quarta-feira, 19 de março de 2025

Um quilo de erva

  

O ônibus não estava lotado e eu poderia sentar

mais na parte da frente, mas escolhi o fundão.

6 poltronas e duas criaturas postadas, uma em cada lado, junto à janela.

Fiquei na poltrona central e segurei a mochila no colo.

O cara da direita era enorme e tinha uns olhos verdes

parados, fixos, provocando a minha atenção.

Na poltrona da esquerda, um serzinho, como eu diria... complexo...

unhas pintadas, voz de pré-adolescente encantado com o Cazuza,

quando cantava “quem sabe ainda sou uma garotinha...”.

Eu estava no meio de olhares cruzados, fixos nos meus.

Decidi encarar de frente o(a) garoto(a) e tive uma bela surpresa:

uns olhos verdes cheios de vida e malícia.

A criaturinha apanhou, de uma sacola plástica, um latão de Skol

e – ao abrir – deu aquele estalo.

Foi o suficiente para os passageiros se virarem de seus tronos

 – indignação, risadinhas, questionamentos:

– Cadê o motorista? Ninguém faz nada?

O ônibus seguia naquela sofrência urbana

e os dois pares de olhos verdes me encarando.

Refleti: “Não sei quem eles são nem sei quais as suas intenções...

e eles também não sabem quem eu sou”.

Poderiam acreditar que eu era um alemão ou gringo policial à paisana

portando na mochila uma pistola 9 milímetros.

Me veio, primeiro, a sensação de que estava num lugar perigoso

e de que o correto seria me bandear lá para a frente do ônibus.

Coloquei em prática um outro plano:

– Aí, Déby! Que lindos olhos, hein? Chocante!

Escuta só, dá um gole dessa Skol!

Devo ter falado num tom de voz mais elevado,

porque uma senhora reclamou:

– O motorista tá vendo tudo e não faz nada?

Dei um golão, e falei:

– Vocês não vão acreditar no que eu estou levando.

– O que é??

– Um quilo de erva!

Abri o zíper da mochila e apanhei um pacote

com dois pares de olhos totalmente fora de órbita

aguardando o desfecho da conversa.

 

(B. B. Palermo)


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