segunda-feira, 28 de abril de 2025

Das 24 às 24


 

Meia-noite.
A garganta berrando.
O céu, lá em cima, mijando luz nas calçadas.
Murmuro qualquer coisa pra lua e umas estrelas bêbadas.
Ninguém escuta.
Ótimo.
Sigo pelas ruas mortas,
sem saída,
como eu.
E lá está ela:
a loja de bebidas,
bonitinha, toda cheia de promessas baratas,
me vende a salvação por alguns trocados.
Não me nego.
O cachorro preso num beco late pra cima,
se joga contra as grades,
quer fugir,
quer me levar junto.
Não vai dar.
Ignoro os carros rebaixados,
o som podre rasgando o asfalto,
a lua, minguada,
me acena com pena.
Passei ali de tarde -
vi a igreja lotada,
o bailão da terceira idade bombando,
uns velhos dançando mais vivos do que eu.
Num canto, uma mulher esmagada pelo AVC
empurrava uma bola de basquete devagarzinho,
como se a vida fosse isso:
uma bola murcha num chão rachado.
Do outro lado, um bombado idiota,
cheio de músculos e vazio,
olhava pro nada,
segurando a própria desgraça como se fosse medalha.
Agora, a rua é só minha.
Meia-noite.
Eu e o asfalto.
Descansa, irmão,
amanhã tem mais escravidão,
e menos tempo para sentir
essa m* toda.
(B. B. Palermo)

sábado, 26 de abril de 2025

tarde demais

 

as placas berram no asfalto quente do A. Texas
“leve seu lixo para casa!”
“preserve a natureza!”
“atenção: morada do tuco-tuco!”
como se palavras pudessem conter a estupidez humana
como se alertas em madeira ou metal pudessem domar os cães famintos
ou deter os riquinhos em seus quadriciclos,
rasgando as dunas e praias como se fossem deles
como se tudo fosse deles
como se sempre fosse deles

o tuco-tuco não lê placas
ele cava, se esconde, sobrevive
até que um pneu o esmague
ou um cão o devore​

e eu?
sou só mais um roedor urbano
olhando pro horizonte turvo
preso entre prédios e ruas vazias e promessas vazias
esperando a ratoeira fechar​

as placas continuam lá
firmes, inúteis, ignoradas
como preces em um mundo sem deuses​

tarde demais para arrependimentos
tarde demais para esperança
tarde demais


(B. B. Palermo)


segunda-feira, 21 de abril de 2025

Sei no que vai dar!



Embalado pelas palavras
de queridos e queridas nas redes,
enredado pela lerdeza e opressão
de suas incríveis visões de mundo
(quem comeu quem, quem tem o pau mais grande da city,
quem melhor aplica as fórmulas mágicas das conquistas
e quem sabe amar sem ser machista,
quem tudo sabe de futebol e política e artes e música
e tals e tals e por aí vai...).
Você e aquela falta de ar e um
sufoco e opressão.
Você, admirador e invejoso do que dizem os sábios, os outros,
esquecendo e roubando o espaço
do “verdadeiro” fluxo que vem do teu íntimo.
Por experiência ingênua de tão própria
eu te digo:
tua poesia, se alguma houver,
será uma grande b*!
(B. B. Palermo)

terça-feira, 8 de abril de 2025

O psiquiatra conhece!



No Instagram, me deparo com uma entrevista de um psiquiatra

falando a respeito de uma droga ministrada a pacientes terminais, desenganados.

Diz ele:

“Nos cuidados paliativos, quando a pessoa vai morrer,

dá-se uma dose dissociativa de um psicodélico e a pessoa pode ter um êxtase,

uma epifania, e entender que não existe a morte, que tudo tem começo, meio e fim,

e o fim nada mais é do que o epílogo de um episódio unido

com o prólogo de outro episódio: morre pra cá, nasce pra lá,

numa outra dimensão.

Morre na outra dimensão, nasce pra cá nesse mundo material onde nós vivemos,

e nós estamos condenados ou premiados a viver eternamente na nossa companhia.

