quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Entrevista com Machado de Assis - Rubem Braga

Em outubro de 1958, o cronista e jornalista Rubem Braga escrevia “Entrevista com Machado de Assis”, publicado em seu livro “Ai de ti, Copacabana”, onde simulava trechos de um programa de televisão fictício em que Machado de Assis é entrevistado 50 anos depois de sua morte.
As respostas são frases retiradas dos contos, crônicas e romances escritos pelo próprio autor.
Repórter – O senhor gostava muito de jogar xadrez com o maestro Artur Napoleão, não é verdade?
Machado – “O xadrez, um jogo delicioso, por Deus! Imaginem a anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos come a todos. Graciosa anarquia...”
- Por falar em comer, é verdade que o senhor era vegetariano?
“...eu era carnívoro por educação e vegetariano por princípio. Criaram-me a carne, mais carne, ainda carne, sempre carne. Quando cheguei à idade da razão e organizei meu código de princípios, incluí nele o vegetarianismo; mas era tarde para a execução. Fiquei carnívoro.”
- Que tal acha o nome da Capital de Minas?
“Eu, se fosse Minas, mudava-lhe a denominação. Belo Horizonte parece antes uma exclamação que um nome.”
- E a respeito da ingratidão?
“Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar.”
- E a imprensa do escândalo?
“O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.”
- E esses camaradas que estão sempre na oposição?
“O homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador, que aliás lhe dera um paraíso para viver; mas não há paraíso que valha o gosto da oposição.”
- E o trabalho?
“O trabalho é honesto; mas há outras ocupações pouco menos honestas e muito mais lucrativas”
- E a loteria?
“Loteria e mulher, pode acabar cedendo um dia”
- E sobre dívidas?
“Que é pagar uma dívida? É suprimir, sem necessidade urgente, a prova do crédito que um homem merece. Aumentá-la é fazer crescer a prova.”
- Pode me dar uma boa definição do amor?
“A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada.”
- O amor dura muito?
“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.”
- E a honestidade?
“Se achares três mil réis, leva-os à polícia; se achares três contos, leva-os a um banco.”
- E o Brasil?
“O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.
- E os filhos?
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.”
- Muito obrigado, o senhor é muito franco em suas respostas.
“A franqueza é a primeira virtude de um defunto.”
- De qualquer modo, desculpe por havê-lo incomodado. Mas é que neste programa sempre entrevistamos alguém que já morreu...
“Há tanta coisa gaiata por esse mundo que não vale a pena ir ao outro arrancar de lá os que dormem...”

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