sexta-feira, 30 de julho de 2010

COMO ARMAR UM PRESÉPIO - José Paulo Paes

Pegar uma paisagem qualquer
cortar todas as árvores e transformá-las em papel de imprensa
enviar para o matadouro mais próximo todos os animais
retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa

eventualmente conter e fabricar carros tanques aviões

mísseis nucleares cujos morticínios hão de ser noticiados

com destaque
despejar os detritos industriais nos rios e lagos
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços de vegetação
evacuar a população sobrevivente para as fábricas e

cortiços da cidade


depois de reduzir a paisagem à medida do homem
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de

chapas enferrujadas e esperar


esperar que algum boi doente algum burro fugido algum

carneiro sem dono venha nele esconder-se
esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho

pastor que ainda acredite no milagre
esperar esperar
quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida recomeça?

quinta-feira, 29 de julho de 2010

PAUSA - Mário Quintana


Armando Romanelli, Dom Quixote. 1994

No texto abaixo, Mário Quintana nos leva a refletir sobre a poesia. Ler e escrever poesia não é uma perda de tempo? Qual a sua utilidade?
Conhecendo a grandeza da obra do poeta, toda a sua vida dedicada à poesia, sabemos que ela (e todas as artes) não é inútil.
Claro que a poesia hoje, mergulhada numa cultura unidimensional e utilitarista, acaba sendo amada por poucos.
Mas não vamos esquecer, desde a mitologia antiga, que o homem é complexo, e não unilateral (enquanto esfera racional - o Homo Sapiens).
Nós somos, ao mesmo tempo, sábios e loucos (sapiens e demens); faber e ludens (trabalhador e lúdico); economicus e consumans (econômico e consumista); prosaicus e poeticus (prosaico e poético).
Nietzche, no século XIX, retomou dois mitos gregos, o deus Apolo e o deus Dioniso, para enfatizar essa totalidade da dimensão humana. Apolo é o deus da razão. Dioniso é o "outro" (ou contraponto) da razão, e representa a alegria, a espontaneidade, enfim, a poesia. Um complementa o outro.
Nos últimos séculos, com o grande salto da ciência e da técnica, o homem ganhou em racionalidade, mas parece que perdeu em afetividade.
Por isso que lutamos para aumentar o espaço da leitura e da escrita, seja nas escolas, seja nos lares, sejam crianças, jovens e velhos.
Acreditamos que com a poesia, a literatura e a arte como um todo, ganharemos em amizade, solidariedade, imaginação e fantasia.
Assim, avançaremos na direção da harmonia e da paz, e não em direção da guerra.


PAUSA - MÁRIO QUINTANA


Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surprendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
Com algum ciclista tombado?
Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois - Dom Quixote ou Sancho - vive uma vida mais intensa e portanto mais verdadeira...
E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
E agora?
Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
"Io sonno un poeta o sonno un imbecile?"
Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar, e não pensar por ele.
E daí?
- Mas o melhor - pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança -, o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

Do livro A vaca e o hipogrifo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

NÃO PROCUREIS QUALQUER NEXO NAQUILO - Jorge de Lima

Não procureis qualquer nexo naquilo
que os poetas pronunciam acordados
pois eles vivem no âmbito intranquilo
em que se agitam seres ignorados.


No meio de desertos habitados
só eles é que entendem o sigilo
dos que no mundo vivem sem asilo
parecendo com eles renegados.

Eles possuem, porém, milhões de antenas
distribuídas por todos os seus poros
aonde aportam do mundo suas penas.

São os que gritam quando tudo cala,
são os que vibram de si estranhos coros
para a fala de Deus que é sua fala.

terça-feira, 27 de julho de 2010

UFA!

Amigos leitores. Quantos dias sem fazer postagens!
Vocês já tinham visto alguém sequestrar um blog?
Pois é. O pobre do Teco ficou refém de um psicopata! Deus do céu.
Ingênuo, sempre achei que isso só acontecia nos filmes.

Não é que a criatura se apossou da senha, criu outra e, além de não permitir que eu fizesse postagens, decidiu alterar a imagem que aparece junto ao autor?

Pois é. Mostrei ao meu filho, e aproveitei para lhe explicar o que é e como age um psicopata.

É. Como não podia postar textos aqui, e conhecendo bem a criatura e suas "brechas", acabei me atualizando sobre essa doença mental - a psicopatia.

