Muitos encharcam com gasolina até as bordas
de suas máquinas.
Troco tamanho esforço e rego com cerveja esta
carcaça.
Não sou máquina, não tenho tamanha pressa.
Humano ‒ mais pessimista do que otimista ‒ ainda
dou manivela nos dias com o tal do livre arbítrio.
Poderia canalizar energias pra ganhar dinheiro,
ou passar cera e polir meu carro pra conquistar um brotinho. Mas não sou máquina modelo: saio por aí no piloto
automático, e não faço grande coisa se ninguém der a partida.
Tenho sede do caralho, como se fosse Camaro ou
Fórmula Um.
Porém, tenho outras sedes. Escutar ‒ pelos
cantos do mundo ‒ bêbados, traídos, travestis e prostitutas. Saber tintim por
tintim os motivos do traficante e do dependente, do lazarento e do alcoólatra.
Das velhas e velhos devassos, que à luz do dia tudo sabem sobre o tempo, a
moral e os bons costumes, esportes e loterias, e à noite dormem pesado após uma
trepada servil.
Quero ouvir as ninfas, tão jovens e carentes de
orgasmo. Sem apelo científico, digo que o gozo é divino, que b* não é órgão, e
sim porta de entrada ao jardim do Éden, e nos acolhe e afaga e aquece muito
mais que droga ou bebida.
Tenho muitas outras sedes.
Hoje bebo num cantinho escuro dum posto de
gasolina. Frentistas, com total simpatia nas calças legging, se esforçam pra
dar conta do recado.
Próxima do chão, na banda oeste, sorriso voltado
pro alto, vejo a carinha da lua. Não sei se ela é nascente ou minguante, sei
apenas que é cúmplice com esse jeitinho inocente.
Li que aumentou neste ano nossa dívida com o
planeta. Seu esgotamento é irreversível. Sofro pelo futuro de meus netos. E a
internet está uma festa, fala, fala e repete dos meteoros que descerem e
daqueles que virão.
Acabou a distração. Uma garotinha, p* metida a coach, me ordena pra que saia da
zona de conforto, mas não embarco nessa, não, meu irmão!
Putz... Eis que surge um amigo tristinho, diz
que vai mal o seu amor. Como não sou máquina, sua história me derruba, dá
vontade de chorar.
Me chamam Cadelão porque gosto de ouvir. Minhas
orelhas estão pra cima, como cachorro atrás de fêmea no cio, louco pra saber o
que todos gostariam de contar, das aventuras e tragédias, do antes, durante e
depois.
Pareço com todo mundo: boto fé, mas desconfio,
da humanidade e do amor.
(B. B. Palermo)
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