terça-feira, 17 de setembro de 2024

Se você quer se exibir, não se preocupe com a morte

 

Um maluco empinou a motocicleta importada de mil cilindradas na avenida, a uns trinta metros do bar onde eu conversava com dois amigos. A máquina rodopiou e voou, acompanhada de faíscas por causa do atrito com o asfalto, e o sujeito rolou uma dúzia de metros e se chocou num carro que vinha no sentido contrário. O voo da motocicleta seguiu na contramão, beijando o pneu traseiro de um carro estacionado e se bandeou pro outro lado da rua, uns cinquenta metros adiante.

Apanhei o copo e senti a tremedeira:

- Ca-ca-ralho, e-se-o-fo-fo-guete ve-vem em nossa di-direção? Já-já-era, ba-baby!

Um sujeito que estava numa mesa ao lado correu pra organizar o trânsito. Depois foi ajudar o cara da moto. O retardado permanecia consciente e sem ossos quebrados.

- O FILHO DA PUTA NASCEU DE NOVO!

- Já pensou se aquela coisa atinge as crianças que circulavam de bicicleta pela calçada?

Enchi o copo e observei a bolha se formar no bico da garrafa. Rechacei o pensamento palerma, que ganhava forma: "Que pena não estar morto nessa hora". Vivos! Um beijo ao doce paladar de cada gole desta ceva!

Um dos amigos achou que era momento de dizer "viva bem cada minuto, como se fosse a frase ideal para iniciar um romance". Olhei pra ele, mas não disse nada, apenas pensei – tá querendo impressionar, seu pa-patético?

Smartphones em punho, pessoas tiram fotos, gravam vídeos, antes da motocicleta ser recolhida e o maluco ser conduzido ao hospital, e antes que cheguem os caras da Brigada.

Como um balão que estoura sem ter alcançado o seu máximo, desanimo ao ver toda essa cambada manuseando seus aparelhos. Precisam se ocupar, e eu necessito inventar algo que as distraia dessas merdas.

– Se a cabeça dos caras não está no celular, está no pau – disse outro dos meus amigos.

O cretino dedicou muito suor pra cavalgar numa motocicleta de dar inveja à plateia. Mas pra se exibir nas ruas não pode exagerar na bebida nem na cocaína e nem se preocupar com a morte. De que adianta tudo isso?

Penso que ele deveria fazer parte do meu “público”, e não o contrário. Mas não levo jeito pra coisa. Não consigo escrever textos curtinhos e engraçados pra chamar a atenção da galera. Jamais serei coach ou estrela do TikTok. Cadelão, o fodido – nem pra levar uma cadeirada nos cornos diante das câmeras, num programa de TV, ele se presta.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O mundo fede e cheira


 

Matutei sobre a forma dum poema

que atraísse olhares e decidi:

menino, seja bem comportado,

redondinho

feito uma ovelha

criada em confinamento.

Faça um poema que ajude a melhorar o mundo –

já que és incapaz de lutar nas trincheiras –

conduzindo os irmãos na superação

do reino da necessidade

e alcançando o reino da liberdade.

Poema e o poeta saíram dos trilhos

quando seus olhos focaram o real,

num banheiro público:

toneladas de urina e a descarga com defeito

desmoronaram seus planos.

O mundo **** e cheira e – desse mato –

só saem poemas

f*didos.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 7 de setembro de 2024

A grama do vizinho

 



Entre a grama verde

e bem aparada

dos quintais,

e a rapaziada

o tempo todo

ciscando no celular,

vislumbrei 2 milagres

no A. Texas:

uma garota lendo um livro

dentro de um ônibus

e uma mãe e seu filhinho

contemplando

o nascer do sol.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Viagem a Palermo


 

O cara falou de seus contrabandos de armas e munições do Paraguai, anos atrás. As pessoas que estavam em volta babaram, principalmente nas suas descrições do poder de fogo e destrutivo dos calibres – eram fuzis, metralhadoras e por aí vai. Para cada viagem que fazia, as encomendas já estavam pagas. Era muita adrenalina: o risco de ser pego nas alfândegas, as propinas dadas aos policiais e tals.

Lá pelas tantas, não me contive:

- Você já matou alguém?

Ele pensou e pensou e disse, olhar fixo nos meus olhos:

- Meia dúzia!

Foi então que eu saquei: Tô rodeado de gente muito foda!

- E você, o que faz da vida?

Disse pros caras que tinha uma fazenda arrendada em Tupã, de pouco mais de 6 mil hectares. Cansei de criar gado, então o meu contador, um Pitbull nas finanças, fez diversas aplicações e investimentos, me garantido dinheiro pra uma dúzia de reencarnações, se acaso tiver o privilégio de ser um dos escolhidos pelo grandão, de lá de cima... Hoje em dia, faço algumas viagens por ano, América latina, Estados Unidos e Europa. A viagem mais incrível, e que me rendeu diversas idas e voltas, foi até Palermo, na ilha da Sicília. Não fui até lá assim no mais: conheci, pelo Facebook, uma senhora, divorciada.

