terça-feira, 10 de dezembro de 2019
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
Final do campeonato gaúcho de futebol feminino
Quando
sentei na arquibancada os dois times estavam aquecendo. Reparei na massa
muscular das gurias... Jesus Cristo! Os músculos a mil, vibrando,
principalmente as coxas... Aquelas musas derretiam meu olhar, os cabelos
amarrados, a pele bronzeada de treinos e jogos no sol a pino.
O
suor, a motivação, a vontade de morder a bola. Velho, eu observava tudo aquilo
e também queria ser mordido, ser o cara, no caso, A BOLA... isso, queria ser pisado,
agarrado, chutado.
Pouco
antes de começar o jogo eu via as gurias dos dois times abraçadas, formando
dois círculos perto do meio campo... As CAPITAS dando aquela moral e motivação,
"Todo mundo ligada..." e "Vamos lá, todo mundo comendo a grama,
é o jogo de nossas vidas..." E
então o grito "Inter, Inter, Inter!". A mesma coisa no lado do
círculo com as gurias do Grêmio... "Grêmio, Grêmio, Grêmio!".
Cara,
aí eu também me motivei. O sangue ferveu e o radiador furou e eu decidi ir pra
copa sugar um latão de cerveja, lamber a espuma que ficou nos beiços, olhando e
devorando aquelas deusas que começaram a voar no gramado.
Daí
a pouco um maluco, cara de chapado, e que se desgarrou de uma torcida
organizada, se aproximou com esse papo: Mano, tu viu como elas entram nas
divididas... Mano, tu viu como elas se enroscam e se agarram... Mano, olha só como
elas se agarram!
A
criatura exibiu um punhado de notas de cem reais... e ficou dizendo pra esse Cadelão,
Mano, tu é ingênuo... Mano... o que tu vê aí dentro de campo, desde a
massagista, a fisioterapeuta, a técnica... as jogadoras... Mano, todas elas são
lésbicas... Aí eu falei: Velho, se isso for verdade, eu tô em casa... Eu também
sou lésbico.
O
cara ficou me encarando e deve ter pensado "Sujeito mais estranho, véio!".
Dali a pouco falei pra ele: Tá vendo aquele
filho da puta grudado na tela do alambrado? O infeliz xinga a árbitra, a
técnica adversária, a bandeirinha... Esse retardado está estragando o que o
futebol tem de melhor, que é jogar com alegria.
Botei
filosofia pra cima dele. Falei, Malandro, pra mim o que vale é a arte dos
movimentos... O mais bonito e que me alegra é a estética da coisa...
Foi
então que o inteligente veio com uma de comparar a pouca qualidade do futebol
das gurias, com relação ao futebol da série A do campeonato brasileiro.
"As gurias correm pra todo lado, meio perdidas... quem pensa um pouco e
tem qualidade no passe e no chute vira craque".
Falei
pro cara: Velho, tu tá acostumado com o futebol que passa na TV... Acorda, meu,
95% do futebol dos machos que rola no país é mais feio do que esse aqui. Além
disso, acho muito mais interessante pousar meus lindos olhos nas pernas dessas
gurias do que nas pernas dos marmanjos. Sempre vou preferir ver as deusas
correndo atrás de uma bola.
O
cara foi pro banheiro. Aí o segurança do bar, que observava e ouvia nosso papo,
se aproximou e falou: Fica ligado, meu, esse cara é uma "mula".
No
segundo tempo foi gol em cima de gol. Putz, a comemoração das gurias me pareceu
uma imitação do jeito de comemorar que sempre se vê no futebol masculino. Puta
merda, não acredito que elas estão imitando os caras! Elas deviam se agarrar e
se abraçar e se beijar daquele seu jeito "lésbico" (kkkkk... Claro
que isso só passou pela parte mais "suja" de minha cabeça... Não
falei pra ninguém... Imagina ser carimbado como um simpático machista).
Matutei:
As gurias não tem que reproduzir o que o futebol tem de pior, que é a
violência, a competição... e de valorizar apenas a vitória, ainda mais quando o
jogo é feio... Observei as comissões técnicas, suas olheiras, carinhas de pouco
sono e muito estresse. É o que se ganha quando se encara o futebol apenas da
perspectiva dos resultados, ou seja, quando só interessa a vitória e o lucro.
Pensei: Velho, acho que essas criaturas quase não dormem. Caralho, parece que
estão se transformando em máquinas!
