Germaine era puta. Não
esperava o homem se aproximar dela: ia e o agarrava. Lembro bem dos furos nas
meias dela, dos sapatos tortos e gastos; lembro também que ficava no bar com
uma determinação corajosa e cega, engolia uma bebida forte e saía de novo para
a rua. Uma puta! Talvez não fosse tão agradável sentir aquele hálito de bebida,
aquele hálito formado por café fraco, cognac, apéritifs, pernods e todas as
outras coisas que ela engolia nos intervalos, tanto para aquecer-se quanto para
juntar força e coragem; mas o fogo da bebida entrava nela, ardia entre as
pernas onde as mulheres deviam arder e formava-se aquele circuito que faz com
que se volte a sentir a terra sob os pés. Quando ela se deitava com as pernas
abertas e gemendo, mesmo que gemesse daquele jeito para todo e qualquer
freguês, era bom, era uma demonstração adequada de sentimento. Não ficava
olhando para o teto com olhar vazio ou contando os percevejos no papel de
parede, ficava atenta à sua tarefa, falava nas coisas que o homem quer ouvir
quando está trepando com uma mulher. Ao passo que Claude, bom, com Claude tinha
sempre uma certa delicadeza, mesmo quando ela entrava debaixo dos lençóis com
você. E a delicadeza dela agredia. Quem vai querer uma puta delicada! Claude
chegava a pedir para você olhar para o outro lado quando se sentava no bidê.
Tudo errado! Quando o homem está queimando de paixão, quer ver coisas, quer ver
tudo, até mesmo como elas mijam. E, embora seja muito bom saber que a mulher
pensa, a última coisa que se quer na cama é literatura vinda do cadáver frio de
uma puta. Germaine estava certa: era ignorante e robusta, punha o coração e a
alma no ofício. Era uma puta dos pés à cabeça, e essa era a sua virtude!
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
Ao sentar no vaso, fez-se a luz
Foi uma alucinada no
banheiro que trouxe a luz. Os traços geométricos dos azulejos são ridículos. Os
tapetes também. Distraído, ouvia a narração da partida de futebol na TV da sala
e meus olhos se encheram de areia ao ouvir o esforço que o narrador e
comentaristas faziam pra animar uma quimera de jogo. Teu cu! - pensei - dane-se
a obrigação de manter elevado o ibope dessas merdas de programas de televisão.
As coisas rolavam nessa
pegada no domingo à tardinha. Saquei, com vontade de dar voadoras nas portas das
casas do condomínio, que as coisas funcionam dentro de certa lógica. Sempre a
lógica que põe na cabeça da galerinha o que é normal. Nos noticiários, quando
abordam a cultura popular, tipo Festa de São João, os filhos da puta apenas
enfatizam o incremento na economia, hotéis, gastronomia. Estatísticas e
números. Teu cu que isso é normal, teu cu que isso é apenas má-fé! Isso é falta
de pauta, meus amigos!
Vocês diriam, Pare de
usar em vão o nome de tão magnífico órgão, afinal toda a natureza necessita
dessa válvula de dispersão, inclusive árvores têm ânus e blá-blá-blá...
Concordo, pessoinhas,
*** são abordados e acariciados e endeusados e, muitas vezes, humilhados... e não
apenas pelos sentidos. Há o discurso de gênero, o político e o científico e
tals. Observem a importância acadêmica de refletirmos sobre o ** do imaginário,
o ** da fantasia, o ** do inconsciente. Beiço direciona seus olhos pálidos pra
outra coisa, já que diz que sou meio repetitivo: Cadelão, e o rabo da loirinha,
hem? É... aquela que fez a dancinha da garrafa e ficou horas sassaricando no
teu colo esses dias, naquele puteiro...
Pelo amor de Deus,
deixem o ** seguir seu fluxo, cumprir sua indispensável missão, seja em árvores
ou peixes ou insetos ou bichos ou humanos. Um poeta disse que pedras têm cu!
Quando li isso tive a sensação de que tudo já foi escrito, rabiscar em folhas em
branco agora é uma perda de tempo.