Mas o pior de tudo - além da personalidade com tal perfil - é o conflito sexual. Não foi por acaso que a imagem que a criatura postou aqui tinha o apelo à questão sexual. 

Então, vocês estão avisados. Se aparecerem imagens estranhas, é porque o psicopata da net está em ação.

Vamos todos rezar para que a normalidade reapareça.
E que eu possa me inspirar já amanhã, para postar aqui. Abraço a todos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

TRINTA ANOS SEM VINICIUS - Moacyr Scliar



Esta sexta-feira, 9 de julho, assinala um melancólico aniversário: há 30 anos morria Vinicius de Moraes, uma das figuras mais marcantes da cultura brasileira, um talentoso poeta (ou poetinha, como, modestamente, se denominava) e compositor. Carioca, Vinicius teve uma vida movimentada e sob muitos aspectos pitoresca. Era, para começar, um boêmio inveterado, apreciador do uísque, e grande conquistador: casou-se nada menos que nove vezes e teve inúmeros casos. Viveu numa época de grande agitação política, mas sua atuação nessa área foi, às vezes, desconcertante: começou como integralista, a versão cabocla do fascismo europeu, que enganou a ele e a muitos outros: Dom Hélder Câmara, Santiago Dantas, Adonias Filho, José Lins do Rego. Depois tornou-se um esquerdista, mas moderado. De profissão, era diplomata, mas, de novo, não muito atuante; o porteiro de uma das embaixadas onde atuou resumia assim o seu expediente: De manhã não trabalha, de tarde não vem. Em vez de servir no Uruguai, para onde estava designado, ficou no Rio, apresentando-se em botecos, o que deu ensejo à ditadura para cassá-lo. Como poeta, Vinicius certamente não teria meios de ganhar a vida; mas cedo descobriu que poderia colocar seu talento na música, tornando-se parceiro de grande compositores: Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra e, sobretudo, Tom Jobim, com quem compôs Se Todos Fossem Iguais A Você, A Felicidade, Chega de Saudade, Eu Sei Que Vou Te Amar, Insensatez, e, claro, Garota de Ipanema.
Ninguém duvida de que esta canção é um símbolo do Brasil. A Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos lista-a entre as 50 principais obras musicais de todos os tempos, e é conhecida em todo o mundo, inclusive pela famosa gravação com Frank Sinatra. Para isso concorreram vários fatores. Em primeiro lugar, o ano em que foi composta, 1962, marcou o auge da bossa nova, importante movimento musical. Depois, era Rio de Janeiro, cidade que deixara de ser capital, mas que continuava sendo o centro artístico e cultural do país. Aliás, Garota de Ipanema tem muitas afinidades com o vibrante Cidade Maravilhosa, da qual é o lado lírico, brejeiro. Porém, mais que Rio, era Ipanema, o bairro mais sofisticado do país, o equivalente brasileiro do Village em Nova York, da Rive Gauche em Paris, de Bloomsbury em Londres. E mais que Ipanema era a garota, a beleza brasileira celebrada de maneira eloquente. Foi inspirada em Helô Pinheiro, uma bela moça que, a caminho da praia, costumava passar pelo Bar Veloso (hoje Bar Garota de Ipanema), onde Vinicius e Tom Jobim faziam ponto.


A letra inicial, logo abandonada, era um tanto depressiva e não muito brilhante: Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/ Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/ Com medo de amar... E aí, a grande ideia: em vez de queixumes, de lamentos, a vibrante celebração: Olha que coisa mais linda mais cheia de graça/ É ela a menina que vem e que passa/ Num doce balanço a caminho do mar/ Moça de corpo dourado do sol de Ipanema/ O seu balançado é mais que um poema/ É a coisa mais linda que eu já vi passar...


Helô Pinheiro deixou de ser garota, e procurou outros caminhos, que não o do mar. Casou (mais de uma vez), tornou-se apresentadora de tevê, empresária e dona de uma cadeia de lojas chamada, claro, Garota de Ipanema - a expressão também figura em destaque em seu blog. Ah, sim, e continua uma bela mulher.


Sua história enseja uma curiosa questão: serão platônicas as grandes paixões? Será que nascem, não na cama, mas na mesa de um bar, brotando do coração de alguém a olhar uma menina que vem e que passa, num doce balanço, a caminho do mar? Uma indagação que o grande Vinicius deixou sem resposta.




