quinta-feira, 16 de maio de 2019

Solidariedade a esses irmãos



Solidariedade a esses irmãos
e seus turnos semanais
e uniformes e horários e relógio ponto
e suas casinhas populares
e seus planos de aposentadoria e de viagens
e seus sonhos de um dia dormir mais tarde
e levantar mais tarde e maldizer
e rir da cara mal-humorada do chefe.

Compaixão às suas longas prestações da casa própria
e crediários vários desde eletrodomésticos
até a ração do pet
e tudo o mais que todo mundo compra porque é fashion
smartphones e roupas e mochilas
e sacolas
descoladas
e abandonadas
num canto boa parte do tempo.

Piedade às suas línguas 
amaldiçoando
os iguais.

Alegria 
alegria por estar vivo
e pensar nisso tudo
e me colocar do lado de fora
e espiar pela fresta da janela
e dar graças por não ser tão influenciável
pelos outros e ao mesmo tempo
ser refém de uma angústia
pelas coisas serem assim
e tantas sementes em potência
não germinarem
e foguetes não decolarem
e talentos
não florescerem
e não darem frutos
e a nobre deusa CRIAÇÃO
nunca vir ao mundo.

Silencio, medito,
logo me aquieto,
quem sou eu para julgar,
melhor é desinflar o EGO
e me colocar no lugar dos outros
e, claro,
depositar
mais e mais fichas na esperança.

Reconforta por instantes
saber que tudo se renova
e nasce e cresce e morre
e viemos do pó e pra lá
regressaremos
e até acho engraçado receber no portão de casa
o bêbado e repassar-lhe uns trocados
para comprar a sagrada cachaça
e mais engraçada ainda é sua cara chorosa
porque seu amigo bêbado partiu dessa
e ele sabe que vai morrer
e que a morte vem depressa
e vai levá-lo ao lugar de origem
ao pó e ao esquecimento
mas quem conduz o jogo 
é a necessidade
de se embriagar.

Bem-aventurados os que sofrem
os que fazem questão de sofrer
os que acreditam em algo superior
ou inferior
os que são indiferentes
a respeito do começo 
e do fim.

Confesso minha puta inveja
aos que sabem o que querem
aos que se agarram numa coisa
que amenize sua insignificância 
e dor.

(B. B. Palermo)


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