quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Vai ter guerra!

 


Já disse um filósofo: “A guerra é a mãe de todas as coisas”,
e é o que o seu Castanha vai ter se de novo
quiser dividir a mesa comigo!
Se ele aparecer, direi:
– Vou ali no pub das gurias espiritualistas.
Um ou dois chopes e pimba: ouvirei vozes descendo da estratosfera,
inspiradas a ponto de serem faróis a me guiar
em direção ao cais – ou seria em direção ao caos?
Enfim, as 20 páginas do próximo livro
prometidas nos 3 últimos dias
desfilarão diante de meus olhos, como se despertasse
de um sonho bom.
Desisti de visitar o pub.
Das últimas vezes que lá cheguei a guria me encarou
com seu mau humor. Aposto que é mais uma
que percebeu que sou um caso perdido.
Vocês diriam: Palermo, tua escrita não vai florescer
enquanto tu se apaixonar por garotas
com frases infantis e uns peitões de quem já tem
uma penca de filhos.
Estou desalinhado – gurizada –, parece que baixou uma neblina fora de época
e desfilo por aí manquitolando – o cara que não disfarça
que está baldio.
Seu Castanha dobrou a esquina e vem, vem devagar, e se aproxima.
Apanho meu bloco de papel e caneta, enfio os óculos na fuça
e escrevo o melhor poema de minha vida.
O gesto de manobrar a caneta ridícula com a mão direita
(por que não a esquerda, hein, seu patético?) fez com que o velhinho
fosse abduzido.

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

3 colheres de chá de tédio


 

Henry Miller disse mais ou menos assim:

“Ande por aí de olho no fluxo e, de vez em quando,

ensaie algum êxtase”.

É isso.

Solte-se das amarras que é ser aceito pelos pares como bonzinho,

ovelha doméstica subindo e descendo montanhas,

cabeça entre as pernas, mais um peão

no xadrez cotidiano.

Às vezes você deve se aventurar, olhar bem no fundo

daqueles olhões escorregadios, e perguntar:

– Você é mesmo casada?

Arrisque-se – havendo uma abertura –, e prometa pílulas generosas

de alegria e algumas lágrimas, pouca melancolia

e muita euforia e cerveja e 3 colheres de chá 

de tédio.

Faça como eu e não seja comum, 

dê nome aos corvos, aos cães e às árvores, 

converse com eles e, de vez em quando,

descole um papo legal com os gatos, até seus pelos 

soltarem faíscas.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 2 de fevereiro de 2025

Menina Veneno


 

– Cara, o que é isso? Menina Veneno?

Tu ouvindo essas músicas loucas e velhas, tenho certeza,

tens tudo pra ser ruim de cama!

– Ah, sim, baby, tenho certeza que as sofrências que tu ouve

te transformam numa fêmea perfeita

deitada nas camas que tu encontrar pela vida!

Ela devolveu, furiosa:

– Aiaiai... Tu não é nada romântico, hein, Cadelãozinho?

Eu curto porque curto, curto por curtir!

 

Acordei com tais diálogos na cabeça.

3 horas da manhã, abro a porta dos fundos

e me deparo com os CDs que pendurei em meio às hortaliças,

para espantar os pássaros.

Eles emitem luzes meio sobrenaturais, ou eu é que estou sensível

a ponto de transcender e pegar carona num ônibus espacial

e farejar brilhos cósmicos e isso é tão bonito e misterioso,

mas também assustador.

Penso nas couves e alfaces e medito: fêmeas ou machos?

Qual será o seu papel na cadeia alimentar e sua importância

para sermos lembrados como heróis

pelas gerações futuras?

Agora, tenho certeza, estou acordado

e vejo o mundo por metáforas,

e não ligo muito para cálculos,

tabela periódica, calculadora e tals,

até gosto dessas coisas, como se estivesse resolvendo

palavras cruzadas.

Até que enfim, livre.

Livre e na companhia da Menina Veneno,

a princesa mais talentosa e misteriosa

e que sempre repete que vale a pena viver.

Ela, sempre ela: minha imaginação e todo o harém venenoso 

com que ela me faz enlouquecer!

 

(B. B. Palermo)

https://www.youtube.com/watch?v=BK_X3FvQTdE&ab_channel=YouTob

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Seu Castanha, tu não existe!

 

Serei sincero, se algum maluco aparecer e quiser dividir a mesa comigo.

