quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O sangue de um romântico ingênuo é sugado pelas piriguetes



Experimento hoje um sentimento de solidão e tédio, como quem espera ônibus urbano em dia de feriado. É o mesmo sentimento que experimentei quando passeava com a namo no Monza, tinindo, e lavado, e lustrado. Ela mergulhada no chimarrão com sabor de ervas exóticas, cuia poeticamente enfeitada, e eu gemendo, cheio de tremores dada a  necessidade de umas doses. Ela falando de móveis e imóveis que estruturariam "nosso" futuro, e eu roendo as unhas de tanta vontade de saltar fora, pra poder começar tudo de novo com outra.
Necessito emigrar de uma relação para outra, nada de ficar mais de um ano, no máximo um ano e meio. Isso para escapar de suas críticas e lamúrias e os respingos na minha cara, como saliva de bêbado. Sei que ouvirei e ouvirei, como um sonho que se repete: "Tu me enrolou, me prendeu... por todo esse tempo. Deixei de casar com o Ricardão. Ele me amava tanto! Tu faz ideia de quantos caras vinham atrás? E agora, quem é que eu vou arranjar?".
Enquanto a garota tinha olhos pro futuro, pro companheiro que saltaria feito um tigre pra cima do chamado "amor eterno", eu pensava nos livros que publicaria, nos livros que gostaria de ler, nos contos que desejava escrever... E, claro, nas gatas que me cercariam e bajulariam quando fosse o escritor cuja fama me chamasse.
Ela falava dos mates, do chá de fraldas da amiga, da Black Friday, e eu me distraia com belos rabos que acariciavam meus olhos nas esquinas por aí.
Quando o relacionamento, enquadrado nos padrões usuais, começava a desmoronar, eu sentia uma alegria doente, e notava minha cara-metade com semblante de bunda. Enquanto sentava no vaso sanitário, minhas ideias claras e distintas me beliscavam e diziam que ela merecia um traste melhor do que eu.
Quanto mais ela se afogava no chimarrão e nos sucos detox e chás emagrecedores, eu mais investia em vodca e cerveja e uísque. Reconheço, com frequencia minha alma despertava azeda, tudo porque enchia o cu com cerveja ruim.
Toda vez que ela trazia "nossos" planos na dianteira, como se fosse frase de para-choque de caminhão, eu tinha a impressão de que ela falava alto, muito alto, a ponto de todos os meus amigos e conhecidos estremecerem. Os caras eram testemunhas da fria em que havia me metido. Sabia que com qualquer outro, desfilando nos sábados e domingos à tardinha com o mate e em carros bem melhores do que o meu, sua felicidade fluiria naturalmente. Qualquer sujeitinho com seus papos e músicas bestas a deixaria mais feliz e centrada, encaminhando-a praquilo que sempre sonhou.
Às vezes sou humilde, admito que não sou melhor do que esses galãs, ao contrário, sou um grande bosta, deslocado do que rola no tablado encerrado e lustroso em que a galera desfila.
Estou de saco cheio de ouvir de vocês: "Cadelão, tens à mão, deitada ao teu lado, uma incrível boazuda, tu fode toda  a noite... tu goza e ela goza, e assim empalidecem suas lamentações e noias... Veja bem, todo esse banquete, por que então a necessidade de correr atrás de outros rabos?".
E vocês dirão mais: "Acho que essa necessidade de futricar daqui e dali é o que vai foder com tua vida. Tu fica salivando ao cruzar por essas piriguetes, suas vozes e olhares e cheiros e fragrâncias, e assim não desfruta por inteiro o que está aí bem do teu lado".

Apesar de tudo, eu juro, sou um bom garoto. Sério, não riem, talvez sejam breves recaídas de um bêbado que se deixa afetar por um puto lirismo esperançoso, que se resume em correr atrás de amores impossíveis, como se quisesse ressuscitar o rock nacional dos anos 90.
Juro, não passo de um romântico ingênuo perdido no palco. Um pescador amador que se embrenhou por lagoas e pântanos, mas que esqueceu do repelente de mosquitos, e por isso o sangue que circula nas veias de suas pernas sofre incrível sucção dos borrachudos, que são as piriguetes, a cada dia mais ousadas e agressivas.

(B. B. Palermo)

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