- Tá... e como vocês se entenderam na língua?

- Rapaziada, eu domino o dialeto italiano, mas, claro, é muito diferente dos sotaques deles. Aí, usava o tradutor. Conversávamos através de chamadas de vídeo, no Messenger, isso a qualquer hora do dia: antes de dormir, ao levantar de manhã, nos passeios, ela nos restaurantes e eu nos botecos. Foi incrível, rapidinho nos entendemos na linguagem do amor. Era o instinto, algo “animal”, vocês sabem, que nos proporcionava várias “trepadas” virtuais.

Não deu outra, logo peguei um avião e me fui. Rapazes, os beijos de língua da siciliana eram ferozes, afiados! Pra fazer amor, pelo menos, eu me libertei do tradutor do Google. A italiana era um tesão, puro fogo! E preparava aqueles pratos deliciosos da culinária local, tipo Canolli, Torrone, Arancini e o que eu delirava todos os dias: Pasta a La Norma. Sentia todo o amor por ela dedicado ao cozinhar, era como se me servisse a alma, por isso meu apetite era insano – e só não engordei, com certeza, porque queimávamos calorias de montão fazendo amor! Foi então que passei a ter muita sonolência, bem estranho, e não era só de noite, era nas sesteadas à tarde, que duravam horas.

- E aí? – perguntou um dos malucos que me ouvia.

- Vocês não vão acreditar: acho que durou um mês assim, dormindo pra caralho - por qualquer coisa, eu ia pra cama e apagava. Depois desse período, voltei ao normal. Gente, agora eu ouvia e falava a língua deles como se tivesse morado a vida toda na Itália! Tenho certeza que foi meu subconsciente que fez todo o trabalho pra mim!

- Maravilha! Diz aí... tu vai morar com a ragazza em Palermo, ou vai trazer ela para o Brasil?

- Fazíamos planos... Até que entrou em cena a Sophia, filha dela. Gurizada, o dia em que nos vimos, no aeroporto - quando a ninfa chegou de viagem de Nova York, onde mora parte do ano com o pai -, esse dia marcou e mudou a minha vida. A maneira como me olhou fez cada milímetro do meu corpo soltar faíscas. Logo me veio a imagem da atriz, a Sophia Loren, quando ainda era novinha. Lembram dos filmes dela no cinema? Foi inesquecível!

- Tá... e aí? – perguntou outro sujeito, que se aproximara no meio da conversa.

- Vocês não vão acreditar... Outra hora, outra hora eu conto em detalhes o que rolou.

 

Senti que era hora de dar uma pausa na minha história. Até eu comecei a acreditar naquilo.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Normal

 

Tudo seria normal

 

não fosse a neblina

vinda do mar às 3 da tarde,

e quando acordei da sesta,

pouco antes das 3, não havia nem café nem açúcar 

e as paredes descascavam como lagartas 

prenhando borboletas.

Seria normal, não fosse a notícia

declamada por um vizinho,

professora desaparecida foi encontrada

dias depois dentro de um freezer -

e aí o cheiro de morte tomou conta

dos lugares mais sinistros deste apê.

Normal.

Garota cortou os pulsos

e quando o SAMU chegou

ela estava desmaiada

e na rua uns malucos me apontaram

o dedo.

Decidi então mudar para uma praia do nordeste

no próximo inverno...

Mas para hoje,

para hoje só me resta ir à barbearia

cortar o cabelo.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 27 de agosto de 2024

Vermes não amam


 

Basta entornar 2 ou 3 copos de ceva

que meus planos se alegram.

O lúpulo me relaxa e desperta

o humor.

Malucos contam vantagens sobre o seu passado

e eu não ligo, anoto num papel os meus planos

fodásticos para os próximos anos.

Mas não tem como escapar das histórias dos caras -

como enfiaram alguns milhões em sua conta,

como ganharam 1.000 reais por dia

com o aluguel de imóveis.

Deslumbrados, comentam:

- Olha só o patrimônio que ele tem!

E narram, das delícias de suas viagens,

apontando fazendas que não acabam mais:

-Tu sabe de quem é isso...

Dizem, com orgulho:

- Tudo isso é de fulano!

Pelo tom de sua fala, os caras são deuses,

e até o sol nascendo e se pondo

e os pássaros indo e voltando na primavera

é deles.

E dizem, orgulhosos, que os pobres fizeram imenso sacrifício,

não beberam e não fumaram e nem viajaram

e nem experimentaram as delícias da culinária

e tantos outros prazeres.

O que incomoda é que esses vermes, ao envelhecerem,

não terão consciência dos bens que deixarão para trás,

nem terão inveja da gurizada que pouco ou nada tem,

brindando a vida toda pela frente.

Cadelão, os vermes não enlouquecem

porque não sentem!