Direi:

– Velho, senta aí, mas ficaremos em silêncio contemplando este único e eterno entardecer!

Dos caras que conheço, sei que não ficaremos calados nem 2 minutos,

e o primeiro comentário será sobre o clima-tempo.

Em seguida – no solavanco – falaremos sobre a má vontade

desses veranistas em abrirem o bolso.

– É um bando de mão de vaca, e a maioria é da Serra!

Eis que dobra a esquina, sempre ele, o seu Castanha, e já me farejou.

– Posso sentar?

Faço aquele gesto, meio resignado, e que pode significar “fazer o que, né?”.

(Meus queridos, desenvolvi um método infalível

pra botar o velhinho pra correr: é só pedir pra ele pagar

uma cerveja e uma pizza que, em menos de 2 minutos,

ele pega o rumo de casa).

Mas se der corda, desanda a falar e, como é meio surdo,

não ouve ou não liga pras minhas considerações.

Chato, muito chato.

Hoje, quase morri de vergonha.

Eis que surgem um rapaz e mais algumas crianças e adolescentes,

acho que seus familiares. O cara perguntou:

– Escuta, o que aconteceu com aquele bar que havia por aqui?

Falei pra ele:

– Olha, rolou umas coisas muito estranhas, tipo mulher

meter guampa no marido e engravidar de outro

e mais briga feia da bonitinha com o sogro

e aí não sei quem bateu em quem

e mais polícia no meio...

Nessa hora, o seu Castanha não se conteve:

– Palermo, tu é muito bobo, todo mundo sabia, menos tu,

que o cara não gostava de mulher, não estava nem aí pra ela,

só corria atrás dos garotos...

E relatou cenas de encontros furtivos e outras loucuras

narradas pela comunidade. Vocês sabem como é:

quem conta um conto aumenta um ponto.

Fiquei assombrado com as doses de machismo

e homofobia e tals do bom velhinho...

Aiaiai... Seu Castanha, tu não existe!

 

(B. B. Palermo)


domingo, 26 de janeiro de 2025

Sonhe alto

 


 

Apressado, entrei num banheiro químico

junto à praça e aos bares e levei um susto:

quem me encarava, de lá debaixo, era o abismo,

e nele não havia estrelas, nem cadentes nem supernovas,

ou luas cheias, crescentes ou minguantes.

Uma onda impregnou as narinas,

tons azedos de mijo e vômito,

corvos sobrevoando e espiando meu sexo.

O amor, dessa vez, não teve a chance de se manifestar,

ele evaporou junto a tais cenas.

Vi o meu amor atendendo ali naquele pub

e os pensamentos, dessa vez, não foram sublimes,

apesar do início promissor: foi simpática, não me fechou o rosto

e também não me fechou seus olhos negros cheios de vida,

mas fechou seu coração – ele deve estar abarrotado de outros amores.

Os pensamentos, nessas horas decepcionadas, escorregam

pros lados do escatológico, e ter ido àquele banheiro

foi a gota d’água. E as cenas que se apresentam aos olhos

nos bares próximos não ajudam em nada.

Bocas devorando lanches, filés, fritas, a la minuta e olhos fixos

nas telonas de TVs e etecétera e tals.

Conclusão a que cheguei:

isso não traz nenhuma garantia

de que nosso futuro será libertador.

– O futuro – dirão vocês – é tudo o que temos.

Sossega, Palermo, livre-se desses pensamentos banguelas

e sonhe alto!

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Chutando a porta de casa


 

Quando me chamam "Palermo!" levo um susto,

tenho a impressão de que meu sabor é de pano encardido,

pendurado num varal e crivado de balas grosso calibre

pelos olhares da comunidade.

Quando me chamam "Cadelão!", sinto-me na mesma condição

do servente de pedreiro ou do encanador ou do catador de lixo.

Uma e pouco da manhã, liguei a TV e sintonizei

um programa de entrevistas.

Três convidados debatem sobre a importância medicinal

e a liberação da Cannabis, e então meus olhos brilham

e eu me lembro das toneladas de baseado,

as bobagens que pronunciei, chapado,

as milhares de canções que ouvi

e o êxtase que experimentei,

muito mais do que um cidadão bem situado

consiga idealizar.

Fico arrepiado só de pensar nos perigos a que esses heróis –

selados como de classe média – estão submetidos.