No
final do jogo, não sei por que, fiquei meio triste. Sendo uma decisão de
título, enquanto um time de deusas ficou superfeliz, o outro time de deusas
ficou hipertriste. Velho, eu me dividia. Não sabia se comemorava o título com
as campeãs, ou se abraçava as garotas derrotadas e chorava junto. Como tinha
muita gente comemorando, no gramado e arquibancadas, pensei que minha missão era consolar as gurias que perderam. Foi o que fiz. Me dirigi até o seu
vestiário. Ao chegar, fui barrado por um segurança, um armário de uns dois
metros de altura. Droga... Eita vida cruel. Velho, acho que nasci numa época
errada... Só Pode... Ninguém me compreende!
Mas
ainda não quis me retirar do estádio. Havia algo guardado para mim, pensei.
Observei uma repórter de TV perto da boca do túnel. Era a Kelly Costa. Caramba,
como ela é linda! E ela me viu... Gente, Ela trocou olhares comigo! Sim, me pareceu
interessada em saber quem eu sou...
É
isso aí, velho, com esperança o mundo tem tudo pra dar certo!
(B.
B. Palermo)
segunda-feira, 2 de dezembro de 2019
Sempre há motivos para beber mais uma
Na
loja de conveniência do posto de combustíveis, observo uma jovem garota comendo
salgadinho e bebendo um copão de café preto.
Convenço-me de que a cena vale
outra cerveja.
Jovem,
e de medidas desproporcionais. Isso numa cidade repleta de gatas lindas - tanto
loiras quanto morenas.
Meus olhos estão dispostos, encaram o que vier.
Hum...
Encontro-me numa distância de uns cinco metros, e percebo que me enganei. Não é
café, é refrigerante, Fanta uva.
Sofregamente, a moça dá conta do salgadinho.
Agora ela devora um enroladinho. Bom apetite. Mastiga e engole no mesmo
ritmo alucinado do trânsito à tardinha.
Nunca
saberá que a flagrei em plena luz do dia do pecado.
Nunca
saberá que foi dominada pela gula, uma parte angelical e, ao mesmo tempo,
diabólica do seu corpo.
(B.
B. Palermo)
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
O sangue de um romântico ingênuo é sugado pelas piriguetes
Experimento
hoje um sentimento de solidão e tédio, como quem espera ônibus urbano em dia de
feriado. É o mesmo sentimento que experimentei quando passeava com a namo no
Monza, tinindo, e lavado, e lustrado. Ela mergulhada no chimarrão com sabor de
ervas exóticas, cuia poeticamente enfeitada, e eu gemendo, cheio de tremores
dada a necessidade de umas doses. Ela
falando de móveis e imóveis que estruturariam "nosso" futuro, e eu
roendo as unhas de tanta vontade de saltar fora, pra poder começar tudo de novo
com outra.
Necessito
emigrar de uma relação para outra, nada de ficar mais de um ano, no máximo um
ano e meio. Isso para escapar de suas críticas e lamúrias e os respingos na
minha cara, como saliva de bêbado. Sei que ouvirei e ouvirei, como um sonho que
se repete: "Tu me enrolou, me prendeu... por todo esse tempo. Deixei de
casar com o Ricardão. Ele me amava tanto! Tu faz ideia de quantos caras vinham
atrás? E agora, quem é que eu vou arranjar?".
Enquanto
a garota tinha olhos pro futuro, pro companheiro que saltaria feito um tigre
pra cima do chamado "amor eterno", eu pensava nos livros que
publicaria, nos livros que gostaria de ler, nos contos que desejava escrever...
E, claro, nas gatas que me cercariam e bajulariam quando fosse o escritor cuja fama
me chamasse.
Ela
falava dos mates, do chá de fraldas da amiga, da Black Friday, e eu me distraia
com belos rabos que acariciavam meus olhos nas esquinas por aí.
Quando
o relacionamento, enquadrado nos padrões usuais, começava a desmoronar, eu
sentia uma alegria doente, e notava minha cara-metade com semblante de bunda.
Enquanto sentava no vaso sanitário, minhas ideias claras e distintas me beliscavam
e diziam que ela merecia um traste melhor do que eu.
Quanto
mais ela se afogava no chimarrão e nos sucos detox e chás emagrecedores, eu
mais investia em vodca e cerveja e uísque. Reconheço, com frequencia minha alma
despertava azeda, tudo porque enchia o cu com cerveja ruim.
Toda
vez que ela trazia "nossos" planos na dianteira, como se fosse frase
de para-choque de caminhão, eu tinha a impressão de que ela falava alto, muito
alto, a ponto de todos os meus amigos e conhecidos estremecerem. Os caras eram
testemunhas da fria em que havia me metido. Sabia que com qualquer outro,
desfilando nos sábados e domingos à tardinha com o mate e em carros bem
melhores do que o meu, sua felicidade fluiria naturalmente. Qualquer sujeitinho
com seus papos e músicas bestas a deixaria mais feliz e centrada,
encaminhando-a praquilo que sempre sonhou.