Sei, estou na periferia
dos grandes debates, que ditarão os rumos dessa grande merda. Não faço a mínima
ideia do que é mais importante, se a denúncia de estupro de um carinha famoso
ou a liberação de mais agrotóxicos. Ou se é o desabafo da garotinha descrevendo
no Facebook os detalhes dos conflitos com sua mãe, avó de sua cria, ou se é o
desaparecimento das abelhas. Ouço gritos de socorro nesses bueiros e aposentos
de casarões abandonados. Cada qual superdimensionando suas paranoias. Hora
ideal pra um médico entrar em cena e anunciar o temido câncer no ****. Então a
garotinha quer que o mundo todo saiba que, entre Ela e sua mãe, os canais
afetivos e de comunicação não funcionam? Teu rabo, minha filha!
Esses dias rolou uma
campanha pra juntar dinheiro pra um sujeito poder conhecer pessoalmente seu
grande amor, que garimpou nas redes sociais. Dinheiro pra passagem, dinheiro
pra hospedagem... Então eu devo doar meu dindim pra uma criatura que não
conheço poder viajar e conhecer seu grande amor? Ah, tá, grande coisa, teu cu
que eu faço isso!
(B. B. Palermo)
terça-feira, 8 de outubro de 2019
Somos especialistas em coisas e somos felizes
Eu queria te dizer,
muitas vezes eu te disse, como você me aguenta, eu queria te ver todos os dias,
com essa minha cara ingênua, de quem não tá nem aí pra foder, pra sentir teu
cheiro, pra ouvir tua voz e esperar pelo menos um abraço.
Você sabe que estou
mentindo, eu queria pular as preliminares, chover de vez no mundo essa porra
aprisionada, eu sei, estamos distantes, não falo do espaço, acho que é questão
de tempo, sei lá, ganho ou perdido, o tempo é uma senhora chamada morte que me
espera implacável em algum lugar. Meu tempo congelou ou derreteu, como os
neurônios. Dá medo essa história de só pensar em trepar, deitando tarde e
depois largar os tragos e tomar emprestado teus sonhos, aqueles mais ingênuos e
infantis.
Sempre aparecem as
encruzilhadas e que merda culpar-se pelas escolhas previsíveis, se pintores
escalam mansões e serventes de pedreiro despencam de andaimes e o cão da madame
está com câncer.
Suporto a ideia de você
abraçando e comendo outro e dormindo enroscada e enfim suporto a ideia de você
viver o sexo com outro. Aí me vingo comendo umas velhas devassas e suas xerecas
reluzentes e fedorentas e coloridas com os mesmos carimbos de carne de açougue.
Até quando trepo uma garota com raiva carinhosa fico um touro medieval e não
alcanço o orgasmo porque não é você.
Você vai rir se eu te
disser que escrevo essas coisas no bar ouvindo dois jovens trabalhadores inclinados
na mesa ao lado falando do absurdo que é o preço das peças de suas máquinas, do
esforço e do prazer que dá terem o carro rebaixado e pagar carnês e carnês das
coisas que investiram nessas ditas cujas. Puta merda, Eles sabem tudo de
mecânica e de ofertas no mercado virtual e eu enfio as unhas nas nádegas: meu
tempo deve estar dançando bêbado e sozinho num baile de terceira idade.
Você pode rir, mas eu
te digo, ando de saco cheio das coisas e dos áudios e vídeos que recebo pelo
WhatsApp de crianças com trinta e quarenta e cinquenta e quase sessenta anos,
aqueles seus delírios de 38 graus de febre.
Adeus papos filosóficos
e metafísicos e literários e científicos, que buscam desviar-se do cotidiano, eis
o tempo das coisas em dez suaves parcelas sem juros e acréscimo. Coisas nos
depósitos, em ordem e numeradas, nas vitrines, coisas que as pessoas vestem e
fotografam e compartilham, com seus piercings e tatuagens e cus sujos e cuecas
e calcinhas e bolsas de grife.
Morro de inveja do
entusiasmo com que falam das coisas. Queria ter esse entusiasmo pra desvendar o
que se passa nos porões desses serzinhos que raptam travecos lindos nas esquinas
opacas das madrugadas, seu medo da morte e desejo reprimido, isso pouco
importa pois em casa aguardam dúzias de soluções, meia estante de livros de
auto-ajuda. Foda-se, quando eu preciso me abster do álcool parto pra Água de
Melissa que contém doses generosas de álcool e uma bula alertando pro risco da
hepatite no fígado.