Zero Hora, 4 de julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

O DINOSSAURO QUEBRA-MOLAS


Numa quinta-feira, primeiro de julho de 1993, no Jornal da Manhã de Ijuí/ RS, eu escrevi a história abaixo. É que foi instalado um quebra-molas em frente à casa que eu morava. Ele resistiu durante alguns anos... O tal "dinossauro"  foi desativado e despromovido, até esses dias... Eis que ele agora está de volta. Parece que tudo continua igual: os tempos não se modernizaram... Vamos à crônica escrita em 01/07/1993.

Ali está o dinossauro, adormecido, com suas costas ossudas, acalmando a agressividade do trânsito. Instalado numa rua bastante movimentada, cumpre a digna função de disciplinar motoristas apressados. Não fosse a sua presença, oxalá quantos atropelamentos não poderiam ocorrer.

De costas aos acontecimentos, aparenta dormir. É óbvio que espera o momento certo para dar o bote e derrubar um motoqueiro distraído. Ele é um vulcão em férias. Pelo menos é o que diz meu amigo Chiquinho. Pergunta ele de onde veio esta novidade moderna.

Foram os funcionários da prefeitura que o trouxeram. Uma equipe completa, especializada neste tipo de bicho. Veio o homem com a pá, o motorista do caminhão com o asfalto... Veio um jovem maquinista, com o "vibrador". Parecia ser o líder da equipe, pois quando chegou sua vez de "domar" o milenar bicho, todos do grupo se concentraram em sua volta, respeitosos. Era um time completo, com suplentes, técnicos e tudo mais. Com estabilidade no emprego, e conscientes de sua missão útil à comunidade.

Neste dia cinzento e frio, o trânsito passou devagar. Todos olharam o "acalmossauro" vir ao mundo. As pegadas gravadas no asfalto indicam que a paisagem hurbana não será mais a mesma. Os motoristas serão obrigados a fazer manobras bruscas. Aceleradas, freadas e palavrões ocorrem juntos num mesmo dia. Tudo por causa do colosso.

Em minha insônia, às cinco da manhã, imagino o motorista do caminhão que se aproxima do dinossauro, freando com cuidado, olhando respeitoso, fazendo uma "primeira" e seguindo em frente. Pobre ser humano, sei que nada o obriga a saber que a poucos metros mora um "bucéfalo", que às vezes acorda com tanto barulho.

Nesta época de intenso merchandsing, meu vizinho ilustre nem de longe pode competir com o filme do Spielberg e o que vem com ele. Enquanto amanhã as lojas estarão repletas de dinossauros de brinquedo, continuo com meu amigo frio e cruel, acordando-me todas as manhãs, na hora do "pique".

Apesar de sua função pedagógica, não consigo entender por que este "tranquilossauro" educa onde mora tanta gente, e não em lugar mais sossegado.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

VUVUZELEIROS


Hoje, olho com desconfiança o nascer e o pôr do sol. É que não sei até que ponto são reais aqueles tons avermelhados.
Talvez sejam devaneios meus prestar atenção no emigrar de raios que o sol grava nas nuvens, com seus tons e cores itinerantes.

Será que acontece o mesmo com a romaria de palavras que usamos, ou que ofertam a nossos ouvidos, ou que plantamos nos ouvidos dos outros?

São tantas pretensas verdades, formatadas e/ou deformadas, que eu chego a perdoar as vuvuzelas agitadas nos estádios da África.

Em todas as esquinas, vuvuzeladores, da política ao 1,99, fazem de tudo para serem notados.

As vuvuzelas opiniões, sem se importar com nossos ouvidos, buzinam a toda hora e, pelas caracteristicas dos vuvuzeladores, vão buzinar cada vez mais.

É tanto buzinaço sem critério, motivado pelo binômio torcer/secar, que se torna impensável imaginar o prazer, beleza e fruição.

Vamos ter um pouco de cautela com nossa "vuvuzela-discurso", e muito mais com nossa torcida vuvuzelante, e seu barulho irracional, das arquibancadas da vida, senão corremos o risco de sairmos com bola e tudo pela linha de fundo.

Acho que muitos têm pressa para marcar os gols e vencer o jogo. Mas são tantos os interesses em jogo, que fica difícil demarcar vencedores e vencidos.

Diante disso, em que nossa empreitada vuvuzelante pode ajudar?

Talvez tudo não passe de romantismo de um Teco poeta ingênuo, comparar os ruídos de pessoas com seus "instrumentos", com a mudança das cores no céu, do amanhecer ao anoitecer.