Às
vezes sou humilde, admito que não sou melhor do que esses galãs, ao contrário,
sou um grande bosta, deslocado do que rola no tablado encerrado e lustroso em
que a galera desfila.
Estou
de saco cheio de ouvir de vocês: "Cadelão, tens à mão, deitada ao teu
lado, uma incrível boazuda, tu fode toda
a noite... tu goza e ela goza, e assim empalidecem suas lamentações e
noias... Veja bem, todo esse banquete, por que então a necessidade de correr
atrás de outros rabos?".
E
vocês dirão mais: "Acho que essa necessidade de futricar daqui e dali é o
que vai foder com tua vida. Tu fica salivando ao cruzar por essas piriguetes,
suas vozes e olhares e cheiros e fragrâncias, e assim não desfruta por inteiro o
que está aí bem do teu lado".
Apesar
de tudo, eu juro, sou um bom garoto. Sério, não riem, talvez sejam breves
recaídas de um bêbado que se deixa afetar por um puto lirismo esperançoso, que
se resume em correr atrás de amores impossíveis, como se quisesse ressuscitar o
rock nacional dos anos 90.
Juro,
não passo de um romântico ingênuo perdido no palco. Um pescador amador que se
embrenhou por lagoas e pântanos, mas que esqueceu do repelente de mosquitos, e
por isso o sangue que circula nas veias de suas pernas sofre incrível sucção
dos borrachudos, que são as piriguetes, a cada dia mais ousadas e agressivas.
(B.
B. Palermo)
segunda-feira, 18 de novembro de 2019
Ainda vai chover na minha aorta
O Beiço perguntou:
- Cadelão, por que você não escreve mais?
Não passou trinta segundos, e o veado debochou:
- Cadelão, por que não te matas?
Então respondi:
- Estou igual a um personagem do Hemingway, só juntando material! Sei que, além do sol também se levantar, a qualquer hora vai chover na minha aorta.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 7 de novembro de 2019
De mãos dadas com senhor Sombra
Farmácias brotam diante
dos olhos
feito tiririca nos gramados.
Bares aguardam bêbados
convictos e tímidos
e outros tipos que
fazem estágio.
Alguns serão aprovados,
outros serão resgatados
por pastores de
igrejas.
Entre bares e
farmácias, escolho os primeiros.
Em vez de paroxetina e
valium e prozac,
prefiro cervejas e
canecos de chope.
Estou feliz porque
ninguém sabe
do banho enforcado e do
sovaco a mil.
O dia começa as 12h e o
almoço é as 16h.
Uma voz ensombreada,
diz:
- Ainda vou te levar
ao céu.
O Sombra, um cara que
dizem ser meu eu mais profundo e radical,
um Cadelão do avesso e
vesgo e falso,
ri do meu perfil quando
juro que sou sincero.
Até hoje não me
acostumei com esse sujeito
grudado no meu
pé.
Todo dia pessoas sinalizam
posturas bem comportadas,
como se fossem pintores
envernizando minhas faces,
maquiando o meu perfil.
Coachings me perseguem
e tagarelam com mensagens amplificadas.
Falam do meu sucesso,
embora sabendo que não passo de uma abelha
se debatendo nesse
vespeiro.
Não vejo muitas opções,
a não ser farmácias e bares.
Até dou-lhes atenção,
porém o estoque de remédios
e de paixões sempre
recua.
Estou cheio de ouvir a
velha melodia:
- Aproveite e sugue a
calmaria das tempestades
que essas drogas
propiciam. Viver
é sair pra chuva e se molhar.
O estetoscópio do médico
nunca vai alcançar as moléstias
duma multidão de
imbecis.
Sujeitos estranhos
dizem:
- O mal se cria na
cabeça, meu irmão.
Tenho visto tanta gente
deprimida por aí.
A toda hora disparam
sirenes dos bombeiros.
Lendo um livro de uma
psicanalista
eu me convenci de que
sou ressentido.
Tomei conhecimento das
opiniões e feitos de uns próximos
e tive gases e refluxo
e frieiras e azia.
Culpado disso tudo é o
Sombra,
é ele que inveja um
amigo, só porque o cara fala 4 línguas.
O dia passou de carona
numa tempestade.
Dormi pouco pra não
faltar a um encontro.
Possuí-la era o alvo,
mas o tempo fez um desvio.
Então estrelas nasceram
e outras morreram.
Nada de flores, nada de
presentes.
Agora estou no
princípio da escada
e tenho uma visão
realista do meu ser.