Juro que reservo doses
ridículas de energia só pra te desvendar, ou conhecer ou, vá lá, pra imaginar
outro serzinho pelado contigo enquanto bato minha punheta desesperada, graças a
Deus você se libertou do meu bafo e do meu ronco e do meu pessimismo e lirismo
careta.
Juro, quis encontrar
poesia na academia, entre uma selfie e uma sessão de exercícios pra fortalecer
braços e pernas e a mente conectada no pauzinho sofrido.
Tenho vontade de
perguntar a esses sujeitos: o que você sonha realmente fazer, como você viveu a
infância e suportou a adolescência, onde você se perdeu, onde você se encontrou.
E pare de falar dessa bosta, disso que você nunca soube descrever na sua
plenitude. Pare de delirar, enquanto coça o saco: "Meu, o que é a
felicidade?".
Jesus Cristo! Os
cretinos voltaram a falar de amortecedor
de barra de direção
de teto solar
de luz de Led
do tamanho do porta
malas
do ponto do opala
desregulado
do carburador e da
correia dentada
- a correia dentada,
meu Deus!
Os caras bebem cerveja
de qualidade e devoram chips e a marcha do mundo está fermentando. Todos os
mapas estão certos, nós é que estamos errados, estamos fascinados pela trilha
das coisas, o caminho do ouro.
Meu bem, todos estão
fingindo, a vida é um grande teatro, adeus separação entre palco e plateia,
atores chegam de todo canto, de todas as cores, nas ruas e lojas e bares e
farmácias
eu estou fingindo
você está fingindo
e assim vamos trotando
a vida
eu coloco coisas na tua
bebida
você coloca carro e
apartamento e profissão nos meus sonhos literários
e até na beira do
precipício pensamos que somos sinceros e completos.
Hoje acordamos tarde.
Zonzos e dopados e a noite é um presente que nos merecíamos.
Inclusive essa tua
visão acadêmica ingênua que às vezes trepa, e eu sei que vou dizer e você finge
que vai escutar, eu sei, isso me deixa mais broxa e preenchido de plenas
esperanças.
Cerveja ruim, papos
ruins, o que importa é que somos papagaios e macacos e especialistas em coisas
e temos paus nem sempre normais que nos frustram na hora do vamos ver e somos
especialistas em coisas e somos felizes.
(B. B. Palermo)
terça-feira, 24 de setembro de 2019
Sou feliz, Ela curtiu meu blues
Quando Ela viajou,
compartilhamos pelo WhatsApp novidades bem comportadas, sobre literatura e
música e poesia e essas "coisas" que tanta gente escreve e publica,
mais sujeitos fuçando no teclado do que sujeitos leitores. Não sei se Ela vestia
pijama ou apenas calcinha, peitos fartos posando para quadros baratos na parede,
ou se estava comendo pipoca ou mascando chiclete ou fodendo com algum carinha.
Nessa hora me impregnou
o verso de uma música: "Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro".
Me sentia mais ou menos, aquela sensação de impotência ou inutilidade, algo
como esbarrar, no supermercado, nuns carinhas de classe media, talvez funcionários
públicos, pesquisando, introspectivos, algo imprescindível para a mecânica
perfeita do universo: o preço do tomate e da cebola e do brócolis e do pimentão.
Sentia-me impotente e
com a sensação de tempo jogado fora, semelhante à cena de uns marmanjos cujos
para-choques dos carros beijaram-se de leve no sinal, e isso, puta merda,
desencadeou discussões pavorosas e dezenas de telefonemas à polícia e à seguradora.
Adoro trocar esse tempo perdido por umas punhetas deitado no sofá na hora da
sesta. Está bem, concordo com vocês, não tenho o direito de criticar a maneira
como as pessoas jogam fora o seu tempo, quando minha cabeça é refém dos vícios,
como as bebidas e sexo.
Basta notar a seriedade
Dela carregando uma dúzia de frascos de esmalte, da sala pra sacada e pro
banheiro, ou fazendo a limpeza dos pés, ou depilando as axilas ou virilhas, que
eu sinto o medo de sempre, como é difícil morar junto e conciliar diferentes paranoias.
O que eu mais carrego de um lado pro outro são os fardos de latões de cerveja.
Vocês diriam, Cadelão é
um egoísta, não suporta dividir o pão, a carne moída de segunda e às vezes de
primeira e a sobremesa, as contas de condomínio, o IPVA, os cartões de crédito
e o amor.
