Beiço
sempre pergunta: "Cadê os acontecimentos sublimes, que masturbam os
sentidos?"
Suponho
que isso tem a ver com suas trapalhadas com garotas, as "putas". As
coisas andam sintomáticas. Ele se comporta com a seriedade de um pesquisador,
cientista social, um especialista em comportamento humano. Pra ele é
fundamental saber se uma garota é "fácil" ou "difícil", por
que fica com muitos caras ou não...
Nos
barezinhos de quinta categoria é farto o material para nossa análise. Ainda mais
estando rodeados de uns escrotos, uma corja satisfeita com os papéis que
desempenha por aí.
Discursos
agudos de operários batendo o ponto e colocando uns jalecos surrados pra
iniciar novo turno, e dizendo "graças a Deus que eu tenho um
emprego!"
Conversavam,
como se tivessem se reencontrado depois de décadas, como se estivessem
retornando de uma guerra, como se tivessem nascido de novo.
Suas
necessidades são terríveis aos olhos do Beiço, o especialista: desejam adquirir
uma arma, como se estivessem diante de inimigos terríveis, como se sua
sobrevivência dependesse do extermínio desses "monstros".
Falam
ao mesmo tempo, como porcos devorando a última refeição. Suas opiniões
políticas e econômicas e morais são perfeitas. Nada que não possa ser
reciclado, virar adubo e ser tragado pela natureza.
Um
horror. Afastei-me do balcão do bar com uma garrafa de cerveja no colo, cuidando
dela como se fosse meu bebê, e uns garotos viciados em coca-cola me fitaram,
como se eu desembarcasse de outro planeta.
Tempos
estranhos. Belos foram os ataques de espirros no sujeito duma mesa, que
discursava sobre suas dívidas aos bancos. Milagre, todos que estão próximos têm
dívidas nos bancos. Num momento incrível, eu falei e eles me ouviram. Quase
chorando, disse-lhes que devo pra meia dúzia de bancos, e que "ladrão que
rouba ladrão tem cem anos de perdão".
Esses
papos me fazem crer que os vermes não são seres inferiores e desprezíveis, um
ato escrotinho da criação. Nessa bagunça, cada bêbado vomitando sua verdade,
uma voz, que ficou represada em cada sonho desses nojentos, o que poderia ter
sido e não foi, limitou-se a dizer: "O mais importante é você jogar álcool
nessa carcaça".
Chegava
a noite e eu estava sem rumo, e não sabia e nem queria ir a qualquer lugar, e
sugava a segunda cerveja. Como um nevoeiro, a febre baixou sobre meu ser: penso
agora em boceta. Claro, sou influenciado pelas teses do Beiço.
Enquanto
a fala do meu amigo era abafada pela gritaria dos demais bebuns, observei o
trânsito na avenida. No sinal fechado uma motinha fodida aguardava na frente
dos carros. Enquanto esperava, o cara tentou engatar a primeira marcha... e
nada. Fiquei tenso. O sinal abriu e ele arrancou numa terceira, juro que eu vi!
A moto partiu indecisa, toda insegura, como certas mulheres loucas pra dar... Isso,
sejam mulheres ou sejam homens, muitas vezes cedemos mais do que planejamos. A
maioria não quer se expor, porém posta fotos sensuais na internet. Observo as
garotas, muita bunda e peito e poucos olhares interessantes. Mesmo assim,
sempre a lengalenga: "Não quero que a sociedade me rotule como veado ou puta!".
Três
garotas sentaram noutro canto, cigarros, salgados, celulares e olhares a
postos. Maquiagem, roupas sensuais e, influenciado pelo Beiço, imaginei que
elas eram do brique. Que merda, eu ali, um coroa carregado de preconceitos e
sacolas com queijo e massa e cebola e tomate e uma garrafa de uísque, fazendo
hora antes de voltar para casa e me enrolar no cobertor da minha solidão.
Encolhi de tamanho ao notar que elas se interessaram pelo garoto frentista, de
uns vinte anos. Elas olharam pra ele, eu vi tudo, e eu não existia.
Ah,
as minhas garotas. Saco, ou são muito gordas ou são esqueléticas. Amiguinhos,
aprendi com o Beiço, não ligo pra alma das mulheres, se têm de fato. A ideia
fixa é na roseira, sim, e eu me torturo e tenho prazer de lembrar como foram
esses paraísos, as garotas que posaram, paisagens de minha memoria. Relembro
como cultivava, quer dizer, conquistava, até desfrutar na cama aquela flor que
despetalava com paciência e técnica. Bem-me-quer, malmequer... de início com os
dedos e logo depois às beiçadas. Se alguém assistisse a cena, a garota com as
pernas totalmente escancaradas e eu com a cabeça ali mergulhada, creio que
acharia cômico.
Vou
repetir: minhas ideias fixas resultam dos conceitos giratórios que ouço do
Beiço. Hoje ele está mais estressado; com o trabalho, o patrão, a vida que
leva. Anotei várias coisas no meu bloquinho. A primeira foi ele dizendo que
"nós, Cadelão, somos uns operários de bosta, não especializados, uns
iludidos e enfeitiçados por um prato de comida. É isso, velho, só pensamos em
comer, comer e sobreviver". Não entendi se "comer" era literal
ou figurado. E disse mais: "Somos uns cretinos acomodados. Se nos mandarem
andar de quatro, nós andamos". De novo não entendi se "andar de
quatro" era literal...
Eu
dizia Menos, Beiço, menos, enquanto ele acelerava na quinta marcha.
-
Cadelão, além de falarem demais, essas criaturinhas trepam contigo uma única
vez e já pensam no amor!
Disse
a ele Meu amigo, mude o foco, pense no privilégio que é ouvir esses bêbados,
saca só o efeito terapêutico disso. Sabe, aqui estou vacinado contra o cheiro e
a imagem que fica da estrumeira que todos mergulham no dia a dia, tipo
alegrar-se com as tragédias dos outros, ou sofrer por causa do sucesso desses
outros. Beiço, agarre essa imagem: uma multidão de sapos coaxa amargamente num
pântano de merda.
Senti
que ele apertou os olhos... como se a bebida tivesse acelerado seu efeito. Continuei:
Estou aqui, carregando caneta e bloco de papel e uns trocados pra beber
cerveja. Mergulho nessa atmosfera, mas é como se não fizesse parte do ambiente.
Beiço
mexia as mãos, estralava os dedos, parecia impaciente. Saquei que era hora de
voltar a ouvi-lo, retomar o assunto verdadeiramente importante: como ter
sucesso ao correr atrás de boceta!
(B.
B. Palermo)