sexta-feira, 2 de maio de 2025

Taxi driver


 


Já fui o “docinho” de muitas beldades,

executivas, professoras, gerentes de lojas e bancos,

garotas de programa, diaristas.

Docinho pra cá e pra lá – se necessário,

24 h por dia.

Prestativo, atencioso, sempre à espera do milagre:

que alguma das deusas me acariciasse

e até sentasse no meu colo.

Vejam bem, que isso fique por conta

da imaginação de vocês.

O “colo” é apenas o eco de meu delírio,

meu salto mortal, o devaneio de que tanto me orgulho.

Confesso que era tímido, e hoje essa verdade

me persegue e dilacera.

Muitos anos depois, a imaginação desgovernou-se

e juntou-se à dona fantasia, e sua alma profética,

nuns beijos e abraços em todo e lugar nenhum.

Cena comum: cogumelos brotam por detrás

da porta do banheiro.

Cogumelos pacíficos?

Cogumelos bandidos, filhos da guerra atômica?

Pesadelos, feito bombas armadas pra detonarem

quando estiver no sono mais profundo?

Soldados corcundas me fuzilando

numa Vietnã qualquer?

Dentro do filme do Scorsese

reencontro um por um esses amores,

de quem fui taxi drive, na Capital.

 

 

As coisas ficaram estranhas quando vi os ovos explodirem

ao serem cozinhados e os feijões permaneciam duros,

mesmo depois de horas no fogo.

Calcinhas e sutiãs penduradas nos varais

de quintais das casas me chamavam e me conduziam

à doce e amarga verdade: as garotas que levei

com meu carro por tantos labirintos e ruas

estão de volta, e desfilam... com suas vozes inconfundíveis,

seus pets, seus livros, espelhos, batons e canções preferidas,

elas são a minha plateia – a plateia de um  poeta só!

O poeta junta esse punhado de ninfas

e desenha em sua parede desbotada e solitária –

misturando todas as tintas possíveis e impossíveis –

a sua mulher ideal.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 30 de abril de 2025

Uma juba lindona


 


Na Alemanha as pessoas saem pelas ruas com livros

e leem nas praças e metrôs e ônibus.

Ela diz que é independente e é casada

e conversa comigo por chamadas de vídeo.

Adoro imaginá-la assim, longe, tanto faz

se estivesse na minha rua ou na Amazônia

ou Paris ou Nova York ou Berlim ou Londres.

Ela tem alma, e isso me enlouquece,

mas está fora de cogitação

me apaixonar.

Assim como está, alimentando meus canários

e gatos e paranoias, já sou infeliz

o suficiente.

Pedi pra que não mandasse áudios.

É que sua voz me enlouquecia,

internava em clínicas para loucos

o meu sexo nas madrugadas

e era a morte e vida do meu pobre sono.

O que mais queria era que murmurasse

nos meus ouvidos canções de ninar,

sempre linda, sorrindo e peladinha

como veio a esse mundo.

Ontem, quando mandou esta,

junto com uma foto,

meu coração disparou:

– Oi! Estou trançando minha juba.

Amei o que tu disse naquela história.

Eu me vi ali... Logo te explico.

– Tá bem. Vê se manda outras fotos

pra eu me pendurar na tua juba lindona!

 

Já se passaram 24h e nenhuma notícia.

Nem das frases, nem da juba. 

Nossa! Como essa vida solitária

me torna um pobre feliz!

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Das 24 às 24


 

Meia-noite.
A garganta berrando.
O céu, lá em cima, mijando luz nas calçadas.
Murmuro qualquer coisa pra lua e umas estrelas bêbadas.
Ninguém escuta.
Ótimo.
Sigo pelas ruas mortas,
sem saída,
como eu.
E lá está ela:
a loja de bebidas,
bonitinha, toda cheia de promessas baratas,
me vende a salvação por alguns trocados.
Não me nego.
O cachorro preso num beco late pra cima,
se joga contra as grades,
quer fugir,
quer me levar junto.
Não vai dar.
Ignoro os carros rebaixados,
o som podre rasgando o asfalto,
a lua, minguada,
me acena com pena.
Passei ali de tarde -
vi a igreja lotada,
o bailão da terceira idade bombando,
uns velhos dançando mais vivos do que eu.
Num canto, uma mulher esmagada pelo AVC
empurrava uma bola de basquete devagarzinho,
como se a vida fosse isso:
uma bola murcha num chão rachado.
Do outro lado, um bombado idiota,
cheio de músculos e vazio,
olhava pro nada,
segurando a própria desgraça como se fosse medalha.
Agora, a rua é só minha.
Meia-noite.
Eu e o asfalto.
Descansa, irmão,
amanhã tem mais escravidão,
e menos tempo para sentir
essa m* toda.
(B. B. Palermo)