Ela fareja bem demais.
Encontra-me em qualquer um dos 50 bares dessa cidade careta. Vomita as queixas
previstas mas que ainda me emocionam e enchem de culpa. "Cadelão é um
poetinha de merda que não suporta viver em bando".
Sofro, porque eu lembro
emocionado os dias sem tempestades, quando Ela me aguarda de pijama e meias
surradas porém limpas cheirando a amaciante Lírios do campo e de pantufas, ou quando
passeamos no Monza e Ela veste o mesmo pijama e casaco por cima porque o
inverno é um teimoso e, olha como posso ser feliz, Ela até disse que curte o
meu blues.
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 23 de setembro de 2019
Um brinde aos cacos desses copos
O cara da moto potente desafiando
a solidão
voa pelas avenidas esburacadas
dessa cidade pacata
no domingo de manhã.
Um suicídio vagaroso
e doloroso e fiel tal
qual o meu
empilhando garrafas vazias.
Dias úteis dos operários
cansados
são inúteis.
Um brinde aos cacos
desses copos que enfeitam
nossas mãos
como se fossem rosas.
A máquina desesperada
circulou também pela
tarde,
talvez estivesse
depressiva
ou chapada.
Final de domingo
ônibus das bandas que
animam bailões
roncam pra cima e pra
baixo.
Os coroas têm opções de
contar nos dedos
nos finais de semana:
bailes ou missas ou
cultos
ou programas de
auditório de TV.
Velhos e velhas fodem
pra valer
e o tempo está se
esgotando,
danem-se as DSTs
dane-se o HIV.
Familiares, relaxem,
o atestado de óbito não
alegrará fofoqueiros desocupados,
dirá apenas que foi
"morte por causa indeterminada".
(B. B. Palermo)
domingo, 22 de setembro de 2019
Trechos de Henry Miller
“Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza... e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar.”
***
“É exatamente porque as probabilidades são todas contra você, precisamente porque há tão pouca esperança, que a vida aqui é deliciosa.”
***
“Sou um homem livre - e preciso da minha liberdade. Preciso estar sozinho. Preciso meditar na minha vergonha e no meu desespero em retiro; preciso da luz do sol e das pedras do calçamento das ruas sem companhias, sem conversação, frente a frente comigo, apenas com a música do meu coração como companhia.”
sexta-feira, 20 de setembro de 2019
Quente - Bukowski
ela era quente, era tão quente
que eu não queria que ninguém mais a tivesse,
e se eu não chegasse em casa na hora certa
ela já teria ido, e era uma coisa que eu não podia
suportar -
eu enlouquecia...
era uma idiotice, eu sei, uma infantilidade,
mas eu me deixava levar, eu me deixava levar.
eu entregava todas as correspondências
e então Henderson me colocava na coleta noturna
num velho caminhão do exército,
a porra da lata velha começava a aquecer na metade
do caminho
e a noite seguia
eu pensando na minha Miriam quente
e eu entrando e saindo do caminhão
enchendo sacolas com cartas
o motor prestes a fundir
a agulha do termômetro cravada no vermelho
QUENTE QUENTE
como Miriam.
eu seguia saltando
mais 3 coletas e então de volta ao posto
eu estaria, meu carro
à espera de me levar até Miriam que estaria sentada em
meu sofá azul
com um uísque com gelo
cruzando as pernas e balançando os tornozelos
como costumava fazer,
duas coletas mais...
o caminhão enguiçou junto a um sinal, era o inferno
dando suas caras
mais uma vez...
eu tinha que chegar em casa até as 8, 8 era o prazo
final de Miriam.
fiz a última coleta e o caminhão enguiçou num sinal
a meia quadra do posto...
não tinha jeito de dar a partida, de jeito nenhum...
tranquei as portas, apanhei a chave e corri até o
posto...
me livrei das chaves... assinei o ponto...
a porra do seu caminhão está enguiçado no sinal,
gritei,
Pico com a Western...
