terça-feira, 28 de maio de 2019
sexta-feira, 24 de maio de 2019
Narrativas cansadas
Os movimentos
da dentadura postiça
na boca do velhinho
sentado no bar
sinalizam algo sobre o tempo.
Depois que a companheira morreu,
ele vence o rosário do dia
de bar em bar.
paga um trago pra quem
emprestar
ouvidos
às suas histórias.
Lembrei de meu amigo que
enfartou
e nada publicou
de centenas de páginas escritas.
Ele quer e não quer
espalhar pelo mundo
seus contos e
romances e poemas.
Quando for ao psiquiatra
desempenharei papel semelhante
ao do velhinho,
entupindo ouvidos alheios,
devidamente pagos,
com minhas narrativas cansadas.
Penso nos objetivos do
velhinho,
ao peregrinar pelos bares,
implorando audição.
Penso nos objetivos do meu
amigo,
que insiste em escrever e
deixar algo,
agora que o tempo respira
por aparelhos.
Penso nos meus objetivos.
Onde tudo isso vai dar?
Otimistas creem em nossa
transformação.
Pessimistas dizem que essa rotina
sinaliza
que tudo está perdido.
Eis a razão de toda a náusea.
Nossas buscas são confusas
parece que uma força estranha nos trapaceia,
e o tempo dá sinais de que
encheu o saco
de nossas paranoias.
É utópico acreditar em nossa transformação.
A mudança requer esforço
redobrado,
e o fôlego já era.
(B. B. Palermo)
quarta-feira, 22 de maio de 2019
Traças de regime - Sergio Capparelli
As traças gostam de suspense:
Lêem com cuidado
E de olhos fechados.
Se estão com pressa,
Comem sanduíches de escritores
importantes,
Cecília Meireles, Lygia Bojunga,
Hesíodo e os deuses gregos.
Elas dão conselhos:
“as histórias lacrimejantes são
melhores
Porque facilitam a digestão”.
E estamos conversados!
Traças iletradas são sem
cerimônia:
Comem heróis, heroínas, enredos,
E no fim devoram o autor.
Ah, as traças, como
evitá-las?
Comem Mario Quintana, devoram os
dois
Verissimos (Pai e filho)
E, de sobremesa, encomendam
escritores bem
Românticos.
Olha, lá vai uma arrotando
Lobato.
(Do livro 111 poemas para crianças).
O capeta é fodástico
O frio se aproxima
e o
capeta anda nervoso
porque estou há dias
longe do copo.
Alfineta meu querer,
oferece taças de vinho.
Serão longos dias de
tentação
nesse final de maio.
Astros dizem que
oscilarei entre os pólos
da razão e do desejo,
jogado de um lado para
outro
como uma rolha de
cortiça em alto mar.
O momento crucial
que baterá o martelo,
a belíssima dama que
vai dar o ar de sua presença,
chama-se "o
motivo".
Motivo para obedecer o
capeta
ou permanecer abstêmio.
Será meu ENEM.
Será meu vestibular.
Me conheço.
Sempre retorno
aos velhos livros e
roteiros.
O capeta é fodástico.
(B. B. Palermo)
terça-feira, 21 de maio de 2019
O apanhador no campo de centeio
“Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.”
– J. D. Salinger, do livro “O apanhador no campo de centeio”. [tradução Álvaro Alencar, Antônio Rocha e Jório Dauster]. 18ª ed., Rio de Janeiro: Editora do Autor, 2012.
segunda-feira, 20 de maio de 2019
Se tivermos sorte, quem sabe amanhã
Se você quer ser um
sujeito inspirador,
saia já da vitrine ou ringue das redes sociais,
desça os livros da
estante,
de preferência os que
ampliam
tua sensibilidade
e desejo de
fraternidade.
Pessoas comuns não
inspiram ninguém.
Pessoas comuns
vociferam sua opinião
protegidas pela tela do computador ou smartphone,
não ouvem nem são
ouvidas.
Pessoas comuns pouco
têm a dizer.
Você deve dar exemplos
simples, reais,
de como tornar o mundo
melhor.
Mas se você não
consegue se desprender
do cercadinho e da
coleira,
vamos torcer para que
amanhã
nasçam seres melhores.
Sim, claro, isso se
tivermos sorte.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 16 de maio de 2019
Solidariedade a esses irmãos
Solidariedade a esses
irmãos
e seus turnos semanais
e uniformes e horários
e relógio ponto
e suas casinhas
populares
e seus planos de aposentadoria
e de viagens
e seus sonhos de um dia
dormir mais tarde
e levantar mais tarde e
maldizer
e rir da cara
mal-humorada do chefe.