Olho pra cima e sei que
não chegarei no topo.
Tudo culpa da
delicadeza e doçura e alma leve do Sombra.
Ganhar tempo. Não sei
se pago as contas
que pendurei nos
botecos da avenida,
ou se torro os 700
pilas no Degrau's.
Janusa - o traveco
bruxuleante - ligou,
quer me apresentar uma
princesa cheirosa
como angorá que
retornou do pet shop.
Janusa é irresistível, de
personalidades múltiplas,
e conhece os atalhos do
prazer.
Cresceu num lar em que
germinaram incesto e pedofilia
e brilho da lâmina da
navalha e estampidos de 38
e álcool e drogas em
carreiras bem alinhadas.
Ela (ele) sabe que a
disputa
entre Cadelão e Sombra
é desigual.
Quando o Sombra vence
em disparada
e Cadelão entorna os
primeiros copos,
Janusa balança a cabeça
com cara de alucinada,
como se presenciasse o
fim dos tempos
e bota a culpa no
destino.
Hoje estou cheio de
ontem
e os bares dessa
avenida continuarão me esperando
com suas pernas abertas
e mesas nas calçadas.
Mas hoje passarei ao
longe,
eles não fizeram por
merecer minha
ressaca bizarra,
que desfila por aí de
mãos dadas
com senhor Sombra.
(B. B. Palermo)
terça-feira, 29 de outubro de 2019
Leia o Livro, Veja o Filme: Mas Não Se Matam Cavalos? / A Noite dos Desesperados
“Fiquei de pé. Por um momento vi Glória de novo, sentada no banco no píer. A bala acabara de atingir a sua cabeça, de lado, o sangue ainda nem tinha começado a escorrer. O brilho do tiro ainda iluminava seu rosto. Tudo estava claro como o dia. Ela estava completamente relaxada, completamente à vontade. O impacto da bala tinha virado sua cabeça um pouco para o outro lado; eu não tinha uma visão perfeita de seu perfil, mas podia ver seu rosto e seus lábios o bastante para saber que ela sorria. O promotor se enganou quando disse ao júri que ela morreu em agonia, sem amigos, sem outra companhia a não ser a de seu cruel assassino, ali, naquela noite escura, à beira do oceano Pacífico. Ele estava completamente enganado. Ela não morreu em agonia. Ela estava relaxada, confortável e sorria. Foi a primeira vez que a vi sorrir. Como poderia estar em agonia? E não estava sem amigos. Eu era o melhor amigo dela. Eu era o único amigo dela. Como é que ela não tinha amigos?”
“Mas não se matam cavalos?” começa com o parágrafo acima e, a partir do julgamento de Robert, narra em retrospecto a jornada do protagonista, desde seu primeiro encontro com Glória até o trágico desfecho da relação. Era época da Grande Depressão americana. A fome assolava a população e o desespero levava a atitudes insanas.
Robert e Glória se conheceram na Melrose Avenue. Ele saía do estúdio da Paramount, aonde tinha ido mais uma vez tentar a sorte, enquanto ela corria ofegante e maldizia o ônibus que tinha acabado de perder. Ele era do Arkansas; ela, do Texas. Ambos haviam deixado seus estados de origem para trás e rumado para a terra das ilusões em busca de um sonho – Robert queria ser roteirista e Glória almejava ser atriz. Depois de um certo tempo sobrevivendo de pequenos papéis, a dupla já não tinha muita esperança. A última cartada dos dois era participar de uma maratona de dança que anunciava um prêmio de 1000 dólares ao casal vencedor.
À primeira vista, uma maratona de dança pode soar estranho e uma saída fácil para Robert e Glória, já que os participantes tinham garantidos abrigo, banho, comida e atendimento médico. Todavia, aos poucos o verdadeiro horror da atração vai ficando evidente: era uma arena na qual os dançarinos chegavam ao limite dos seus corpos, se digladiavam até a exaustão, passavam por tortura psicológica e eram expostos a humilhações e todo tipo de engodo para entreter o público e atrair patrocinadores. Uma mistura assustadora de Jogos Vorazes com reality show de dança.
Glória era uma garota amarga, que sofreu abusos, foi vivendo de favores e pulando de sofá em sofá, apenas tentando sobreviver. Na época em que conheceu Robert, já não tinha mais nenhuma fé na humanidade. A frase que mais pronuncia durante toda a história é ‘Queria estar morta’. Sem dúvida, triste e deprimente, mas não incompreensível. Como julgar as atitudes de alguém que só conheceu o pior da vida e que não tem mais perspectivas de futuro?
