O ônibus não estava lotado e eu poderia
sentar
mais na parte da frente, mas escolhi
o fundão.
6 poltronas e duas criaturas postadas,
uma em cada lado, junto à janela.
Fiquei na poltrona central e segurei
a mochila no colo.
O cara da direita era enorme e tinha
uns olhos verdes
parados, fixos, provocando a minha
atenção.
Na poltrona da esquerda, um serzinho,
como eu diria... complexo...
unhas pintadas, voz de
pré-adolescente encantado com o Cazuza,
quando cantava “quem sabe ainda sou
uma garotinha...”.
Eu estava no meio de olhares
cruzados, fixos nos meus.
Decidi encarar de frente o(a) garoto(a)
e tive uma bela surpresa:
uns olhos verdes cheios de vida e
malícia.
A criaturinha apanhou, de uma sacola
plástica, um latão de Skol
e – ao abrir – deu aquele estalo.
Foi o suficiente para os passageiros
se virarem de seus tronos
– indignação, risadinhas, questionamentos:
– Cadê o motorista? Ninguém faz nada?
O ônibus seguia naquela sofrência
urbana
e os dois pares de olhos verdes me
encarando.
Refleti: “Não sei quem eles são nem sei
quais as suas intenções...
e eles também não sabem quem eu sou”.
Poderiam acreditar que eu era um
alemão ou gringo policial à paisana
portando na mochila uma pistola 9
milímetros.
Me veio, primeiro, a sensação de que estava
num lugar perigoso
e de que o correto seria me bandear
lá para a frente do ônibus.
Coloquei em prática um outro plano:
– Aí, Déby! Que lindos olhos, hein?
Chocante!
Escuta só, dá um gole dessa Skol!
Devo ter falado num tom de voz mais
elevado,
porque uma senhora reclamou:
– O motorista tá vendo tudo e não faz
nada?
Dei um golão, e falei:
– Vocês não vão acreditar no que eu
estou levando.
– O que é??
– Um quilo de erva!
Abri o zíper da mochila e apanhei um
pacote
com dois pares de olhos totalmente
fora de órbita
aguardando o desfecho da conversa.
(B. B. Palermo)
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