... corri pela entrada, coloquei a chave na porta,
abri... seu copo de bebida estava lá, e um bilhete:
fio da puta:
isperei até 8 e sinco
você não me ama
seu fio da puta
alguém vai me amar
fiquei isperando todo dia
Miriam
servi um drinque e deixei a água encher a banheira
havia 5.000 bares na cidade
e eu percorri 25 deles
atrás de Miriam
seu ursinho púrpuro de pelúcia segurava o bilhete
e ele estava escorado num travesseiro
dei um trago para o urso, outro para mim
e entrei na água
quente
(Do livro "Queimando na água, afogando-se na chama").
terça-feira, 17 de setembro de 2019
Cruzando o sinal vermelho
Mochila nas costas,
cabelo amarrado,
balançando,
da universidade pra
casa,
da casa pra
universidade.
A vontade ergue
edifícios,
investe em negócios
milionários,
basta Ela passar por
mim e acenar.
Bobo, a dúvida sempre
aparece:
Ela ficou vermelha?
Ela me quer?
No trânsito, a maior
transgressão de uns serzinhos
é cruzarem o sinal
vermelho.
Outros, se masturbarem
com parcerias
proibidas à luz do dia.
Não sei qual é a minha
transgressão,
diante de sua passagem,
Ela, o retrato nietzschiano
da vontade de potência.
Quero transgredir,
apesar de ser
um fraco, um tímido,
pisando em ovos ou
brasas,
com medo de errar a mão
e o pé,
não acertar a descida
do degrau
embora sóbrio e à luz
do dia.
Diante Dela, tenho medo
de errar no verbo,
ficar vermelho e
despencar no abismo.
Ninguém suporta cair.
Por isso que os bares
e seus estoques e os
puteiros
e suas ninfas
aguardam...
Na volta da boemia,
de madrugada,
eu cruzo o sinal
vermelho.
(B. B. Palermo)
domingo, 8 de setembro de 2019
Pega esse Fernando Pessoa e enfia no rabo
O Ridículo me mandou áudios pelo WhatsApp
declamando poemas do Fernando Pessoa.
Tudo bem, admiro esse grande poeta.
Mas me senti humilhado, vocês sabem, ando travado,
não desenvolvo nem ao menos uns poeminhas escrotos.
E o Beiço dá-lhe poemas do irmão português.
Daí a pouco explodi:
- Pega esse F. P. e enfia no rabo!
Beiço retraiu-se. Veio com essa:
- Maluco,
qual é, sei que você curte Fernando Pessoa.
Principalmente o "Poema em linha reta".
E emendou:
- Cadelão, mandei o áudio desse poema
pros meus grupos de WhatsApp.
Esqueci de colocar sua autoria.
Velho, eles me elogiaram,
disseram que sou um grande poeta.
Meus Deus, uns até são pós-graduados.
O que você acha disso?
- Normal. A arte anda mal
das pernas nesse país.
- Sei que tu está no bar do Geni.
Pega um táxi e vem pra cá.
Estão aqui a minha namorada e o El Cabezón.
Chamei um Uber.
O taxista era um garoto de vinte e poucos
que tinha outro emprego
e que dirigia pelas madrugadas
transportando fantasmas
pra aumentar sua renda.
Falou que conhece todas as zonas da cidade
e disse que tem muita garota linda
então eu falei Que massa, cara,
qualquer dia você me mostra o mapa das minas.
Quando cheguei lá
o Ridículo manteve a tortura.
Era "Tabacaria", era "O guardador de
rebanhos",
era "Autopsicografia".
- Cadelão, você não lembra,
esse livro do F. P. foi você quem me emprestou.
Claro que eu nunca mais devolvo hehehe.
- Pega esse F. P. e enfia no rabo!
Pra variar o repertório do sarau,
busquei no Google uns poemas
do Velho Safado.
A cada poema que eu lia
El Cabezón delirava:
- Cara, isso é o Cadelão!
- Capaz, eu nunca vou alcançar esse lirismo
e ceticismo e sangue jorrando
e o cheiro do álcool em cada verso - eu dizia.
Pensei, O que a mistura de vinho e cerveja e pó
não faz na cabeça de uma desgraça dessas.
Na volta para casa, no táxi, bêbado,
estava decidido a não mais me comparar
com os grandes, pra não me sentir
humilhado.
Pouco antes de acordar no início da tarde
do mesmo dia
O Fernando Pessoa
invadiu meu sonho.
Perguntei-lhe à queima roupa:
- Pessoinha, como fazer para escrever
pra caralho, assim como tu? Me diz,
Pessoinha, devo me penitenciar
das bronhas e das fodas com as putas,
canalizando toda minha energia pra criação?