Robert ainda mantinha a essência de sonhador. Repreendia constantemente a amiga por seu pessimismo, tentava apontar saídas. Mesmo no salão claustrofóbico, em meio a uma multidão disposta a qualquer coisa para conseguir alguma vantagem, ele ainda buscava os raios de sol e pensava no mar. Ainda que estivesse em um ambiente de ‘vale-tudo’, ele conseguia ser cortês e solidário. Entretanto, os esforços individuais nem sempre bastam para mudar o destino.
Eu sempre achei esse título curioso. Outro dia, estava folheando o “1001 Livros Para Ler Antes de Morrer” e vi a indicação desse livro lá. Como era curtinho, consegui encaixar entre minhas outras leituras programadas e, sinceramente, foi uma ótima escolha. A história da luta pela sobrevivência em uma pista de dança não poderia ser mais intrigante e desoladora. Os personagens são bem reais e o título faz todo sentido.
Para variar, mais um filme adaptado de livro. Sydney Pollack levou a história para as telas em 1969, com Jane Fonda no papel de Glória e Michael Sarrazin encarnando Robert. A produção foi recordista em indicações ao Oscar de 1970 entre os filmes não indicados na categoria de melhor filme.
O diretor faz os protagonistas se encontrarem pela primeira vez já dentro do salão, quando Glória procurava um par e Robert entra no local por acaso. À narrativa da competição são mesclados flashs da infância de Robert, que fazem a ligação do título original com o desfecho fatal da trama.
Em geral, é uma adaptação bastante fiel. As cenas de participantes surtando sob o estresse são angustiantes, e as disputas do derby são ainda mais terríveis e violentas do que aquelas que minha imaginação havia criado. Para compensar, os pequenos solos de Robert banhado pelos raios de sol são um respiro de delicadeza em meio à brutalidade reinante na pista. As explicações do organizador sobre os cálculos e taxas impostos aos vencedores são revoltantes e, mesmo tendo sido inventadas para sustentar uma alteração da história, estão em total conformidade com a ideia de exploração dos miseráveis apresentada no livro.
segunda-feira, 21 de outubro de 2019
Meu amigo é um especialista em correr atrás de ******
Beiço
sempre pergunta: "Cadê os acontecimentos sublimes, que masturbam os
sentidos?"
Suponho
que isso tem a ver com suas trapalhadas com garotas, as "putas". As
coisas andam sintomáticas. Ele se comporta com a seriedade de um pesquisador,
cientista social, um especialista em comportamento humano. Pra ele é
fundamental saber se uma garota é "fácil" ou "difícil", por
que fica com muitos caras ou não...
Nos
barezinhos de quinta categoria é farto o material para nossa análise. Ainda mais
estando rodeados de uns escrotos, uma corja satisfeita com os papéis que
desempenha por aí.
Discursos
agudos de operários batendo o ponto e colocando uns jalecos surrados pra
iniciar novo turno, e dizendo "graças a Deus que eu tenho um
emprego!"
Conversavam,
como se tivessem se reencontrado depois de décadas, como se estivessem
retornando de uma guerra, como se tivessem nascido de novo.
Suas
necessidades são terríveis aos olhos do Beiço, o especialista: desejam adquirir
uma arma, como se estivessem diante de inimigos terríveis, como se sua
sobrevivência dependesse do extermínio desses "monstros".
Falam
ao mesmo tempo, como porcos devorando a última refeição. Suas opiniões
políticas e econômicas e morais são perfeitas. Nada que não possa ser
reciclado, virar adubo e ser tragado pela natureza.
Um
horror. Afastei-me do balcão do bar com uma garrafa de cerveja no colo, cuidando
dela como se fosse meu bebê, e uns garotos viciados em coca-cola me fitaram,
como se eu desembarcasse de outro planeta.
Tempos
estranhos. Belos foram os ataques de espirros no sujeito duma mesa, que
discursava sobre suas dívidas aos bancos. Milagre, todos que estão próximos têm
dívidas nos bancos. Num momento incrível, eu falei e eles me ouviram. Quase
chorando, disse-lhes que devo pra meia dúzia de bancos, e que "ladrão que
rouba ladrão tem cem anos de perdão".
Esses
papos me fazem crer que os vermes não são seres inferiores e desprezíveis, um
ato escrotinho da criação. Nessa bagunça, cada bêbado vomitando sua verdade,
uma voz, que ficou represada em cada sonho desses nojentos, o que poderia ter
sido e não foi, limitou-se a dizer: "O mais importante é você jogar álcool
nessa carcaça".
Chegava
a noite e eu estava sem rumo, e não sabia e nem queria ir a qualquer lugar, e
sugava a segunda cerveja. Como um nevoeiro, a febre baixou sobre meu ser: penso
agora em boceta. Claro, sou influenciado pelas teses do Beiço.