Caraio, véio! Tenho que me dar bem comigo mesmo

porque não tem como escapar de mim!

Enquanto tu estiver aqui, para viver o melhor possível

e expandir tua consciência, que é o que tu tanto busca,

sirva mais e ame melhor, simples assim!”.

 

Mostrei isso para alguns personagens e eles se manifestaram.

Diz o Cadelão:

“Carai, véio! Que viagem  Aposto que esse doctor chegou a tal descoberta

depois de ter sugado um balde de Ayahusca...”.

 

Eis o que diz o Damo do Cachorrinho:

“Kkkkk... eu nem achei tão louco o que ele disse, traz algum sentido.

Como saber se nossa consciência não vai viver em um metaverso

baseado em nossas experiências em vida, e passaremos o resto da eternidade

com nós mesmos? Kkk

*É só suposição. Estou lúcido. Haha...”

 

De novo o Cadelão:

“Rapaz, olha que terrível seria, não aguentamos nossa companhia nessa vida,

imagina passarmos uma eternidade nos vendo no espelho e gemendo...

‘Não, não, não! Fiz m* de novo!’ Kkkk”.

 

Outra vez o Damo:

“Bah, nunca fiz essa autoanálise... Só exames de sangue.

Vou consultar meu guru, o Leandro Karnal... hehehe”.

 

Pitaco do Carleone:

“Falei com meu alter ego, o Augusto Severo, e ele diz que o doutor tá certo com os cogumelos e tá fazendo poesia”.

 

Pra fechar, eis a opinião do Beiço:

“Esse usou mais drogas do que eu!”.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 25 de março de 2025

Foi o que deu pra fazer

 


Dei o livro pra uma amiga que estava de níver,

nos seu 90 anos bem vividos,

e o Lutero, o cara do pub, exclamou,

depois que leu a contracapa:

– Palermo, tu escreve pornografia!

Foi aí que a Sibila, minha paixão insensível,

meteu-se na conversa e amenizou:

– Queridos, não peguem pesado!

O Palermo está meio perdido nessa eterna busca

por uma mulher Alfa, enquanto ainda tropeça

e cai nos braços de umas putas.

Não estressem o pobrezinho.

É como ele sempre diz:

“Foi o que deu pra fazer”.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 23 de março de 2025

Coisas

 

Assim que a noite cai,

carros e motos passam pelas ruas

como ratazanas brotando às centenas de suas tocas,

e uma verdade toma conta do meu ser:

eu não consigo mais me apegar

a essas coisas.

Li que o governo quer liberar impostos

para idosos

na compra de veículos.

Fico em pânico, olho pro céu e pergunto:

– Pra que tanto automóvel, meu Deus?

Pausa, silêncio e aí percebo

que Deus cuida

de coisas mais relevantes.

Eis que passa na avenida uma motinha

toda fodida

e com descarga aberta.

Hoje em dia, minhas perguntas

ao todo poderoso  

não fazem qualquer sentido.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 19 de março de 2025

Um quilo de erva

  

O ônibus não estava lotado e eu poderia sentar

mais na parte da frente, mas escolhi o fundão.

6 poltronas e duas criaturas postadas, uma em cada lado, junto à janela.

Fiquei na poltrona central e segurei a mochila no colo.

O cara da direita era enorme e tinha uns olhos verdes

parados, fixos, provocando a minha atenção.

Na poltrona da esquerda, um serzinho, como eu diria... complexo...

unhas pintadas, voz de pré-adolescente encantado com o Cazuza,

quando cantava “quem sabe ainda sou uma garotinha...”.

Eu estava no meio de olhares cruzados, fixos nos meus.

Decidi encarar de frente o(a) garoto(a) e tive uma bela surpresa:

uns olhos verdes cheios de vida e malícia.

A criaturinha apanhou, de uma sacola plástica, um latão de Skol

e – ao abrir – deu aquele estalo.

Foi o suficiente para os passageiros se virarem de seus tronos

 – indignação, risadinhas, questionamentos:

– Cadê o motorista? Ninguém faz nada?