Ele falava e falava.
Pelo menos eu via o movimento dos lábios.
Mas nada escutava.
Logo abandonou meu sonho
e chutou a porta do quarto.
Acordei com essa coisa na cabeça:
- "Se queres te matar, por que não te matas"?
(B. B. Palermo)
terça-feira, 3 de setembro de 2019
Cláudia, qual é o teu signo?
Doutor Biza convenceu-me a frequentar um centro mediúnico.
- Cadelão, tu precisa expulsar essa vontade louca de
beber. E tem mais, me disseram, tu anda travado, não consegue escrever.
Ele tem razão. Estou bloqueado. E quanto mais penso
nisso, mais a inspiração foge.
O Doutor jurou que no Centro as inteligências altamente
desenvolvidas me desbloqueariam, já que os canais da criatividade são infinitos.
Aconselhou que eu devia, como todo mundo, evoluir,
deixar de ser um serzinho egoísta, fuxiquento, orgulhoso e odiento, e ser mais solidário,
mais empático com os irmãos que comigo
dividem o planeta.
Algumas vezes,
ingenuamente, sonhei ser algo como um médium, psicografar poemas e
histórias de artistas malucos de inteligência hiper-desenvolvida que aqui passaram
em outras vidas. Fico travado porque não me aprumo, um escroto, meus olhos são
sensíveis demais diante das barbaridades que assisto, uma rotina de competição,
desejo de acumular, de se exibir, de dar valor quase que absoluto ao corpo.
Como não suporto conviver com essa merda, corro até o bar mais próximo.
Ainda acredito (sou ingênuo diante de vossos lindos olhos?)
que vou "receber" inspiração para meu grande livro, o qual vai
resolver boa parte dos problemas: dinheiro, garotas, reconhecimento. E o Doutor
garantiu que, no Centro, eu terei progressos nisso também.
Só sei que eu estava lá, esperando a boa nova que o
Doutor profetizou. Saturei depois do último fiasco, tropeços em garrafas
espatifadas e cotovelos e joelhos esfolados pelos tombos no retorno do bar para
casa.
Era sexta à noite, havia uma multidão procedente de
centenas de lugares que ficavam a centenas de quilômetros dali. Novo cenário,
que me fez esquecer as crises ambientais e políticas e econômicas e outras
tantas que nosso planeta atravessa.
Mas não consigo superar meus conflitos com Deus. Quando
me deparo com crianças pedintes nas esquinas, em vez de estarem na escola, e
seus pais igualmente pedintes e sem perspectiva de futuro, eu pergunto: Deus,
você não vai fazer nada? Sua resposta, um rebote em que a bola está a cento
poucos por hora, me derruba: Cadelão, você está sendo chamado a semear gestos de amor, estenda as mãos, exercite
a caridade. Por que você não canaliza tuas energias para o aprimoramento de tua
alma? O impasse com Deus continua, não sabemos de quem é a responsabilidade
para solucionar os problemas desse mundo, então eu corro pro bar, apanho o
jornal e vejo os resultados das loterias. E deliro, fazendo promessas de que,
se acertar sozinho na mega-sena acumulada, vou distribuir boa parte do prêmio
em caridade. Sei, sei, eu vivo de promessas, e uma delas, inclusive, é a de
diminuir o consumo de álcool. Sim, sim, creio na bondade do divino, e espero
não ser expurgado, mesmo fazendo tantas merdas nessa vidinha finita.
O atendimento mediúnico, num grande ginásio, seria
no início da manhã do dia seguinte. Instalei-me numa pensão que até poderia
lembrar campos de refugiados ou de concentração, mas o contexto era outro,
todos ali buscavam saúde, vida em vez da morte, ao contrário da experiência
nazista. Todos movidos pela seu livre arbítrio, e não enjaulados por
governantes psicopatas. Era bem limpo e organizado, com crianças e jovens e
velhos, humaninhos como eu em busca da cura e motivados pela fé.
No restaurante, alimentação adequada para doentes
que fazem dieta. Nada de café e bebidas alcoólicas e lanches com carne
vermelha. Apenas sopas com legumes e grãos e sucos naturais. Todos estampavam
olhares cansados das longas viagens, com suas sacolas e mantas e travesseiros e
cobertores. Observava o ambiente, meio que familiar, e me roía de vontade de
correr pra um boteco qualquer.