sábado, 26 de abril de 2025

tarde demais

 

as placas berram no asfalto quente do A. Texas
“leve seu lixo para casa!”
“preserve a natureza!”
“atenção: morada do tuco-tuco!”
como se palavras pudessem conter a estupidez humana
como se alertas em madeira ou metal pudessem domar os cães famintos
ou deter os riquinhos em seus quadriciclos,
rasgando as dunas e praias como se fossem deles
como se tudo fosse deles
como se sempre fosse deles

o tuco-tuco não lê placas
ele cava, se esconde, sobrevive
até que um pneu o esmague
ou um cão o devore​

e eu?
sou só mais um roedor urbano
olhando pro horizonte turvo
preso entre prédios e ruas vazias e promessas vazias
esperando a ratoeira fechar​

as placas continuam lá
firmes, inúteis, ignoradas
como preces em um mundo sem deuses​

tarde demais para arrependimentos
tarde demais para esperança
tarde demais


(B. B. Palermo)


segunda-feira, 21 de abril de 2025

Sei no que vai dar!



Embalado pelas palavras
de queridos e queridas nas redes,
enredado pela lerdeza e opressão
de suas incríveis visões de mundo
(quem comeu quem, quem tem o pau mais grande da city,
quem melhor aplica as fórmulas mágicas das conquistas
e quem sabe amar sem ser machista,
quem tudo sabe de futebol e política e artes e música
e tals e tals e por aí vai...).
Você e aquela falta de ar e um
sufoco e opressão.
Você, admirador e invejoso do que dizem os sábios, os outros,
esquecendo e roubando o espaço
do “verdadeiro” fluxo que vem do teu íntimo.
Por experiência ingênua de tão própria
eu te digo:
tua poesia, se alguma houver,
será uma grande b*!
(B. B. Palermo)

terça-feira, 8 de abril de 2025

O psiquiatra conhece!



No Instagram, me deparo com uma entrevista de um psiquiatra

falando a respeito de uma droga ministrada a pacientes terminais, desenganados.

Diz ele:

“Nos cuidados paliativos, quando a pessoa vai morrer,

dá-se uma dose dissociativa de um psicodélico e a pessoa pode ter um êxtase,

uma epifania, e entender que não existe a morte, que tudo tem começo, meio e fim,

e o fim nada mais é do que o epílogo de um episódio unido

com o prólogo de outro episódio: morre pra cá, nasce pra lá,

numa outra dimensão.

Morre na outra dimensão, nasce pra cá nesse mundo material onde nós vivemos,

e nós estamos condenados ou premiados a viver eternamente na nossa companhia.

Caraio, véio! Tenho que me dar bem comigo mesmo

porque não tem como escapar de mim!

Enquanto tu estiver aqui, para viver o melhor possível

e expandir tua consciência, que é o que tu tanto busca,

sirva mais e ame melhor, simples assim!”.

 

Mostrei isso para alguns personagens e eles se manifestaram.

Diz o Cadelão:

“Carai, véio! Que viagem  Aposto que esse doctor chegou a tal descoberta

depois de ter sugado um balde de Ayahusca...”.

 

Eis o que diz o Damo do Cachorrinho:

“Kkkkk... eu nem achei tão louco o que ele disse, traz algum sentido.

Como saber se nossa consciência não vai viver em um metaverso

baseado em nossas experiências em vida, e passaremos o resto da eternidade

com nós mesmos? Kkk

*É só suposição. Estou lúcido. Haha...”

 

De novo o Cadelão:

“Rapaz, olha que terrível seria, não aguentamos nossa companhia nessa vida,

imagina passarmos uma eternidade nos vendo no espelho e gemendo...

‘Não, não, não! Fiz m* de novo!’ Kkkk”.

 

Outra vez o Damo:

“Bah, nunca fiz essa autoanálise... Só exames de sangue.

Vou consultar meu guru, o Leandro Karnal... hehehe”.

 

Pitaco do Carleone:

“Falei com meu alter ego, o Augusto Severo, e ele diz que o doutor tá certo com os cogumelos e tá fazendo poesia”.

