Eu queria te dizer,
muitas vezes eu te disse, como você me aguenta, eu queria te ver todos os dias,
com essa minha cara ingênua, de quem não tá nem aí pra foder, pra sentir teu
cheiro, pra ouvir tua voz e esperar pelo menos um abraço.
Você sabe que estou
mentindo, eu queria pular as preliminares, chover de vez no mundo essa porra
aprisionada, eu sei, estamos distantes, não falo do espaço, acho que é questão
de tempo, sei lá, ganho ou perdido, o tempo é uma senhora chamada morte que me
espera implacável em algum lugar. Meu tempo congelou ou derreteu, como os
neurônios. Dá medo essa história de só pensar em trepar, deitando tarde e
depois largar os tragos e tomar emprestado teus sonhos, aqueles mais ingênuos e
infantis.
Sempre aparecem as
encruzilhadas e que merda culpar-se pelas escolhas previsíveis, se pintores
escalam mansões e serventes de pedreiro despencam de andaimes e o cão da madame
está com câncer.
Suporto a ideia de você
abraçando e comendo outro e dormindo enroscada e enfim suporto a ideia de você
viver o sexo com outro. Aí me vingo comendo umas velhas devassas e suas xerecas
reluzentes e fedorentas e coloridas com os mesmos carimbos de carne de açougue.
Até quando trepo uma garota com raiva carinhosa fico um touro medieval e não
alcanço o orgasmo porque não é você.
Você vai rir se eu te
disser que escrevo essas coisas no bar ouvindo dois jovens trabalhadores inclinados
na mesa ao lado falando do absurdo que é o preço das peças de suas máquinas, do
esforço e do prazer que dá terem o carro rebaixado e pagar carnês e carnês das
coisas que investiram nessas ditas cujas. Puta merda, Eles sabem tudo de
mecânica e de ofertas no mercado virtual e eu enfio as unhas nas nádegas: meu
tempo deve estar dançando bêbado e sozinho num baile de terceira idade.
Você pode rir, mas eu
te digo, ando de saco cheio das coisas e dos áudios e vídeos que recebo pelo
WhatsApp de crianças com trinta e quarenta e cinquenta e quase sessenta anos,
aqueles seus delírios de 38 graus de febre.
Adeus papos filosóficos
e metafísicos e literários e científicos, que buscam desviar-se do cotidiano, eis
o tempo das coisas em dez suaves parcelas sem juros e acréscimo. Coisas nos
depósitos, em ordem e numeradas, nas vitrines, coisas que as pessoas vestem e
fotografam e compartilham, com seus piercings e tatuagens e cus sujos e cuecas
e calcinhas e bolsas de grife.
Morro de inveja do
entusiasmo com que falam das coisas. Queria ter esse entusiasmo pra desvendar o
que se passa nos porões desses serzinhos que raptam travecos lindos nas esquinas
opacas das madrugadas, seu medo da morte e desejo reprimido, isso pouco
importa pois em casa aguardam dúzias de soluções, meia estante de livros de
auto-ajuda. Foda-se, quando eu preciso me abster do álcool parto pra Água de
Melissa que contém doses generosas de álcool e uma bula alertando pro risco da
hepatite no fígado.
Juro que reservo doses
ridículas de energia só pra te desvendar, ou conhecer ou, vá lá, pra imaginar
outro serzinho pelado contigo enquanto bato minha punheta desesperada, graças a
Deus você se libertou do meu bafo e do meu ronco e do meu pessimismo e lirismo
careta.
Juro, quis encontrar
poesia na academia, entre uma selfie e uma sessão de exercícios pra fortalecer
braços e pernas e a mente conectada no pauzinho sofrido.
Tenho vontade de
perguntar a esses sujeitos: o que você sonha realmente fazer, como você viveu a
infância e suportou a adolescência, onde você se perdeu, onde você se encontrou.
E pare de falar dessa bosta, disso que você nunca soube descrever na sua
plenitude. Pare de delirar, enquanto coça o saco: "Meu, o que é a
felicidade?".
Jesus Cristo! Os
cretinos voltaram a falar de amortecedor
de barra de direção
de teto solar
de luz de Led
do tamanho do porta
malas
do ponto do opala
desregulado
do carburador e da
correia dentada
- a correia dentada,
meu Deus!
Os caras bebem cerveja
de qualidade e devoram chips e a marcha do mundo está fermentando. Todos os
mapas estão certos, nós é que estamos errados, estamos fascinados pela trilha
das coisas, o caminho do ouro.
Meu bem, todos estão
fingindo, a vida é um grande teatro, adeus separação entre palco e plateia,
atores chegam de todo canto, de todas as cores, nas ruas e lojas e bares e
farmácias
eu estou fingindo
você está fingindo
e assim vamos trotando
a vida
eu coloco coisas na tua
bebida
você coloca carro e
apartamento e profissão nos meus sonhos literários
e até na beira do
precipício pensamos que somos sinceros e completos.
Hoje acordamos tarde.
Zonzos e dopados e a noite é um presente que nos merecíamos.
Inclusive essa tua
visão acadêmica ingênua que às vezes trepa, e eu sei que vou dizer e você finge
que vai escutar, eu sei, isso me deixa mais broxa e preenchido de plenas
esperanças.
Cerveja ruim, papos
ruins, o que importa é que somos papagaios e macacos e especialistas em coisas
e temos paus nem sempre normais que nos frustram na hora do vamos ver e somos
especialistas em coisas e somos felizes.
(B. B. Palermo)
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