quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Vendendo sonhos


Na traseira do ônibus da frente,

visualizo a publicidade:

 

“No meu Rio Grande

também se sente só”.

 

Fico espantado, até admirado,

com uma boa sensação.

Mas não pode ser – a publicidade vende sonhos...

Olho de novo:

 

“No meu Rio Grande

NINGUÉM se sente só”.

 

Vida que segue o fluxo.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Te prepara, irmão

 

De uns tempos para cá, sonhos estranhos

me fazem companhia.

Agoniado, contei pro Beiço, enquanto brindávamos

umas e outras.

– Velho, o sonho que tive noite passada foi sinistro:

um amigo, que partiu desta há um punhado de anos,

me apareceu todo faceiro usando uma daquelas jaquetas (de napa ou de couro? Não faço ideia...) exalando um perfume

de quem não sai do armário faz uma eternidade.

Meu, nossa conversa foi animada, um belo encontro

de amigos que não se viam há anos.

Aí o Beiço, eloquente porque meio embriagado,

ou embriagado porque eloquente, me interrompeu

e relampejou retórica:

– Cadelão, eu admiro as tuas viagens transcendentais – veja bem,

não falei TRANSCENDENTES!

Acho que tu percorre caminhos nunca antes trilhados no universo

e, olha só, pouco importa se entornando um Santo Daime,

chá de cogumelo ou fumando maconha.

De carona com os sonhos, a mente atravessa caminhos fodásticos.

Parabéns! Mas fique ligado, maluco!

– Cara, espera aí. Ainda não terminei de te narrar o sonho.

Falta a parte mais chocante.

No meio do papo com o finado, eu perguntei:

“Que novidades tu traz do outro lado?”

Aí ele se virou pra você, que se aproximou

e se intrometeu na conversa,

e falou:

– Te prepara, irmão, logo tu não estará mais aqui!

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Mantenha a calma e me ensine a viver

Facas me atravessam

e acordo com o surto

de um alarme

no freezer do açougue –

basta ouvir os noticiários

e os zurros na internet.

Saudade dos tempos do coaxar

dos sapos e pererecas,

mesmo convencido

de que boa parte eram

vôos imaginários.

Sequestrado por folhas em branco

e latas de cerveja,

hoje sou patrola desesperada

gritando diante do abismo

dum pântano

cotidiano.

 

Espero ser adotado por uma dúzia de gatos

que me ensinem a viver do seu jeito:

em natural e espontânea liberdade.

Não mais me atraso no café da manhã.

O que importa, meu brother,

é manter a calma e ser tolerante e paciente

com as armadilhas bestas

que surgem no caminho.

 

(B. B. Palermo) 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Confessando umas cachorradas


De um lado para o outro – ora vendo TV, ora fuçando nas redes sociais. Tudo muito chato. No Facebook, quase só maravilhas, é muita felicidade pra envergadurazinha dos humanos. Lembrei do Nelson Rodrigues: “Ou a pessoa confessa uma baixeza, ou não está confessando nada”.

Baixezas ou CACHORRADAS, tenho uma ideia de como são, pensando em minhas andanças com Bárbara, que tem uma profissão cujo nome é pra lá de bacana: SEX GIRL.

Um carro estaciona bruscamente ali na rua. É o velho e querido doctor Biza. Cheira a álcool, mas está ligado. Abro a geladeira e apanho uma cerveja, alcanço-lhe e retiro da bandeja alguns ovos. Ele me observa, enquanto se esparrama no sofá:

– O jeito como tu coloca os ovos na bandejinha diz muito de tua personalidade. Como tu faz com o feijão?

Antes que esboce uma resposta, ele diz, meio que zombando:

– Tem que deixar de molho durante a noite. Senão, a feijoada vai produzir muitos gases – na verdade, ele disse muitos p**dos –, e tu sabe como é sério o problema do efeito estufa!

Não queria a companhia de alguém. Mesmo contrariado, fico na minha, mas penso: Sim, doctor estrambótico, cada movimento que meu corpo faz mostra a essência do meu ser, inclusive na hora dos fogos. E tu, nobre sábio, desenvolveu a verdadeira ferramenta para compreender isso.