 

Pra fechar, eis a opinião do Beiço:

“Esse usou mais drogas do que eu!”.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 25 de março de 2025

Foi o que deu pra fazer

 


Dei o livro pra uma amiga que estava de níver,

nos seu 90 anos bem vividos,

e o Lutero, o cara do pub, exclamou,

depois que leu a contracapa:

– Palermo, tu escreve pornografia!

Foi aí que a Sibila, minha paixão insensível,

meteu-se na conversa e amenizou:

– Queridos, não peguem pesado!

O Palermo está meio perdido nessa eterna busca

por uma mulher Alfa, enquanto ainda tropeça

e cai nos braços de umas putas.

Não estressem o pobrezinho.

É como ele sempre diz:

“Foi o que deu pra fazer”.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 23 de março de 2025

Coisas

 

Assim que a noite cai,

carros e motos passam pelas ruas

como ratazanas brotando às centenas de suas tocas,

e uma verdade toma conta do meu ser:

eu não consigo mais me apegar

a essas coisas.

Li que o governo quer liberar impostos

para idosos

na compra de veículos.

Fico em pânico, olho pro céu e pergunto:

– Pra que tanto automóvel, meu Deus?

Pausa, silêncio e aí percebo

que Deus cuida

de coisas mais relevantes.

Eis que passa na avenida uma motinha

toda fodida

e com descarga aberta.

Hoje em dia, minhas perguntas

ao todo poderoso  

não fazem qualquer sentido.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 19 de março de 2025

Um quilo de erva

  

O ônibus não estava lotado e eu poderia sentar

mais na parte da frente, mas escolhi o fundão.

6 poltronas e duas criaturas postadas, uma em cada lado, junto à janela.

Fiquei na poltrona central e segurei a mochila no colo.

O cara da direita era enorme e tinha uns olhos verdes

parados, fixos, provocando a minha atenção.

Na poltrona da esquerda, um serzinho, como eu diria... complexo...

unhas pintadas, voz de pré-adolescente encantado com o Cazuza,

quando cantava “quem sabe ainda sou uma garotinha...”.

Eu estava no meio de olhares cruzados, fixos nos meus.

Decidi encarar de frente o(a) garoto(a) e tive uma bela surpresa:

uns olhos verdes cheios de vida e malícia.

A criaturinha apanhou, de uma sacola plástica, um latão de Skol

e – ao abrir – deu aquele estalo.

Foi o suficiente para os passageiros se virarem de seus tronos

 – indignação, risadinhas, questionamentos:

– Cadê o motorista? Ninguém faz nada?

O ônibus seguia naquela sofrência urbana

e os dois pares de olhos verdes me encarando.

Refleti: “Não sei quem eles são nem sei quais as suas intenções...

e eles também não sabem quem eu sou”.

Poderiam acreditar que eu era um alemão ou gringo policial à paisana

portando na mochila uma pistola 9 milímetros.

Me veio, primeiro, a sensação de que estava num lugar perigoso

e de que o correto seria me bandear lá para a frente do ônibus.

Coloquei em prática um outro plano:

– Aí, Déby! Que lindos olhos, hein? Chocante!

Escuta só, dá um gole dessa Skol!

Devo ter falado num tom de voz mais elevado,

porque uma senhora reclamou:

– O motorista tá vendo tudo e não faz nada?

Dei um golão, e falei:

– Vocês não vão acreditar no que eu estou levando.

– O que é??

– Um quilo de erva!

Abri o zíper da mochila e apanhei um pacote

com dois pares de olhos totalmente fora de órbita

aguardando o desfecho da conversa.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 11 de março de 2025

Um velho problema



Velho problema: a cerveja desencadeia uma alegria,

ações rebeldes driblam a autocensura,

o que era preto e branco torna-se colorido,

o feio torna-se belo e minha poesia vê rosas

e nenhum espinho.

Vocês sabem como é,

a conhecida e reconhecida carência sai do armário

e dança à flor da pele e o velho escroto transforma-se

num menino apaixonado.

Mas – vejam bem – no dia seguinte

a realidade pisoteia a  alma

e a razão faz sangrar o coração.

Se ela aparecer no prédio num andador

procurando pelo escrotinho do apê 0800,

com olhinhos faiscando e uma bengala em riste,

digam que ele foi descansar e dar um tempo

em Aldebaran.

 

(B. B. Palermo)


A vizinha é a coisa mais linda!

  A vizinha é a coisa mais linda! (E deve ser por isso que vai me matar) Tudo igual no fim do mundo. As caturritas gritam planos de investim...