Então troquei olhares com uma garota loira. Lá fora
despencava um temporal. Depois, no dormitório, ao subir na parte de cima do
único beliche que me restou, notei que a garota, a loira, dormiria no beliche
ao lado do meu. Disse-lhe:
- Se não conseguir outra cama, posso dormir no
ônibus. Não quero atrapalhar.
Ela falou:
- Não me importo, só deito pra relaxar e esticar as
pernas. Não consigo dormir mesmo.
Umas cinquenta pessoas empoleiradas. Velhas e
velhos, com a saúde debilitada, deitavam nas camas da parte debaixo. Alguns já
dormiam, e não passava de nove da noite.
Encostadinhos, puxei conversa e a garota contou por
que estava ali. Tratava de um câncer incurável, segundo os médicos. Ficou
hospitalizada durante quase dois anos, suportando a dor e a fraqueza resultantes
da radioterapia, e inclusive teve que usar bolsa de colostomia, por causa de um
intestino furado durante o tratamento.
Era de Porto Alegre, bancária, "encostada" no emprego esse
tempo todo, e o marido, no momento de sua maior solidão e dor, abandonou-a e
partiu com outra mulher.
Já disse outras vezes, sou curioso, não é tempo
perdido ouvir os dramas da vida das pessoas.
Depois de conversarmos por um bom tempo, a luz do
dormitório apagada, me vi numa lagoa. Sapos coaxavam, em diferentes ritmos e
sonoridades. Alguns mais angustiados, outros meio sofridos e até parecendo darem
os últimos suspiros. Roncos mais próximos do fim, outros mais serenos e
esperançosos.
Não conseguia digerir a história trágica que a
garota narrou. Afinal, era jovem e bonita, eu não acreditava que Ela passou por
tudo o que me disse.
Na parede, atrás do travesseiro onde Cláudia
deitara, havia uma pequena janela basculante envidraçada. O clarão dos relâmpagos
realçavam seu cabelo loiro, e eu me ligava naqueles olhos azuis irradiando
vida. Bobo, perguntei:
- Cláudia, qual o teu signo?
- Chiiiiiii... Sossega, senhor Palermo, senão daqui
a pouco eles vão acordar e nos xingar.
Rimos e eu passei a noite me revirando no andar superior
do beliche. No outro dia cedo, no atendimento da multidão dentro de um grande
ginásio, eu carregava um bilhete no bolso, com meu nome e número de telefone e
contas das redes sociais, para nos conhecermos melhor. Oxalá as inteligências altamente desenvolvidas já estavam
solucionando, pelo menos, meus problemas no amor.
Mas, como tem acontecido com meus escritos, eu
travei. Simplesmente, não tive coragem de lhe entregar.
(B. B. Palermo)
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
Feitos uns para os outros
Ela disse Meu
namoro já completou um ano
e vive cheio
de perrengues.
Eu disse Não
tenho ciúmes.
E perguntei
Você não curte o poliamor?
Ela disse Tô
sabendo, seu velho escroto,
e então riu daquele jeito kkk.
Sou um cara
cheio de incertezas
e transpiro
esperança.
Creio em anja
da guarda
e na
linguagem sutil do Divino.
E, repito,
aposto numa relação triplex.
Entro onde o
garoto falha,
dar flores,
levar o cão pra passear
e juntar seu
coco nas gramas dos passeios,
cuidar dos
vegetais orgânicos,
dos grãos e
dos cereais.
Porém, de vez
em quando tomo meus porres
e me
transformo num coroa devasso
e irônico.
Sei, sei, a
relação em meses derreteria
como bolha de
sabão.
Ela é
comunista
e gosta das
festas do padroeiro.
Sou inútil
que tem orgulho do intelecto,
embora
esqueça de todas as frases
que
considerei importantes
dos livros
que li.
Sempre choro
por bobeiras
em dias de
ressaca.
Tenho chorado
muito.
Meus
perrengues são outros.
Acredito no
poliamor.
Minhas
garotas aguardam
em algum
lugar.
Como disse o
poeta Cacaso,
fomos feitos
uns para os outros,
agora só
falta quem nos apresente.
(B. B.
Palermo)
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