O ônibus seguia naquela sofrência urbana

e os dois pares de olhos verdes me encarando.

Refleti: “Não sei quem eles são nem sei quais as suas intenções...

e eles também não sabem quem eu sou”.

Poderiam acreditar que eu era um alemão ou gringo policial à paisana

portando na mochila uma pistola 9 milímetros.

Me veio, primeiro, a sensação de que estava num lugar perigoso

e de que o correto seria me bandear lá para a frente do ônibus.

Coloquei em prática um outro plano:

– Aí, Déby! Que lindos olhos, hein? Chocante!

Escuta só, dá um gole dessa Skol!

Devo ter falado num tom de voz mais elevado,

porque uma senhora reclamou:

– O motorista tá vendo tudo e não faz nada?

Dei um golão, e falei:

– Vocês não vão acreditar no que eu estou levando.

– O que é??

– Um quilo de erva!

Abri o zíper da mochila e apanhei um pacote

com dois pares de olhos totalmente fora de órbita

aguardando o desfecho da conversa.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 11 de março de 2025

Um velho problema



Velho problema: a cerveja desencadeia uma alegria,

ações rebeldes driblam a autocensura,

o que era preto e branco torna-se colorido,

o feio torna-se belo e minha poesia vê rosas

e nenhum espinho.

Vocês sabem como é,

a conhecida e reconhecida carência sai do armário

e dança à flor da pele e o velho escroto transforma-se

num menino apaixonado.

Mas – vejam bem – no dia seguinte

a realidade pisoteia a  alma

e a razão faz sangrar o coração.

Se ela aparecer no prédio num andador

procurando pelo escrotinho do apê 0800,

com olhinhos faiscando e uma bengala em riste,

digam que ele foi descansar e dar um tempo

em Aldebaran.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Esaú e Jacó – Machado de Assis

 


“O tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro”.

“Aires vira nascer e morrer muito boato falso. Uma de suas máximas é que o homem vive para espalhar a primeira invenção de rua, e que tudo se fará crer a cem pessoas juntas ou separadas”. (Livro publicado em 1904).


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Um é insuportável, dois é de mais

 


 

Caminhava em direção à praça e ensaiava pensamentos

pra cima, tipo Hoje serei o cara, um privilegiado,

coisas bizarras marcarão encontro comigo!

Garotas e garotinhas entravam nos mercados com as roupas de banho,

vinham direto da praia e sua fome e sede, aposto,

eram do meu tamanho.

No centro da praça o DJ testava o som num volume

que até espantava os pobres peixinhos, os papa-terras

que senhores disciplinados e cheios de fé pescavam

desde a madrugada na praia, logo ali.

O cretino meteu uns sons bem pancada.

Lembrei-me dos ancestrais batucando e dançando ao redor da fogueira

em noites de terror, numa época infantil da humanidade.

 Aliás, que época vivemos hoje?

Então o DJ botou pra rodar a “Eguinha Pocotó”.

Não teve jeito, caí do cavalo!

 

Verão, praia, sábado de noite, óbvio que a multidão avançava

e a praça engrossava.

Bebi algumas caipirinhas e a música melhorou.

Eis que ela apareceu, pegou na minha mão e eu em sua cintura

e dançamos uma porrada de sambas.

Patrocinei umas caipirinhas de vodca, que ela bebeu num canudinho

e não dividiu comigo.

– Meu bem, você pode ter dois caras, eu não tenho ciúmes,

tenho lido sobre o poliamor!

Botou as mãos em volta do meu pescoço e fomos com tudo

num samba do Adoniran.

Outra caipirinha – que eu paguei e ela bebeu sozinha –,

e então murmurou no meu ouvido:

– Querido, se um traste já é insuportável,

tu imagina eu com dois!

 

(B. B. Palermo)

Uma galera parruda

Depois de séculos enrolando, aceitei o convite do Ney - vulgo Parafuso - pra uma pescaria. O cara é uma lenda na Serra e roda direto pelo li...