Eles devem ter significados ocultos, tantos mistérios, para muito além do que minha vã percepção pode captar.

terça-feira, 29 de junho de 2010

NATAL - Fernando Pessoa


Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A ARTE DE SER FELIZ - Cecília Meireles





Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.



Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.



Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.


Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.



DESPERTAR

Quando ela mordeu
seu lábio inferior
eu acordei.

Eu não sei
se nossos desejos
flutuam impacientes
no espaço infinito

ou se fruem
na fornalha
que os separa
em alguns centímetros.

Aconteceu o óbvio:
trocamos olhares
e-mails e telefone
mas não tocamos
os lábios.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O ROBÔ - Luis Fernando Veríssimo


Tenho contado esta história para meus alunos de sétima, oitava e ensino médio. É mais uma daquelas narrativas do Veríssimo que misturam humor com ironia. Uma daquelas histórias que gostaríamos de ter escrito. Que dizemos, depois de a ter lido: "Como não pensei nisso antes?"

Um dia ele chegou em casa com um robô. O robô era baixinho, redondo e andava sobre rodinhas. A mulher achou engraçado, mas sentiu uma ponta de apreensão. Para que um robô em casa?
- Olhe só - disse o marido. E, dirigindo-se ao robô, disse: - Seis!
O robô foi até o quarto do casal e de lá trouxe os chinelos do homem e a sua suéter de ficar em casa. Voltou para o quarto levando o paletó, a gravata e os sapatos.
- Mas isso é fantástico - disse a mulher, sem muita animação.
- Ele está programado para só obedecer à minha voz - explicou o homem.

Estava tão entusiasmado com o seu robô que a mulher decidiu não lembrar a ele que naquele dia eles faziam dez anos de casados. Ele continuou:
- É um código. De acordo com o número que eu digo, ele sabe exatamente o que fazer.
- Sim.
- Os números vão de 1 a 100 e obedecem a uma sequencia que corresponde, mais ou menos, à importância relativa das tarefas. Entendeu?
- Entendi.

Se ela não tivesse dito nada, seria a mesma coisa, porque o homem não a escutava. Olhava para o robô como um dia, dez anos antes, olhara para ela. Pelo menos ela ficou sabendo que, numa escala de 1 a 100, os chinelos que lhe trazia todos os dias quando ele entrava em casa correspondiam a 6.
Depois do jantar, quando ela começou a limpar a mesa, ele a deteve com um gesto. Disse para o robô:
- Sessenta e um!
O robô rapidamente tirou os pratos da mesa, botou tudo dentro da máquina de lavar pratos, ligou a máquina e voltou para aguardar novas instruções.

Mais tarde, quando o marido disse: "Que tal um joguinho de cartas?", ela levantou-se, alegremente, para pegar o baralho. Logo descobriu que o marido falava com o robô.
- Dezoito!
O robô correu na frente dela, pegou o baralho, pegou o bloco de papel e um lápis, arrumou a mesa para o jogo e ficou esperando. Ele sentou-se para jogar cartas com o robô. Ela perguntou:
- Posso jogar também?
- Este jogo é só para dois - disse o marido. - Você pode ir se deitar, se quiser.
- Você não vai querer mais nada?
- O que eu precisar o robô pega.

Do quarto, ela ficou ouvindo o marido dizer, a intervalos, "vinte e seis" ou "trinta e um", e o ruído do robô, na cozinha, pegando cerveja, salgadinhos, etc.


Tomou uma decisão.
Levantou-se e foi até a sala. De camisola.
- Querido...
- Você não estava dormindo?
- Não.
- Nós fizemos muito barulho?
- Não.
- Então o que é?
- Tem uma coisa que eu faço que esse robô não faz.
- O quê?
- Uma coisa de que você gosta muito.
- Você quer dizer...
- Arrã - sorriu ela.
- É o que você pensa - disse ele. E, para o robô: - Um!
Aí o robô correu até a cozinha e começou a reunir os ingredientes para fazer uma musse de chocolate.

Grupos feministas a apoiaram ruidosamente durante o julgamento, com toda a razão.

Do livro A mãe de Freud, Círculo do livro.

Pílulas diárias de fofoca

  – Em Canela, ninguém cumprimenta ninguém! Em Capão, todo mundo diz “bom dia!”, “tudo bem?”. Aqui tu anda de bermuda e chinelos e ningu...