Vou tentar
descrever uma cara de sofrimento. Ele passava na rua, fumando. O
cigarro entre os dedos vinha acompanhado da expressão do rosto e do
restante do corpo, de atração e rejeição. Jogá-lo fora, embora
estivesse pela metade, para daí a pouco acender outro. Sinto sua
relação conflituosa com o cigarro, de prazer e doença, perdas e
ganhos - eu vi - fazia sentir-se um monstro, um bandido, mesmo que
estivesse ao ar livre.
Então, desliguei o piloto automático e passei a observar os transeuntes fumantes que cruzavam por mim. “Transeunte” é uma palavra horrível, eu odeio me imaginar assim quando saio para caminhar. Outra palavra que considero feia é “pedestre”, lembra “terrestre” e “rastejante” que, embora forçado, associo com tristeza e sofrimento. Quanto à alegria, não vi em nenhum daqueles transeuntes fumantes qualquer centelha disso. Não exibiam uma expressão de prazer, que todo vício deveria proporcionar. Isso, em parte, parece que tem a ver com as campanhas antitabagismo, sendo que a moral dos fumantes, a cada “Ministério da Saúde adverte...” despenca no abismo.
Então, desliguei o piloto automático e passei a observar os transeuntes fumantes que cruzavam por mim. “Transeunte” é uma palavra horrível, eu odeio me imaginar assim quando saio para caminhar. Outra palavra que considero feia é “pedestre”, lembra “terrestre” e “rastejante” que, embora forçado, associo com tristeza e sofrimento. Quanto à alegria, não vi em nenhum daqueles transeuntes fumantes qualquer centelha disso. Não exibiam uma expressão de prazer, que todo vício deveria proporcionar. Isso, em parte, parece que tem a ver com as campanhas antitabagismo, sendo que a moral dos fumantes, a cada “Ministério da Saúde adverte...” despenca no abismo.
Quando
criança, meu convívio com o cigarro não é como hoje: via meu pai
fumar o palheiro e também aqueles cigarros ainda sem filtro (meu pai
fumava a marca Tufuma). Junto com o ato de fumar, tenho a lembrança
das conversas com o vizinhos, acompanhadas pela roda do mate. Cigarro
na infância, portanto, lembra relaxamento, descontração, encontro
com os amigos. Recordo também as mãos de meu pai preparando o
palheiro. Era um artesão, confeccionava seu “objeto” com muito
carinho. Eram as mesmas mãos (calejadas) que preparavam a terra para
o plantio, que faziam a colheita, que confortavam os filhos e,
inclusive, que tapavam o rosto em pranto solitário.
Sei o
sofrimento que é se afastar de certos hábitos. Mas não embarco, no
mais, no discurso do “politicamente correto”. Meus amigos,
fumantes ou não: estamos juntos nesta “odisséia”. Não vamos
nos auto-flagelar. Não somos os responsáveis pelos testes
nucleares, que podem botar o planetinha pelos ares. Não somos os
responsáveis pela fome mundial, nem pela má distribuição de
renda... Ou somos?
O vício
não pode ser motivo para andarmos cabisbaixos, considerando-nos
merecedores da pena capital. Por outro lado, há um horizonte,
chamado “bom senso”, que vale à pena não perder de vista. Visar
um meio termo, entre o demais e o de menos, o excesso e a falta. Quem
sabe consigamos um equilíbrio entre nossos impulsos de prazer e de
dor. (Um desconfiômetro que acenda a luzinha quando descambamos
rumo ao excesso).
Se tivesse
o talento e o direito de dar conselhos, diria: Amigos, nos
preocupemos, principalmente, com as crianças. Como? Com nosso
exemplo de vida, o cultivo de valores, a tal da honestidade. Também,
não deixemos de contar histórias. Sim, contemos as nossas e outras
histórias, inclusive o namoro, casamento e o difícil divórcio com
o cigarro. Falemos, e muito, que nos sentiremos mais leves, para
constatarmos que não estamos sozinhos com estes problemas. De um
jeito ou de outro, compartilhamos tantas angústias com tantos
irmãos. Ao falarmos sobre, percebemos que o monstro não é tudo o
que parece.
Porém,
cuidado para não nos repetirmos. Igual ao vício, é chato ouvir e
ouvir sempre a mesma história, e ter a impressão de que são todas
parecidas. Por essas é que vale o esforço para deixar de fumar. Se
conseguirmos, estaremos criando uma nova história.
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