Ao deitar o verbo, solta no ar gotículas avinagradas, e sempre começa com um "tu sabia que...". Matutei: Bobinho, esse conhecimento que tu tanto apregoa vaza água no final. Tantas teorias e tratados – que se mostravam a solução dos problemas – hoje não passam de ridículos ensaios cômicos. Doutor, não te apegue a tanta coisa que tu escuta por ai!

Mais relaxado, Biza esparrama pela sala suas aflições, e eu sou agora o psiquiatra.

Bastou 5 dias longe dos drinques para evaporar meia dúzia de quilos. Afastou-se também da carne vermelha e dos refris.

– Cadelão, prometi aos deuses que, de vez em quando, vou dar um stop nos líquidos e colocar meu fígado num SPA. Meu guia espiritual me elogiou: “Agora tu tá bem melhor! Continue assim!”. Profetizou num jeito paternal, e intuí que me livrei de algo pesado, tipo um câncer ou cirrose. Sem meu guia por perto, sou um gênio indefeso. Com ele, sou um ser especial e que necessita de uma vida sóbria e que isso será determinante para aprumar a humanidade.

Vai despejando a coisarada, enquanto eu murmuro "aham... aham...".

Agora o Biza fala do sítio que sua mulher herdou. Eu seguro as lágrimas, tantas vezes desejei morar no meio do mato, afastado da correria e dos gritos urbanos. Criar porcos e galinhas, pescar lambaris à tardinha num córrego de águas tranquilas. Transpiro sensibilidade quando ele diz que está medicando algumas árvores – as pobrezinhas foram atacadas por cupins. Aduba, mija nelas, fala, canta e abraça suas amigas, e elas estão reagindo bem!

É muita emoção, gurizada. Não posso me queixar. Consegui uma graninha para repor e manter o estoque de bebidas. Vivemos "em um mundo sem esperança, mas sem desespero" –, foi o que disse Henry Miller na década de 1930. Agora, em 2024, parece que estamos na mesma.

Biza continua fodão. Tudo porque a mulher o botou pra correr. Passou os 3 últimos dias fornicando com umas putas sacaninhas – como é que se chamam, hein? Ah, sim, sex girls.

Em alguns dias fará a síntese dos conhecimentos adquiridos numa pluralidade de cursos online e jogará retórica pra cima da mulher e ela deitará enfeitiçada e viverão uma invejável lua de mel.

 

Que fim levou a Bárbara? Vocês querem saber.

Não sei por onde anda, só sei que me reserva um lindo lugar no reino da fantasia (ou será da anarquia?). Não sei se sou de alguém, ou se tenho alguém, ou se vagueio pelo mundo. Quando a procuro, nalguma boate, carrego a dúvida: ela ainda me quer, ou algum pilantrinha com mais grana se afeiçoou e demarca o seu território?

 

 (B. B. Palermo)

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Eu sou zen

 


Perguntaram-me:

– Você é colorado ou gremista?

Fiz um gesto largo e demorado e calmo,

apontando vales e montanhas imaginários,

e sussurrei:

– Sou budista!

 

Pessoas entram e saem dos campeonatos diários

meio mortos, meio putos:

sobreviver, sobressair, competir,

ser visto ou lembrado,

ser amado ou odiado.

A natureza é espontânea e sábia:

a lua cheia dá lugar pra minguante

que por sua vez dá lugar...

ela quer muito nos ensinar...

porém mas todavia nós humanos, bestas,

dizemos que sabemos o que queremos,

e subimos e descemos de balanças

das farmácias

e apostamos todas as fichas nos centros

espíritas e igrejas e ofertamos as pobres

reservas econômicas nos jogos de azar.

Amanhã – eu prometo – dou entrada

num mosteiro!

 

(B. B. Palermo)


domingo, 29 de setembro de 2024

Cadê o café?


 

Caminhava pela calçada e bati de frente com um velho solitário, jeito de transtornado. Falava alto e – mesmo que estivesse a poucos metros de distância – não deu por mim.

O final do dia, além de abafado, anda estranho – pensei.

Quando era criança, cenas como essa impressionavam:

– Nossa! Um louco! Cuidado, gurizada!

Mas quem liga pra isso hoje em dia?

Algumas vezes, ao retornar pra casa do bar – meio que levitando – também falo sozinho. Porém, tomo o cuidado de o fazer um pouco tarde da noite, quando a comunidade assiste TV ou está num sono profundo.