Enquanto
a fala do meu amigo era abafada pela gritaria dos demais bebuns, observei o
trânsito na avenida. No sinal fechado uma motinha fodida aguardava na frente
dos carros. Enquanto esperava, o cara tentou engatar a primeira marcha... e
nada. Fiquei tenso. O sinal abriu e ele arrancou numa terceira, juro que eu vi!
A moto partiu indecisa, toda insegura, como certas mulheres loucas pra dar... Isso,
sejam mulheres ou sejam homens, muitas vezes cedemos mais do que planejamos. A
maioria não quer se expor, porém posta fotos sensuais na internet. Observo as
garotas, muita bunda e peito e poucos olhares interessantes. Mesmo assim,
sempre a lengalenga: "Não quero que a sociedade me rotule como veado ou puta!".
Três
garotas sentaram noutro canto, cigarros, salgados, celulares e olhares a
postos. Maquiagem, roupas sensuais e, influenciado pelo Beiço, imaginei que
elas eram do brique. Que merda, eu ali, um coroa carregado de preconceitos e
sacolas com queijo e massa e cebola e tomate e uma garrafa de uísque, fazendo
hora antes de voltar para casa e me enrolar no cobertor da minha solidão.
Encolhi de tamanho ao notar que elas se interessaram pelo garoto frentista, de
uns vinte anos. Elas olharam pra ele, eu vi tudo, e eu não existia.
Ah,
as minhas garotas. Saco, ou são muito gordas ou são esqueléticas. Amiguinhos,
aprendi com o Beiço, não ligo pra alma das mulheres, se têm de fato. A ideia
fixa é na roseira, sim, e eu me torturo e tenho prazer de lembrar como foram
esses paraísos, as garotas que posaram, paisagens de minha memoria. Relembro
como cultivava, quer dizer, conquistava, até desfrutar na cama aquela flor que
despetalava com paciência e técnica. Bem-me-quer, malmequer... de início com os
dedos e logo depois às beiçadas. Se alguém assistisse a cena, a garota com as
pernas totalmente escancaradas e eu com a cabeça ali mergulhada, creio que
acharia cômico.
Vou
repetir: minhas ideias fixas resultam dos conceitos giratórios que ouço do
Beiço. Hoje ele está mais estressado; com o trabalho, o patrão, a vida que
leva. Anotei várias coisas no meu bloquinho. A primeira foi ele dizendo que
"nós, Cadelão, somos uns operários de bosta, não especializados, uns
iludidos e enfeitiçados por um prato de comida. É isso, velho, só pensamos em
comer, comer e sobreviver". Não entendi se "comer" era literal
ou figurado. E disse mais: "Somos uns cretinos acomodados. Se nos mandarem
andar de quatro, nós andamos". De novo não entendi se "andar de
quatro" era literal...
Eu
dizia Menos, Beiço, menos, enquanto ele acelerava na quinta marcha.
-
Cadelão, além de falarem demais, essas criaturinhas trepam contigo uma única
vez e já pensam no amor!
Disse
a ele Meu amigo, mude o foco, pense no privilégio que é ouvir esses bêbados,
saca só o efeito terapêutico disso. Sabe, aqui estou vacinado contra o cheiro e
a imagem que fica da estrumeira que todos mergulham no dia a dia, tipo
alegrar-se com as tragédias dos outros, ou sofrer por causa do sucesso desses
outros. Beiço, agarre essa imagem: uma multidão de sapos coaxa amargamente num
pântano de merda.
Senti
que ele apertou os olhos... como se a bebida tivesse acelerado seu efeito. Continuei:
Estou aqui, carregando caneta e bloco de papel e uns trocados pra beber
cerveja. Mergulho nessa atmosfera, mas é como se não fizesse parte do ambiente.
Beiço
mexia as mãos, estralava os dedos, parecia impaciente. Saquei que era hora de
voltar a ouvi-lo, retomar o assunto verdadeiramente importante: como ter
sucesso ao correr atrás de boceta!
(B.
B. Palermo)
Ele dá um beijo contido...
Ele dá um beijo
contido, parece um coelhinho de longas orelhas rosadas; morde de leve a boca de
Lucienne, como se estivesse mordiscando uma folha de repolho. Ao mesmo tempo,
seus olhos redondos e brilhantes repousam na bolsa aberta ao lado dela, na
cadeira. Espera só o momento de poder dar o fora, está louco para ir embora e
se sentar nalgum café sossegado da Rue du Faubourg Montmartre.