Compaixão às suas
longas prestações da casa própria
e crediários vários
desde eletrodomésticos
até a ração do pet
e tudo o mais que todo
mundo compra porque é fashion
smartphones e roupas e
mochilas
e sacolas
descoladas
e abandonadas
num canto boa parte do
tempo.
Piedade às suas línguas
amaldiçoando
os iguais.
Alegria
alegria por
estar vivo
e pensar nisso tudo
e me colocar do lado de
fora
e espiar pela fresta da
janela
e dar graças por não
ser tão influenciável
pelos outros e ao mesmo
tempo
ser refém de uma
angústia
pelas coisas serem
assim
e tantas sementes em
potência
não germinarem
e foguetes não
decolarem
e talentos
não florescerem
e não darem frutos
e a nobre deusa CRIAÇÃO
nunca vir ao mundo.
Silencio, medito,
logo me aquieto,
quem sou eu para julgar,
melhor é desinflar o
EGO
e me colocar no lugar
dos outros
e, claro,
depositar
mais e mais fichas na
esperança.
Reconforta por
instantes
saber que tudo se
renova
e nasce e cresce e
morre
e viemos do pó e pra lá
regressaremos
e até acho engraçado
receber no portão de casa
o bêbado e repassar-lhe
uns trocados
para comprar a sagrada
cachaça
e mais engraçada ainda é
sua cara chorosa
porque seu amigo bêbado
partiu dessa
e ele sabe que vai
morrer
e que a morte vem depressa
e vai levá-lo ao lugar
de origem
ao pó e ao esquecimento
mas quem conduz o jogo
é a necessidade
de se embriagar.
Bem-aventurados os que sofrem
os que fazem questão de
sofrer
os que acreditam em
algo superior
ou inferior
os que são indiferentes
a respeito do começo
e do fim.
Confesso minha puta
inveja
aos que sabem o que
querem
aos que se agarram numa
coisa
que amenize sua
insignificância
e dor.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 9 de maio de 2019
Obrigado por tudo
Luto.
O bar do amigo faliu.
Amanhã vou auxiliar no
balanço,
prestarei contas de
minhas ausências
e proporei a festa de
despedida.
Esperança.
Segunda-feira vou
arranjar trabalho,
labutarei pra esquecer
que o vizinho
não vai suportar por
longos dias a doença.
Médicos dizem que é
questão de tempo.
Sempre é questão de
tempo.
E idade.
Luto.
Contra o tempo.
A favor do tempo.
Preciso aprender a
dançar.
Obrigado.
Aos amigos que me
suportam,
ridículo, inspirado,
falso, bêbado,
usando largamente a
mesa do bar
que se esparrama e
esbalda na calçada
sem dar a mínima aos que passam.
Obrigado.
Por fazerem de conta
que ouvem minhas falsas verdades,
minha alegria fingida.
Obrigado.
Certeza.
Ainda serei o cestinha
desse jogo de escrever ****** e
amassar a folha e acertar a boca larga e
amassar a folha e acertar a boca larga e
insana dessa lixeira hostil.
Obrigado.
(B. B. Palermo)
terça-feira, 7 de maio de 2019
Se eu morresse amanhã
Por aqui os cães são os
donos da lua.
Por aqui os carros
apodrecem nas ruas.
Maria diz que os
"Noturnos" do Chopin a deixam triste.
Beiço diz que é melhor
dizer palavrão do que partir pra agressão.
Por aqui aprender inglês
é difícil por conta da minha preguiça.
Quando escrevo não sei
se o compasso é o das asas do passarinho
ou de suas patas.
Se meu país fosse
perfeito
e se as pessoas fossem
perfeitas
e se eu morresse amanhã
ninguém diria "que
pena".
(B. B. Palermo)
domingo, 5 de maio de 2019
Somos feitos de gesso
Imagino demais.
É que estou à cata de
personagens.
Não me importo que
alguns deles ganhem vida
e me pressionem
para que os deixe numa
boa posição,
com destaque nas
vitrines que se chamam
redes sociais.
Mas o imaginário não
escapa da verdade
de que somos uns comuns,
uma espiga de trigo
no
meio de um campo de trigo,
e não somos geniais como
Van Gogh
para captar o inusitado
ou a essência dessa paisagem,
na cor e luminosidade
certa,
no exato instante
sem o qual tudo seria
miseravelmente comum.
Imagino que somos
criaturas de gesso,
desprovidos da essência,
que chamamos
"sentimento".
E como fatos se
repetem,
tornam-se banais,
concluo que o carinha
que foi encontrado
dependurado numa corda
- num espaço e tempo só
Dele -,
e que não suportou a
dureza da existência,
Ele também só pode ser de
gesso.
(B. B. Palermo)
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