Se é noite de luar ou o céu está estrelado, converso animadamente com as estrelas e a via láctea – representantes de Deus aos nossos olhos, dizem.

Aos 18 anos, quando servi o exército – numa cidade que ficava a uns 700 quilômetros de onde morava –, trocava cartas com uma garota adolescente. Depois de despachados pelo correio, os suspiros amorosos demoravam mais de uma semana pra tocarem seu coração.  Recebia a resposta da garota – contida, racional, se comparada aos meus delírios poéticos – mais de 2 semanas depois.

Podia ter escapado de servir o exército, mas disse ao comandante, na entrevista derradeira, que queria ficar. O que fiz aos dezoito anos eu faço até hoje: gosto de sofrer, gosto de sentir saudade – morando longe das pessoas mais próximas. Quanto a isso, psicanalistas e psiquiatras têm o conceito na ponta da língua para "classificar" meu tipo de neurose. Fodam-se!

Ou esses experts diriam que foi uma atitude louvável de minha parte: a busca pelo novo; não me acomodar ou me prender à aldeia em que nasci e cresci.

Se eu não sabia o que queria, parece que já sabia o que NÃO queria. Insistiram para que fizesse carreira no exército – mas, realmente, não nasci pra isso.

E tu nasceu pra que, então, seu bucéfalo? – perguntariam vocês...

Pelo menos durante década e meia, escrevia muitas cartas. Não sei como as garotas suportavam páginas e páginas daquelas "viagens" – será que elas guardaram as cartas ou as rasgaram ou queimaram ou as depositaram numa lixeira?

Acho que esse é o ponto: talvez o exercício da escrita salve, liberte ou evite que o ridículo reboleie pelas ruas falando sozinho.

Ao recordar minha juventude – mais do que fominha ou patético – até acho engraçado. Tinha aspirações literárias. Sonhava me imortalizar como poeta hehehe. Não fazia ideia de que todo esse sonho cairia por terra, bastava me apaixonar por alguma garota. Foram várias paixões. O malukinho amou e a arte evaporou.

Juvenil, não tinha qualquer maturidade e noção de que poderia "reencarnar" almas criativas de outros tempos, que me presenteariam incríveis histórias – e o caminho para isso eram as leituras de muitos (e bons) livros.

Quando a inspiração surgia, o espírito (líquido) se desviava dos caminhos criativos ou insights. Com certeza, não tive um mínimo de "café" para compreender e decifrar essas histórias e desenvolvê-las no papel.

E hoje?

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Ele é visível, finalmente

 

Nadava de braçada e tinha a sensação

de que não saía do lugar,

aí conheci uns caras da política

e aconteceu:

as eleições abrem as portas

e o Palermo ficou visível.

Quem sabe ele consegue lançar seu livro

na feira daqui?

Duvidas, ou estás em dúvida?

O poeta – mais doido que seus amigos andarilhos –

anda com um pé atrás do outro

nessas praias infinitas

e até acredita em tudo,

inclusive nos saltos da baleias

neste final de setembro.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 21 de setembro de 2024

A maluquinha do 303

 

Ela se mostra e se esconde

e não sabe (ainda?) que eu topo uma historinha a 3,

desde que não dure mais do que 1 ano e meio,

no máximo 2.

Depois disso, os capetinhas das garotas, e também os meus,

entram em campo e bagunçam o jogo.

Ela é mãe e pai do namorido,

mas eu também sou, e até os meus melhores amigos

e outros mais, fantasiam a sua mamãe.

Faz parte – soube depois de ler nuns romances

que tratam da psicologia dos humanos –

preste atenção no Nelson Rodrigues,

inspirado em Dostoievski.

A maluquinha do 303 se esconde e logo me ataca,

e suas investidas, claro, ficam no “quase”,

e é por isso que eu me frustro e sou possuído

por uns sonhos eróticos e masturbações

às 4 horas da manhã.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Rua Jardim da Paz, 3030, apto 303

 

Conheci uma garota num site de relacionamentos que se anunciava Pimentinha. Na frase de apresentação, ela mandou ver na poesia. “Ela é cafeína pura. Talvez mistura de rotina com fortes doses de adrenalina e fofura”.

