sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Rua Jardim da Paz, 3030, apto 303

 

Conheci uma garota num site de relacionamentos que se anunciava Pimentinha. Na frase de apresentação, ela mandou ver na poesia. “Ela é cafeína pura. Talvez mistura de rotina com fortes doses de adrenalina e fofura”.

Vocês sabem, a pimenta vermelha é um vasodilatador, isso mesmo, funciona como estimulante sexual. Cultivo meus pezinhos, em vasos. Acho que foi por isso que tive um interesse (gastronômico?) pela “Pimentinha”.

Mesmo que mostrassem apenas o rosto, algumas fotos eram provocativas – desconfiei que era garota de programa. Fui à caça. Curti seu perfil. No dia seguinte ela visitou meu perfil e curtiu também. Trocamos algumas frases, compartilhamos o telefone e nos adicionamos no Whats.

Dois dias depois, pilotava meu Monza 1995 como um Fórmula Um na última volta – em primeiro lugar, é claro. No rádio, tocava a música do Camisa de Vênus, “Sílvia”. Logo depois, uma do TNT, “Cachorro louco”. As melodias do rádio do carro emitiam sinais de que minha aventura com a garota seria inesquecível.

Alguns quilômetros adiante, num trevo, avistei uma senhora e uma criança – de uns 2 ou 3 anos – pedindo carona. Num impulso, parei o carro. Os dois vestiam preto, ela parecia não ter mais do que 30 anos, umas olheiras evidentes e a pele hiper branca. O menino seguia imóvel, olhar fixo no horizonte, como se a paisagem que via pelo vidro fosse sempre a mesma.

Minhas tentativas para engatar uma conversa foram em vão. Ela se limitou a informar que ficaria no mesmo lugar que eu visitava. Meu compromisso – comentei – era uma reunião com um amigo, um possível sócio para meus novos empreendimentos.

Nada de conversas animadas – então me limitei a ouvir músicas pelo radio do carro e imaginar como seria inesquecível o encontro com Pimentinha.

Quanto mais me aproximava de sua cidade, mais me sentia como se estivesse indo à feira. Não para comprar uma fruta qualquer. Criei tamanha expectativa, era como se buscasse especiarias para um maravilhoso prato.

Houve um pequeno porém. A garota era mais velha e mais fofa do que aparentava nas fotos – fico me perguntando sobre sua timidez, a não aceitação de si por inteira, como se sua essência se resumisse num rosto, numa boca bem torneada e realçada pelo batom, ou numa xoxota de enlouquecer o cara quando mandava brasa no sexo.

Quando a encontrei no site não desconfiei que as fotos – ao privilegiarem partes do corpo – funcionavam como estratégia de marketing. Aliás, não é algo parecido com o que a maioria faz hoje em dia, ao mostrar alguns aspectos de sua personalidade, escamoteando manias e defeitos?

Sei... Vocês querem saber se o calor e o sabor dela correspondia a uma pimentinha das malaguetas. Vejam bem, além de sua beleza não confirmar as promessas das fotos no seu perfil do site, Pimentinha não disfarçou suas intenções estritamente comerciais. De cara estabeleceu suas condições para nossas libações. Deixou-me a par de seus preços. Anal estava fora de cogitação, oral aumentaria o valor do programa em 20% e eu disporia de meia hora, senão a cada quinze minutos aumentaria em 15% o valor do programa. Pensei dizer: Guria, mire na venda de sentimentos, é disto que provém a tua sobrevivência. Mas apenas perguntei: Você tem alguma fantasia com calculadora, do tipo enquanto o cara entra e sai você faz o cálculo das probabilidades de obter um orgasmo? A diaba não sacou a ironia. Ela incorporou por inteiro a ideologia mercadológica que procura espremer o máximo de lucro do seu solicitado corpo – será que ela tem alguma utopia de um mundo melhor, ou será que pra ela o que vale é o aqui e agora, sua “presença” imediata de garota de programa?

Ah, estava me esquecendo, ela disse que não beijaria porque tinha um dente meio podre e só em dez dias seria atendida pelo dentista, mas que pelo fato de nossa trepada ficar comprometida pelo mau hálito ela me daria 15% de desconto na soma total do programa.

Foi isso. Inventei que não curtia transar no primeiro encontro e que estava à procura de um grande amor e a convidei para beber algo num barzinho. Ela disse Ok, mas só tenho 15 minutos.

No caminho de volta eu estava em último na última volta com meu Monza 1995 Fórmula Um. O motor do carro queimava óleo de maneira preocupante e as rodas puxavam um pouco pra esquerda. Eu me sentia daquele jeito, como em 85% dos casos: um fodido!

Num trevo, logo adiante, avisto a senhora de preto e sua criança. De maneira brusca, estaciono. Bastou embarcarem, pra senhora se soltar:

– Você ficou chateado com a Pimenta, não foi?

– Como?

– Vocês dois são muito parecidos: não sabem o que fazer com a solidão... Lembra do teu avô? Ele era bem assim: quanto mais zoneiro, mais se sentia sozinho e deprimido.

– De onde você conheceu meu avô?

– Isso não interessa...

Eu suava e tremia e não me vinha qualquer assunto pra botar na roda – e sentia uma louca necessidade de conhecer aquela mulher.

Ao nos aproximarmos da entrada da cidade, ela pediu pra que parasse. Abriu a porta do carro, olhou-me com profundidade, passando uma estranha sensação. Colocou a mão no meu peito, massageou, massageou, desencadeando uma energia – uma suave e agradável corrente elétrica. Me senti mais leve, e as batidas do coração mais compassadas.

– Você não quer ser um homem de verdade? Então pare de ouvir a opinião dos outros, e siga a voz do teu coração!

Fora do carro, disse:

– Venha nos visitar. Anota o endereço: rua Jardim da Paz, número 3030, apto 303.

Alguns dias depois, procurei tal endereço. Ficava na periferia da cidade, zona oeste.

Avistei o número 3030. Havia um portão e, acima, a inscrição: 

CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ.

 

(B. B. Palermo)


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