Farmácias brotam diante
dos olhos
feito tiririca nos gramados.
Bares aguardam bêbados
convictos e tímidos
e outros tipos que
fazem estágio.
Alguns serão aprovados,
outros serão resgatados
por pastores de
igrejas.
Entre bares e
farmácias, escolho os primeiros.
Em vez de paroxetina e
valium e prozac,
prefiro cervejas e
canecos de chope.
Estou feliz porque
ninguém sabe
do banho enforcado e do
sovaco a mil.
O dia começa as 12h e o
almoço é as 16h.
Uma voz ensombreada,
diz:
- Ainda vou te levar
ao céu.
O Sombra, um cara que
dizem ser meu eu mais profundo e radical,
um Cadelão do avesso e
vesgo e falso,
ri do meu perfil quando
juro que sou sincero.
Até hoje não me
acostumei com esse sujeito
grudado no meu
pé.
Todo dia pessoas sinalizam
posturas bem comportadas,
como se fossem pintores
envernizando minhas faces,
maquiando o meu perfil.
Coachings me perseguem
e tagarelam com mensagens amplificadas.
Falam do meu sucesso,
embora sabendo que não passo de uma abelha
se debatendo nesse
vespeiro.
Não vejo muitas opções,
a não ser farmácias e bares.
Até dou-lhes atenção,
porém o estoque de remédios
e de paixões sempre
recua.
Estou cheio de ouvir a
velha melodia:
- Aproveite e sugue a
calmaria das tempestades
que essas drogas
propiciam. Viver
é sair pra chuva e se molhar.
O estetoscópio do médico
nunca vai alcançar as moléstias
duma multidão de
imbecis.
Sujeitos estranhos
dizem:
- O mal se cria na
cabeça, meu irmão.
Tenho visto tanta gente
deprimida por aí.
A toda hora disparam
sirenes dos bombeiros.
Lendo um livro de uma
psicanalista
eu me convenci de que
sou ressentido.
Tomei conhecimento das
opiniões e feitos de uns próximos
e tive gases e refluxo
e frieiras e azia.
Culpado disso tudo é o
Sombra,
é ele que inveja um
amigo, só porque o cara fala 4 línguas.
O dia passou de carona
numa tempestade.
Dormi pouco pra não
faltar a um encontro.
Possuí-la era o alvo,
mas o tempo fez um desvio.
Então estrelas nasceram
e outras morreram.
Nada de flores, nada de
presentes.
Agora estou no
princípio da escada
e tenho uma visão
realista do meu ser.
Olho pra cima e sei que
não chegarei no topo.
Tudo culpa da
delicadeza e doçura e alma leve do Sombra.
Ganhar tempo. Não sei
se pago as contas
que pendurei nos
botecos da avenida,
ou se torro os 700
pilas no Degrau's.
Janusa - o traveco
bruxuleante - ligou,
quer me apresentar uma
princesa cheirosa
como angorá que
retornou do pet shop.
Janusa é irresistível, de
personalidades múltiplas,
e conhece os atalhos do
prazer.
Cresceu num lar em que
germinaram incesto e pedofilia
e brilho da lâmina da
navalha e estampidos de 38
e álcool e drogas em
carreiras bem alinhadas.
Ela (ele) sabe que a
disputa
entre Cadelão e Sombra
é desigual.
Quando o Sombra vence
em disparada
e Cadelão entorna os
primeiros copos,
Janusa balança a cabeça
com cara de alucinada,
como se presenciasse o
fim dos tempos
e bota a culpa no
destino.
Hoje estou cheio de
ontem
e os bares dessa
avenida continuarão me esperando
com suas pernas abertas
e mesas nas calçadas.
Mas hoje passarei ao
longe,
eles não fizeram por
merecer minha
ressaca bizarra,
que desfila por aí de
mãos dadas
com senhor Sombra.
(B. B. Palermo)