Vocês sabem, a pimenta vermelha é um vasodilatador, isso mesmo, funciona como estimulante sexual. Cultivo meus pezinhos, em vasos. Acho que foi por isso que tive um interesse (gastronômico?) pela “Pimentinha”.

Mesmo que mostrassem apenas o rosto, algumas fotos eram provocativas – desconfiei que era garota de programa. Fui à caça. Curti seu perfil. No dia seguinte ela visitou meu perfil e curtiu também. Trocamos algumas frases, compartilhamos o telefone e nos adicionamos no Whats.

Dois dias depois, pilotava meu Monza 1995 como um Fórmula Um na última volta – em primeiro lugar, é claro. No rádio, tocava a música do Camisa de Vênus, “Sílvia”. Logo depois, uma do TNT, “Cachorro louco”. As melodias do rádio do carro emitiam sinais de que minha aventura com a garota seria inesquecível.

Alguns quilômetros adiante, num trevo, avistei uma senhora e uma criança – de uns 2 ou 3 anos – pedindo carona. Num impulso, parei o carro. Os dois vestiam preto, ela parecia não ter mais do que 30 anos, umas olheiras evidentes e a pele hiper branca. O menino seguia imóvel, olhar fixo no horizonte, como se a paisagem que via pelo vidro fosse sempre a mesma.

Minhas tentativas para engatar uma conversa foram em vão. Ela se limitou a informar que ficaria no mesmo lugar que eu visitava. Meu compromisso – comentei – era uma reunião com um amigo, um possível sócio para meus novos empreendimentos.

Nada de conversas animadas – então me limitei a ouvir músicas pelo radio do carro e imaginar como seria inesquecível o encontro com Pimentinha.

Quanto mais me aproximava de sua cidade, mais me sentia como se estivesse indo à feira. Não para comprar uma fruta qualquer. Criei tamanha expectativa, era como se buscasse especiarias para um maravilhoso prato.

Houve um pequeno porém. A garota era mais velha e mais fofa do que aparentava nas fotos – fico me perguntando sobre sua timidez, a não aceitação de si por inteira, como se sua essência se resumisse num rosto, numa boca bem torneada e realçada pelo batom, ou numa xoxota de enlouquecer o cara quando mandava brasa no sexo.

Quando a encontrei no site não desconfiei que as fotos – ao privilegiarem partes do corpo – funcionavam como estratégia de marketing. Aliás, não é algo parecido com o que a maioria faz hoje em dia, ao mostrar alguns aspectos de sua personalidade, escamoteando manias e defeitos?

Sei... Vocês querem saber se o calor e o sabor dela correspondia a uma pimentinha das malaguetas. Vejam bem, além de sua beleza não confirmar as promessas das fotos no seu perfil do site, Pimentinha não disfarçou suas intenções estritamente comerciais. De cara estabeleceu suas condições para nossas libações. Deixou-me a par de seus preços. Anal estava fora de cogitação, oral aumentaria o valor do programa em 20% e eu disporia de meia hora, senão a cada quinze minutos aumentaria em 15% o valor do programa. Pensei dizer: Guria, mire na venda de sentimentos, é disto que provém a tua sobrevivência. Mas apenas perguntei: Você tem alguma fantasia com calculadora, do tipo enquanto o cara entra e sai você faz o cálculo das probabilidades de obter um orgasmo? A diaba não sacou a ironia. Ela incorporou por inteiro a ideologia mercadológica que procura espremer o máximo de lucro do seu solicitado corpo – será que ela tem alguma utopia de um mundo melhor, ou será que pra ela o que vale é o aqui e agora, sua “presença” imediata de garota de programa?

Ah, estava me esquecendo, ela disse que não beijaria porque tinha um dente meio podre e só em dez dias seria atendida pelo dentista, mas que pelo fato de nossa trepada ficar comprometida pelo mau hálito ela me daria 15% de desconto na soma total do programa.

Foi isso. Inventei que não curtia transar no primeiro encontro e que estava à procura de um grande amor e a convidei para beber algo num barzinho. Ela disse Ok, mas só tenho 15 minutos.

No caminho de volta eu estava em último na última volta com meu Monza 1995 Fórmula Um. O motor do carro queimava óleo de maneira preocupante e as rodas puxavam um pouco pra esquerda. Eu me sentia daquele jeito, como em 85% dos casos: um fodido!