As drogas e o álcool, os juros dos cartões de crédito,

todas e nenhuma ideologia, o formato da terra e as mudanças ambientais,

a pressão das furiosas bolhas direitistas e esquerdistas,

o sertanejo universitário e tals e tals.

Nem me falem dos conflitos familiares ou do bullying nas escolas.

Pressionado por tantas informações que se digladiam –  

asnos versus raposas, porcos versus bois e vacas etcétera e tal –  

sou surpreendido por crises de ansiedade e de suor

e de choro e uma vontade louca de encher a cara,

e o motivo, ó lindos e queridos escrotinhos,

o motivo é o de estar boiando na água fétida desse mundinho que desfrutais.

Os babacas colocam em risco minha condição social,

a de poder comprar uma TV de 50 polegadas em quinze prestações,

e isso vale pro carrinho popular,

que lavo e deixo brilhando e suas rodas tinindo

todo o sábado de tarde.

 Sonho de consumo.

Ainda vou ter uma gorda conta bancária e uma pança enorme,

só pra me estressar e correr pra academia 5 vezes por semana,

a cada verão,

e postar selfies caprichadas para impressionar as garotas.

Sonho de consumo.

Queimar fatias do meu salário nas farmácias,

ter um prazer sádico ao ouvir os vendedores gargantearem lançamentos

de complementos e vitaminas para isso e para aquilo.

Ainda vou ter uma dúzia de notas de 200 na carteira

e sentir uma alegria incomum ao ouvir a balconista dizer

que os produtos tais são bons porque vendem bem.

Ao cair a noite deixo o celular no silencioso,

pois grupos de conhecidos do WhatsApp,

a que fui encarecidamente convidado a participar,

desfilam mensagens de fé, de oração, Deus e Jesus e Virgem Maria

e mais isso e aquilo.

Imagens e caricaturas como se fossem uma parelha de cavalos

e sua carruagem me conduzindo pela escuridão da Idade Média

em direção à prometida luz que vem do alto.

E de novo estou fulo e com desejo de botar meu exército de um homem só nas ruas,

chutando e cuspindo e dividindo olhares raivosos com as donas de casa

fazendo compras em dias de preços estourando.

Que m**da, eu não precisava sofrer ao dar de cara

com os clichês de sempre.

Devo me acostumar com essa gente

que vive agarrada em muletas

e bengalas e andadores.

Sou cara de pau.

Sei que os outros estão compartilhando lixo,

também faço isso e finjo que considero tais dejetos

edificantes para a vida desses boçais.

Cinismo e cara de pau.

Não me afasto desses grupos.

Tenho esperança.

Quem sabe amanhã alguém se inspire pra além da superfície

e compartilhe algo que me entorte o queixo.

Ó meus irmãos, companheiros de longos ensaios de imbecilidade,

tudo o que espero é que algum de vocês me surpreenda

com novidade e intensidade,

como se me visitasse chutando a porta.

Eu podia estar transando sem camisinha,

pegando e espalhando por aí o HIV,

ou bamboleando pelas calçadas podre de bêbado.

Porém, aqui estou com minhas pantufas e lareira em brasa e TV moderninha,

vendo programas de quinta e bebericando cerveja.

Sou cara útil, um pateta que todo dia se esforça

para ser promovido e classificado pelo IBGE

como de classe média.

Um sujeito que sabe, como todos vocês, que tem prazer bovino

e visão mediana das coisas.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 19 de janeiro de 2025

Ela é moderninha


 

Pareceu-me fragilizada e miudinha no uniforme escolhido
para as funcionárias do pub, e suas olheiras insinuam:
– O bicho tá pegando! É alta temporada no A. Texas,
são poucos meses pra faturar!
Vinte e poucos anos mais jovem, lindo rosto e um olhar
de quem não dispõe de tempo para o amor
e outras fartas emoções.
Tamanha indiferença me desperta um delírio:
– Ela nasceu num outro século e não suporta meu êxtase e minha poesia!
Num relâmpago, outra dúvida me chuta o traseiro:
– E se eu nasci em época errada?
E então, cruzou ali na rua um Corcel II, creio que do ano 1980.
Isso me distraiu da obsessão de que estava diante
da mulher de minha vida.
Bateu aquele saudosismo e, de novo, despertou meu desejo
de colecionar um carro antigo.
Acho que tal gosto criou raízes na minha infância,
quando papai comprou, a duras penas, um Ford T29,
e que durante anos simbolizou o status e a ruína da família.
Por pouco – muitos anos depois – refiz o gesto de papai.
Estava no puteiro da Janete e, nisso, pousou no estacionamento
uma nave deslumbrante: um Corcel II, ano 1979.
Babei enquanto circulava em torno do carro,
e logo identifiquei seu proprietário, um fazendeiro de Jóia.
Conversa e cerveja e não demorou para trocamos os números de telefone
para, no dia seguinte, fecharmos o negócio.
É óbvio que, no outro dia, eu não lembrava de nada
quando vi no celular várias ligações que procediam
de um número desconhecido.
E a garota? Vocês perguntam.
Mudei de ideia, assim que esfriou minha paixão.
Nascemos e vivemos na mesma época, embora ela seja moderninha
e eu não passe de um saudosista apaixonado.
(B. B. Palermo)

