Conheci uma garota num site de
relacionamentos que se anunciava Pimentinha. Na frase de apresentação, ela
mandou ver na poesia. “Ela é cafeína pura. Talvez mistura de rotina com fortes
doses de adrenalina e fofura”.
Vocês sabem, a pimenta vermelha é um vasodilatador,
isso mesmo, funciona como estimulante sexual. Cultivo meus pezinhos, em vasos.
Acho que foi por isso que tive um interesse (gastronômico?) pela “Pimentinha”.
Mesmo que mostrassem apenas o rosto, algumas
fotos eram provocativas – desconfiei que era garota de programa. Fui à caça.
Curti seu perfil. No dia seguinte ela visitou meu perfil e curtiu também.
Trocamos algumas frases, compartilhamos o telefone e nos adicionamos no Whats.
Dois dias depois, pilotava meu Monza 1995 como um
Fórmula Um na última volta – em primeiro lugar, é claro. No rádio, tocava a
música do Camisa de Vênus, “Sílvia”. Logo depois, uma do TNT, “Cachorro louco”.
As melodias do rádio do carro emitiam sinais de que minha aventura com a garota
seria inesquecível.
Alguns quilômetros adiante, num trevo, avistei
uma senhora e uma criança – de uns 2 ou 3 anos – pedindo carona. Num impulso,
parei o carro. Os dois vestiam preto, ela parecia não ter mais do que 30
anos, umas olheiras evidentes e a pele hiper branca. O menino seguia imóvel,
olhar fixo no horizonte, como se a paisagem que via pelo vidro fosse sempre a
mesma.
Minhas tentativas para engatar uma conversa foram
em vão. Ela se limitou a informar que ficaria no mesmo lugar que eu visitava.
Meu compromisso – comentei – era uma reunião com um amigo, um possível sócio
para meus novos empreendimentos.
Nada de conversas animadas – então me limitei a
ouvir músicas pelo radio do carro e imaginar como seria inesquecível o encontro
com Pimentinha.
Quanto mais me aproximava de sua cidade, mais me
sentia como se estivesse indo à feira. Não para comprar uma fruta qualquer. Criei
tamanha expectativa, era como se buscasse especiarias para um maravilhoso
prato.
Houve um pequeno porém. A garota era mais velha e
mais fofa do que aparentava nas fotos – fico me perguntando sobre sua timidez,
a não aceitação de si por inteira, como se sua essência se resumisse num rosto,
numa boca bem torneada e realçada pelo batom, ou numa xoxota de enlouquecer o
cara quando mandava brasa no sexo.
Quando a encontrei no site não desconfiei que as
fotos – ao privilegiarem partes do corpo – funcionavam como estratégia de
marketing. Aliás, não é algo parecido com o que a maioria faz hoje em dia, ao
mostrar alguns aspectos de sua personalidade, escamoteando manias e defeitos?
Sei... Vocês querem saber se o calor e o sabor
dela correspondia a uma pimentinha das malaguetas. Vejam bem, além de sua
beleza não confirmar as promessas das fotos no seu perfil do site, Pimentinha
não disfarçou suas intenções estritamente comerciais. De cara estabeleceu suas
condições para nossas libações. Deixou-me a par de seus preços. Anal estava
fora de cogitação, oral aumentaria o valor do programa em 20% e eu disporia de
meia hora, senão a cada quinze minutos aumentaria em 15% o valor do programa.
Pensei dizer: Guria, mire na venda de sentimentos, é disto que provém a tua
sobrevivência. Mas apenas perguntei: Você tem alguma fantasia com calculadora,
do tipo enquanto o cara entra e sai você faz o cálculo das probabilidades de
obter um orgasmo? A diaba não sacou a ironia. Ela incorporou por inteiro a
ideologia mercadológica que procura espremer o máximo de lucro do seu solicitado
corpo – será que ela tem alguma utopia de um mundo melhor, ou será que pra ela
o que vale é o aqui e agora, sua “presença” imediata de garota de programa?
Ah, estava me esquecendo, ela disse que não
beijaria porque tinha um dente meio podre e só em dez dias seria atendida pelo
dentista, mas que pelo fato de nossa trepada ficar comprometida pelo mau hálito
ela me daria 15% de desconto na soma total do programa.
Foi isso. Inventei que não curtia transar no
primeiro encontro e que estava à procura de um grande amor e a convidei para
beber algo num barzinho. Ela disse Ok, mas só tenho 15 minutos.
No caminho de volta eu estava em último na última
volta com meu Monza 1995 Fórmula Um. O motor do carro queimava óleo de maneira
preocupante e as rodas puxavam um pouco pra esquerda. Eu me sentia daquele
jeito, como em 85% dos casos: um fodido!
Num trevo, logo adiante, avisto a senhora de
preto e sua criança. De maneira brusca, estaciono. Bastou embarcarem, pra
senhora se soltar:
– Você ficou chateado com a Pimenta, não foi?
– Como?
– Vocês dois são muito parecidos: não sabem o que
fazer com a solidão... Lembra do teu avô? Ele era bem assim: quanto mais zoneiro,
mais se sentia sozinho e deprimido.
– De onde você conheceu meu avô?
– Isso não interessa...
Eu suava e tremia e não me vinha qualquer assunto
pra botar na roda – e sentia uma louca necessidade de conhecer aquela mulher.
Ao nos aproximarmos da entrada da cidade, ela
pediu pra que parasse. Abriu a porta do carro, olhou-me com profundidade, passando
uma estranha sensação. Colocou a mão no meu peito, massageou, massageou,
desencadeando uma energia – uma suave e agradável corrente elétrica. Me senti
mais leve, e as batidas do coração mais compassadas.
– Você não quer ser um homem de verdade? Então
pare de ouvir a opinião dos outros, e siga a voz do teu coração!
Fora do carro, disse:
– Venha nos visitar. Anota o endereço: rua Jardim
da Paz, número 3030, apto 303.
Alguns dias depois, procurei tal endereço. Ficava
na periferia da cidade, zona oeste.
Avistei o número 3030. Havia um portão e, acima,
a inscrição:
CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ.
(B. B. Palermo)