Conheço-o, o diabinho
inocente, com seus olhos redondos e assustados de coelho. E sei que diabo de
rua é aquela, com suas placas de bronze e artigos de borracha, as luzes
piscando a noite toda e o sexo correndo por ela como um esgoto. Andar da Rue
lafayette até o Boulevard é como passar pelo castigo das varas na caserna, pois
as putas grudam em você como cracas, devoram-no como formigas, elas adulam,
tentam convencer, prometem, pedem, imploram, experimentam falar alemão, inglês,
espanhol, mostram seus corações sofridos, seus sapatos gastos e muito depois de
você se livrar dos seus tentáculos, muito depois da agitação e do gemido
acabarem, as suas narinas continuam com o cheiro de lavabo impregnado, ou o
cheiro do Parfum de Danse, de eficácia garantida à distância de vinte
centímetros. Alguém poderia passar a vida inteira naquele pequeno trecho entre
o Boulevard e a Rue lafayette. Cada bar é agitado, vibrante, o jogo corre
solto, os caixeiros ficam debruçados como abutres em seus bancos altos e o
dinheiro que manuseiam tem cheiro de gente. Não há similar no Banque de France
para o dinheiro sujo que circula por ali, o dinheiro que brilha com suor
humano, que passa como um incêndio florestal de mão em mão e deixa uma fumaça e
um mau cheiro. O homem que consegue andar pela Faubourg Montmartre à noite sem
ofegar ou transpirar, sem fazer uma prece ou rogar uma praga, um homem assim
não tem colhões e, se tem, deveria ser castrado.
Supondo-se que o tímido
coelhinho gaste cinquenta francos por noite enquanto espera sua Lucienne. Supondo
que ele sinta fome e compre um sanduíche e um copo de cerveja, ou pare e
converse com a puta de outro. Você acha que ele deve estar cansado dessa rotina
toda noite? Acha que isso pesa, oprime, mata-o de tédio? Você não pensa,
espero, que gigolô não é ser humano? O gigolô também tem suas tristezas e
misérias pessoais, não se esqueça. Talvez ele ache que não existe coisa melhor
do que ficar na esquina toda noite com dois cachorros brancos, olhando-os
mijar. Talvez ele gostasse de, ao abrir a porta, vê-la lá lendo o Paris Soir
com os olhos já meio pesados de sono. Talvez não seja tão maravilhoso, ao se
inclinar sobre sua Lucienne, sentir o cheiro de outro homem. Talvez seja melhor
ter apenas três francos no bolso e dois cachorros brancos que urinam na
esquina, em vez de sentir aqueles lábios que foram muito roçados. Aposto que,
quando ela o abraça apertado, quando pede aquele pouquinho de amor que só ele
sabe dar, aposto que ele luta com mil diabos para conseguir que o pau levante,
para afastar aquele regimento que marchou no meio das pernas dela. Talvez,
quando a pega e cantarola uma nova canção, talvez não seja só paixão e
curiosidade o que sente, mas uma luta no escuro, uma luta solitária contra o
exército que investiu contra os portões, o exército que passou por cima dela,
de tropel, e deixou-a com uma fome tão devoradora que nem um Rodolfo Valentino
seria capaz de aplacar. Ao ouvir as acusações que fazem contra uma garota como
Lucienne, ao ouvir ser denegrida ou humilhada por ser fria e mercenária, mecânica
demais ou ter muita pressa, por isso ou por aquilo, penso: para com isso, cara,
devagar com o papo! Lembre-se que você está no fim da fila, lembre-se que um
regimento do exército já a sitiou, devastou, saqueou e pilhou. Penso: escuta,
cara, não inveje os cinquenta francos que paga a ela, pois sabe que o gigolô
dela os está desperdiçando agora no Faubourg Montmartre. O dinheiro é dela, o
gigolô é dela. É dinheiro sujo. É dinheiro que jamais sairá de circulação
porque o Banque de France não tem como resgatá-lo.
terça-feira, 15 de outubro de 2019
Gente, esse cara é muito louco!
Trouxemos dois garotos
até minha casa, depois de jogarmos sinuca num bar. Eles carregavam razoável estoque
de erva. Consegui um papel dos bons, de caixa de tênis, pra um deles fechar
alguns. O objetivo da aproximação e da amizade, desde o bar, era pra que nos
apresentassem, num futuro próximo, algumas amiguinhas. Ainda mais depois que
eles disseram que costumavam fazer suruba com elas. Eram bons no baseado. E
isso dava um apetite do caralho. No caminho pra minha casa o Dr. Biza comprou,
junto com a dúzia de latões de cerveja, dois quilos de salame. Foi devorado em
questão de minutos. Os garotos falavam de umas surubinhas que faziam com suas garotas
e o Dr. Biza me fitava, como a dizer, Viu só, Cadelão? Logo eles conseguem umas
ninfetas pra gente! Cada um deles enfatizou que sua mãe é louca, e por isso
tiveram depressão e por isso tantos remédios e por isso a necessidade das
drogas. Cada um de nós teve mãe louca e eu falei da minha que era louca desde
que me conheço por gente, e então inventei histórias das loucuras que mamãe
fazia e disse pra eles Vocês não fiquem assim deprimidos, isso tudo é passado.