sábado, 18 de janeiro de 2025

Faça meditação, mas sem música de fundo!

 


Noticiários informam do apocalipse:
guerras, desastres ambientais, fome e tals.
De olho na telinha, não enxergamos a guerra diária sob nossos pés: moradores de rua, drogados, viciados,
desempregados rastejando feito minhocas
num asfalto de 40 graus.
A miséria não desfila no Insta e no Face.
Por lá, qualquer pilantra muda de status,
sobe uns degraus numa dessas escadas ilusórias
e “vira” uma estrela.
É por isso que me afasto e me sinto cada vez melhor
quando estou sozinho.
Nas ruas e bares e etecétera e tals circulam uns pit bulls
musculosos e adestrados por horas diárias em academias.
– Qual é a dos caras?
Deus me livre se precisar trocar com eles
meia dúzia de palavras.
Ando cada vez mais cético com a humanidade,
e um dos motivos é que esses papagaios não suportam
praticar um mínimo de silêncio.
Se um dia um desses monstrinhos fizer meditação,
aposto que vai colocar música de fundo!

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Nenhum desespero

 

Nenhum desespero.

Início de 2025 e já não suporto as lamúrias duns amigos.

A velha ladainha: o que gostariam de fazer

e o que se perdeu no caminho, enquanto a carcaça desanda

e a alma entristece.

– Eu devia flanar nas alturas recebendo um soldo mensal

de pelo menos 2 dígitos, mas nada acontece!

Estou só por 2027!

 

Eu não: estou só pelo hoje!

Observo os pés de umas garotinhas calçando uns chinelos de grife

e tenho a impressão de que alguns estão deformados,

mas, claro, foi o meu olhar etílico que se perverteu

e dá cambalhotas enviesadas pra cima da realidade –

outros pés são lindinhos e despertam

fantasias dorminhocas.

Apenas visões. 

Nenhum plano para o futuro.

O embate da conquista não semeia qualquer estresse.

Enfim, nenhum desespero.

Alguém precisa dizer isso pra elas.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Foi num entardecer

 



Estou vivo e me pergunto:

sou mero poeta com a tomada em curto

ou apenas um bobão que se enfeitiçou pela garota

do mais novo pub e pelas músicas

de sua playlist?

Estar vivo é olhar para o céu ao entardecer,

e ainda tem sol e a lua também deu as caras

e mostra os caminhos, e sorri:

– Eis o Cadelão, pra lá de faceiro!

Sim, a lua mostra os caminhos e cabe a você

escolher.

Estar vivo é ficar atento aos milagres.

Quando a garota disse:

– Eu li o Bukowski!

Eu me entusiasmei:

– Nossa, meu bem! Eu e o velho safado bebemos todas por aí!

Tenho algumas histórias pra te contar!

Ao notar que havia sobre a mesa papel e caneta

e que eu rabiscava umas coisas alucinadas enquanto sugava um chope,

ela disse que tem poderes especiais e desvenda segredos

deste e de outros mundos, e que não foi por acaso

que eu pintei no seu entardecer,

pra ouvirmos juntinhos Rita Lee, IRA e Titãs.

Depois do terceiro chope tive a certeza

de que ela é a mentora sentimental e espiritual

que tanto procurei!

 

(B. B. Palermo)


Um é insuportável, dois é de mais

    Caminhava em direção à praça e ensaiava pensamentos pra cima, tipo Hoje serei o cara, um privilegiado, coisas bizarras marcarão encontro...