 

(B. B. Palermo)


domingo, 18 de agosto de 2024

Acredite em milagres


Bukowski me disse que - aos 50 anos - trabalhava o dia todo

e só escrevia à noite.

Claro, sacava que já estava detonado e tinha,

algumas vezes, ideias suicidas, e uma delas

é o conhecido procedimento padrão:

muitos porres e ressacas.

Em algum momento, percebeu que precisava tirar o pé

e se alimentar melhor e se afastar dos destilados.

Impressionado com a franqueza do meu mestre,

cheguei no Alvorada’s e lá estava o Marcão.

Papo vai, papo vem, tive a coragem de dar-lhe uns “conselhos”,

algo como nos mantermos vivos por mais umas 2 décadas 

- quem sabe?

A saída, meu amigo – enfatizei -, é diminuirmos na cachaça

e praticarmos uma alimentação saudável.

Marcão, cheio de histórias para contar e, portanto, sem tempo

para ouvir as histórias dos outros, se ligou no meu papo.

Palestrei sobre os benefícios dos cereais matinais,

ovos galados cozidos e brócolis e couve

refogados com azeite de oliva.

Foi chocante: Marcão afastou o copo e, inclusive,

as tantas doses diárias de Natu Nobilis,

sugou apenas 2 taças de vinho e foi para casa

comer uma sopa de legumes

e assistir uma série na Netflix.

 

(B. B. Palermo) 

sábado, 17 de agosto de 2024

O último a sair apague a luz

 

Pode ser que a qualquer momento surja algo surpreendente,

talvez a recompensa aos nossos brados

- como aquela torcida de um clube mineiro, gritando no estádio,

quando tudo parece perdido:

- EU ACREDITO!

Algo que abra o caminho como o trem de madrugada

cortando a neblina e arrastando o que vier pela frente.

Já estamos meio cansados das histórias que se repetem,

bem ou mal contadas, de tentativas e recuos

e muitos fiascos, é certo.


 

O X-Tudo aguarda sobre a mesa numa embalagem de isopor

e sei que ele vai esfriar.

É a última dose e logo estarei em casa, sentado no sofá, vendo TV.

O aquecedor roça meus pés como um cãozinho fiel,

trens vão e vêm e centenas de aviões subindo e descendo e,

para meu espanto (deleite?), um deles despenca dos céus

e a tragédia entope os noticiários e a TV -

mesmo sendo um mordomo pouco criativo -

me oferta de tudo:

análises dos peritos, relatos dos familiares das vítimas e etc. etc.

Lembro o que disse uma de minhas musas, Fernanda Torres:

- A vida é dialética!

Vida louca louca...

Um Xis-tudo requentado, misto de teatro,

bombas H descendo dos céus e multidões aguardando

a volta de Jesus.

A TV mandando ver, o aquecedor é meu servo preferido neste inverno

e até penso que vodca é água benta...

Aí, só me resta imaginar como seria legal

de novo embaralhar todas as cenas

e ser o último a sair pra então apagar a luz.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O preço que se paga


 


Cara, às vezes sinto algo estranho

e que dá uma aflição.

É assim: eu posso, quero e até leio bons livros,

e sei o quanto isso é importante para minha alma

e sensibilidade e imaginação e etc. e tals.

Livros esses que meus familiares e seus pais

e os pais de seus pais nunca leram.

Estão perdoados, sempre estiveram ocupados

em “ganhar” a vida.

Parece que exageraram em apostar todas as fichas

em outras vidas, melhores do que a

que tiveram por aqui.

Não consigo adiar pra amanhã o mel e o fel

que desfruto neste cotidiano.

Cada vez mais me convenço

de que um dia (aleatório) vou dormir

e não mais acordar.

Velho, vai ser um belo sono (eterno), hein?

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Escreveu hoje?



 

À tardinha, quando chego no Alvorada,

o Eder sempre pergunta:

- Escreveu hoje?

A semana enrolando e amanhã já é sexta

e já passa da metade do mês e eu escrevendo

por** nenhuma e levando uns esporros

do meu amigo do bar. Decidi mentir:

- Bah, véio, hoje foi o dia mais produtivo de agosto!

Matei a pau, tive uns insights e tá vindo aí meu primeiro romance!

O Eder abriu aquele sorriso de torcedor colorado

cheio de esperança e foi até o freezer:

- Maravilha, Cadelão! Esta cerveja é por conta da casa!

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Almocei meu pai

 

Na adolescência,
almocei meu pai.
Hoje, poeta porque bebo,
ou bebo porque poeta,
sinto cada vez mais a sua falta.
Já se passaram 37 anos que ele partiu
pra nunca mais.
Ele almoça e janta e prepara o café da manhã
e me dá sábios conselhos.
Dança em minha memória
e é o meu melhor
amigo.
Mas não esqueço das surras
patrocinadas
pelo cinto de suas calças
toda vez que fui dedurado
por mamãe.
(B. B. Palermo)

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...