Viram só como nós somos os caras? Apesar de crescermos com nossas mães loucas,
aqui estamos, com um emprego e fazendo curso superior. Eu dizia isso e pensava
Grande bosta, e aí então eles botaram pra tocar Rap e eu pensei Não posso fazer
nada, o que me resta é encher a cara e dizer Sim sim. Eles só ouviam esse tipo
de música, e era esse cara, e era aquele outro, letras com temáticas sociais até
empanturrar. Eu me expiava em silêncio e me dizia Sim, sou um velho sujo e
sublime e vazio de tudo. Disse pra eles Interessante o som que vocês curtem, eu
pretendo criar um batalhão de fuzilamento pra botar no paredão esses imbecis
que gostam de sertanejo universitário. Os garotos me fitaram com aqueles olhões
vermelhos apavorados e pensei ter ouvido Tu é dos nossos, pode nos chamar, nos
alistaremos no teu exército, o mundo ainda tem salvação. O baseado era dos
bons. Aí eles falaram de suas experiências com LSD, e como essa droga agia, e
como se sentiam depois da viagem e eu disse Li um bocado sobre, mas nunca usei.
Vocês leram "As portas da percepção", do Aldous Huxley? Eles não
conheciam, eu disse a eles Nunca usei LSD, estou satisfeito com os vôos que a
marijuana me proporciona. Então os garotos atacaram a fruteira. Em minuto os
pêssegos e maçãs e bananas foram devorados. Cinco da manhã, Dr. Biza e os
garotos se foram e me deixaram com algumas cervejas e um baseado prontinho. Dei
umas tragadas e fui pro pátio olhar a lua. Estava um terço de minguante e
estava linda e disponível só para mim. Disse pra ela Ó, querida, bem que tu
podia me ofertar aquela roseira que tu tem no meio das pernas, quentinha,
perfumada... Por favor, me chama Vem vem me come sou todinha tua nessa
madrugada inesquecível! A lua me fitava espantada naquele seu brilho afetuoso e
murmurava pra suas amigas estrelas Gente, esse cara é muito louco! Voltei pra
dentro de casa, Cadê as pernas de salame? Cadê as frutas? Invadi a geladeira, num
pote havia bife e arroz meio congelados, devorei aquilo tudo com farofa e fui
dormir.
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
Trópico de câncer - Henry Miller
Germaine era puta. Não
esperava o homem se aproximar dela: ia e o agarrava. Lembro bem dos furos nas
meias dela, dos sapatos tortos e gastos; lembro também que ficava no bar com
uma determinação corajosa e cega, engolia uma bebida forte e saía de novo para
a rua. Uma puta! Talvez não fosse tão agradável sentir aquele hálito de bebida,
aquele hálito formado por café fraco, cognac, apéritifs, pernods e todas as
outras coisas que ela engolia nos intervalos, tanto para aquecer-se quanto para
juntar força e coragem; mas o fogo da bebida entrava nela, ardia entre as
pernas onde as mulheres deviam arder e formava-se aquele circuito que faz com
que se volte a sentir a terra sob os pés. Quando ela se deitava com as pernas
abertas e gemendo, mesmo que gemesse daquele jeito para todo e qualquer
freguês, era bom, era uma demonstração adequada de sentimento. Não ficava
olhando para o teto com olhar vazio ou contando os percevejos no papel de
parede, ficava atenta à sua tarefa, falava nas coisas que o homem quer ouvir
quando está trepando com uma mulher. Ao passo que Claude, bom, com Claude tinha
sempre uma certa delicadeza, mesmo quando ela entrava debaixo dos lençóis com
você. E a delicadeza dela agredia. Quem vai querer uma puta delicada! Claude
chegava a pedir para você olhar para o outro lado quando se sentava no bidê.
Tudo errado! Quando o homem está queimando de paixão, quer ver coisas, quer ver
tudo, até mesmo como elas mijam. E, embora seja muito bom saber que a mulher
pensa, a última coisa que se quer na cama é literatura vinda do cadáver frio de
uma puta. Germaine estava certa: era ignorante e robusta, punha o coração e a
alma no ofício. Era uma puta dos pés à cabeça, e essa era a sua virtude!
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