domingo, 8 de setembro de 2019

Pega esse Fernando Pessoa e enfia no rabo



O Ridículo me mandou áudios pelo WhatsApp
declamando poemas do Fernando Pessoa.
Tudo bem, admiro esse grande poeta.
Mas me senti humilhado, vocês sabem, ando travado,
não desenvolvo nem ao menos uns poeminhas escrotos.
E o Beiço dá-lhe poemas do irmão português.
Daí a pouco explodi:
- Pega esse F. P. e enfia no rabo!
Beiço retraiu-se. Veio com essa:
- Maluco, qual é, sei que você curte Fernando Pessoa.            
Principalmente o "Poema em linha reta".
E emendou:
- Cadelão, mandei o áudio desse poema
pros meus grupos de WhatsApp.
Esqueci de colocar sua autoria.
Velho, eles me elogiaram,
disseram que sou um grande poeta.
Meus Deus, uns até são pós-graduados.
O que você acha disso?
- Normal. A arte anda mal
das pernas nesse país.
- Sei que tu está no bar do Geni.
Pega um táxi e vem pra cá.
Estão aqui a minha namorada e o El Cabezón.
Chamei um Uber.
O taxista era um garoto de vinte e poucos
que tinha outro emprego
e que dirigia pelas madrugadas
transportando fantasmas
pra aumentar sua renda.
Falou que conhece todas as zonas da cidade
e disse que tem muita garota linda
então eu falei Que massa, cara,
qualquer dia você me mostra o mapa das minas.
Quando cheguei lá
o Ridículo manteve a tortura.
Era "Tabacaria", era "O guardador de rebanhos",
era "Autopsicografia".
- Cadelão, você não lembra,
esse livro do F. P. foi você quem me emprestou.
Claro que eu nunca mais devolvo hehehe.
- Pega esse F. P. e enfia no rabo!
Pra variar o repertório do sarau,
busquei no Google uns poemas
do Velho Safado.
A cada poema que eu lia
El Cabezón delirava:
- Cara, isso é o Cadelão!
- Capaz, eu nunca vou alcançar esse lirismo
e ceticismo e sangue jorrando
e o cheiro do álcool em cada verso - eu dizia.
Pensei, O que a mistura de vinho e cerveja e pó
não faz na cabeça de uma desgraça dessas.
Na volta para casa, no táxi, bêbado,
estava decidido a não mais me comparar
com os grandes, pra não me sentir
humilhado.
Pouco antes de acordar no início da tarde
do mesmo dia
O Fernando Pessoa
invadiu meu sonho.
Perguntei-lhe à queima roupa:
- Pessoinha, como fazer para escrever
pra caralho, assim como tu? Me diz,
Pessoinha, devo me penitenciar
das bronhas e das fodas com as putas,
canalizando toda minha energia pra criação?
Ele falava e falava.
Pelo menos eu via o movimento dos lábios.
Mas nada escutava.
Logo abandonou meu sonho
e chutou a porta do quarto.
Acordei com essa coisa na cabeça:
- "Se queres te matar, por que não te matas"?

(B. B. Palermo)

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