca e, de um momento para o outro, lançar-me atrás de mil aventuras, numa estranha correria, sem  a coragem de retornar ao lar.
Perdoe por andar num parafuso medonho. Hoje apertado demais, como sapato novo. Noutros momentos desajustado, prestes a comprometer estruturas e engrenagens.
Perdoe por tantas vezes me afastar, sem anunciar se estou bem ou mal, sem ligar para as boas novas e o que fora promessa. Perdoe-me por silenciar imóvel, como samambaia que enfeita a casa, que a tudo observa e nada diz.
Perdoe a indiferença diante da banalidade com que meu entardecer recepciona a noite. Vivo a especular sobre tristeza e saúde, doença e saudade, entusiasmo alegria e letargia. Penso e anuncio cada uma dessas coisas, sem mover um braço, sem ofertar um sorriso ou abraço. 
Perdoe, amiga, essa confusão de me imaginar mais do que eu, crente num universo infinito e plural, como se o fato de conviver nesse meio pi-ro-téc-ni-co me desse o direito de assumir vários papeis. Tolere essa teimosia em considerar que, o que chamas de fingimento e simulação, para mim é apenas invenção e imaginação.
Perdoe o paradoxo de ser assim, muita vontade de fingir, sumir-e-se-mostrar e, mais do que tudo, a cara de pau de esconder a vontade de chorar.

Amiga, dei voltas e voltas para tentar te dizer o que estou sentindo. Fracassei. Então, apelo agora a estes versos de Fernando Pessoa: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) / Toda a gente que eu conheço e que fala comigo / nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / nunca foi senão príncipe na vida. / (...) Estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”.

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