Num trevo, logo adiante, avisto a senhora de preto e sua criança. De maneira brusca, estaciono. Bastou embarcarem, pra senhora se soltar:

– Você ficou chateado com a Pimenta, não foi?

– Como?

– Vocês dois são muito parecidos: não sabem o que fazer com a solidão... Lembra do teu avô? Ele era bem assim: quanto mais zoneiro, mais se sentia sozinho e deprimido.

– De onde você conheceu meu avô?

– Isso não interessa...

Eu suava e tremia e não me vinha qualquer assunto pra botar na roda – e sentia uma louca necessidade de conhecer aquela mulher.

Ao nos aproximarmos da entrada da cidade, ela pediu pra que parasse. Abriu a porta do carro, olhou-me com profundidade, passando uma estranha sensação. Colocou a mão no meu peito, massageou, massageou, desencadeando uma energia – uma suave e agradável corrente elétrica. Me senti mais leve, e as batidas do coração mais compassadas.

– Você não quer ser um homem de verdade? Então pare de ouvir a opinião dos outros, e siga a voz do teu coração!

Fora do carro, disse:

– Venha nos visitar. Anota o endereço: rua Jardim da Paz, número 3030, apto 303.

Alguns dias depois, procurei tal endereço. Ficava na periferia da cidade, zona oeste.

Avistei o número 3030. Havia um portão e, acima, a inscrição: 

CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 17 de setembro de 2024

Se você quer se exibir, não se preocupe com a morte

 

Um maluco empinou a motocicleta importada de mil cilindradas na avenida, a uns trinta metros do bar onde eu conversava com dois amigos. A máquina rodopiou e voou, acompanhada de faíscas por causa do atrito com o asfalto, e o sujeito rolou uma dúzia de metros e se chocou num carro que vinha no sentido contrário. O voo da motocicleta seguiu na contramão, beijando o pneu traseiro de um carro estacionado e se bandeou pro outro lado da rua, uns cinquenta metros adiante.

Apanhei o copo e senti a tremedeira:

- Ca-ca-ralho, e-se-o-fo-fo-guete ve-vem em nossa di-direção? Já-já-era, ba-baby!

Um sujeito que estava numa mesa ao lado correu pra organizar o trânsito. Depois foi ajudar o cara da moto. O retardado permanecia consciente e sem ossos quebrados.

- O FILHO DA PUTA NASCEU DE NOVO!

- Já pensou se aquela coisa atinge as crianças que circulavam de bicicleta pela calçada?

Enchi o copo e observei a bolha se formar no bico da garrafa. Rechacei o pensamento palerma, que ganhava forma: "Que pena não estar morto nessa hora". Vivos! Um beijo ao doce paladar de cada gole desta ceva!

Um dos amigos achou que era momento de dizer "viva bem cada minuto, como se fosse a frase ideal para iniciar um romance". Olhei pra ele, mas não disse nada, apenas pensei – tá querendo impressionar, seu pa-patético?

Smartphones em punho, pessoas tiram fotos, gravam vídeos, antes da motocicleta ser recolhida e o maluco ser conduzido ao hospital, e antes que cheguem os caras da Brigada.

Como um balão que estoura sem ter alcançado o seu máximo, desanimo ao ver toda essa cambada manuseando seus aparelhos. Precisam se ocupar, e eu necessito inventar algo que as distraia dessas merdas.

– Se a cabeça dos caras não está no celular, está no pau – disse outro dos meus amigos.

O cretino dedicou muito suor pra cavalgar numa motocicleta de dar inveja à plateia. Mas pra se exibir nas ruas não pode exagerar na bebida nem na cocaína e nem se preocupar com a morte. De que adianta tudo isso?

Penso que ele deveria fazer parte do meu “público”, e não o contrário. Mas não levo jeito pra coisa. Não consigo escrever textos curtinhos e engraçados pra chamar a atenção da galera. Jamais serei coach ou estrela do TikTok. Cadelão, o fodido – nem pra levar uma cadeirada nos cornos diante das câmeras, num programa de TV, ele se presta.

 

(B. B. Palermo)


Viagem ao fim da noite

O cachorro passa mancando... não me percebe. Compreendo: a vida é busca, é movimento. Quem prova isso é o motoboy e sua descarga barul...