quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Uma jamanta, no mínimo



Não me perdoaria e me tornaria eternamente ridículo se morresse atropelado por um carrinho de mil cilindradas. Teria que ser, no mínimo, uma jamanta.    
                                                   
(B. B. Palermo)                  

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O mundo não está aí pra virar poesia - Ricardo Silvestrin


o mundo não está aí pra virar poesia
embora a árvore parada aguarde em silêncio
pronta pra ser fotografada
o gato de preto e punhos brancos
ande sempre com seu melhor traje
e os pássaros em voo sincronizado
denunciem pela perfeição dos movimentos
que ensaiaram durante horas

o vento orquestra uma sinfonia muda
os panos de chão dançam pendurados nas janelas
as formigas
fingindo trabalhar
desfilam com suas folhas verdes
alegorias de mão
e mesmo as paredes se deixam cobrir de limo
descascam voluntariamente
em permanente exposição

Psicologia sentimental de Nelson Rodrigues


Até uma esposa deve, de vez em quando, RESISTIR. E com muito mais razão uma mulher que tem uma severa autocrítica, que se acha feia (...). A mulher feia precisa jogar, até a última hora, com uma premeditada "dificuldade". Precisa se fazer, por bastante tempo, "inconquistável". E esta será uma maneira simples e eficiente de fazer o homem lhe conferir um alto valor. Conheço um caso típico. O cara que se apaixonou é um homem rico, sadio, bonito e dono de automóvel. Deve estar habituadíssimo a conquistas fáceis. Uma maneira de impressioná-lo é se fazendo de difícil, dificílima, contrariando-o a torto e a direito e insinuado discretas ironias, sugerindo que sem automóvel ele jamais conquistaria uma mulher.

(Do livro "Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo").

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Sobre a VAIDADE


Minha mulher gasta uma fortuna em cremes e óleos para passar pelo corpo inteiro. Quando tento agarrá-la, ela escorrega para fora da cama.

Henny Youngman

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Um dia qualquer no final de janeiro

Um calor persistente
e a TV falava sem parar da barragem que rompeu em Minas Gerais.
Disseram-lhe que vivemos novos tempos,
que devia ter uma sensibilidade menos rasa,
aprender a se colocar no lugar do outro.
A palavra demorou para chegar, mas chegou...
era "empatia".
Pensava nessas coisas altamente filosóficas
e esqueceu os quatro ovos que ferviam na panela,
sobre o fogão.
Depois de meia hora na fervura,
eles ficaram emborrachados.
O aparelho celular o devolveu à realidade.
Era uma mensagem pelo Whatsapp, do Jurandir.
O cretino inventava uma desculpa qualquer
para o fato de não ter trazido a puta
que havia prometido na noite anterior.

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Conflito urbano



De um motorista de ônibus urbano, 
ao ser fechado por uma lindeza da society, 
que se distraiu no celular: 
- Mas vai tirar uma selfie em cima de um poste!

 (B. B. Palermo)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Ela parece com todo mundo



Aquela dos peitos siliconados mais perfeitos da cidade,
e que brilha feliz no face e instagram,
cruzou por mim na rua, sem maquiagem e sorriso e pose de encantadora,
e isso me decepcionou e então eu quis me colocar no seu lugar,
e passei a odiar essa gente que morre de inveja por ela receber centenas de likes 
e brilhar tanto e acima de todas.
Vocês devem concordar que a competição está cada vez mais acirrada no espaço virtual.
 Ainda bem que algumas não levam muito a sério.
Ela é normal como todos nós.
Ela está meio perdida, como meio mundo.
Ela acerta e erra como qualquer humano.
Ela não suporta ser acordada pelo despertador,
e ter o melhor sono arrebentado no meio.
Ela só vai a todas as festinhas e também se empanturra de doces e salgados
pra não ser vista como chata.
Mesmo contrariada, ela dá likes e elogia posts ousados de amigas que ela sabe que são carentes,
apenas pra retribuir as gentilezas.
Vocês devem saber que as fotos com gatos e cachorros é uma recompensa,
depois de se virar a semana toda com limpeza e carnês e idas e vindas ao pet shop.
Ela cumpre as obrigações com filhos e sobrinhos e afilhados
e lava a louça e coloca roupas na máquina
e segue grupos no watts que compartilham política e gastronomia 
e moda e caçadores de notícias,
de preferência de tragédias de pessoas que todos conhecem
e que se pode ou deve compartilhar e comentar "Deus sabe o que faz",
"Deus vai cuidar disso" e "Nada podemos fazer diante do destino".

Sim, Ela parece com todo mundo.

(B. B. Palermo)

domingo, 20 de janeiro de 2019

Essa vidinha sem graça

Aguardo a noite chegar,
como uma criança que teme voltar pra casa
e sofrer um castigo por causa de uma travessura qualquer.
Assim, estou livre de esbarrar num desses chatos,
boa parte gente conhecida, que leva uma vida reta.
A vida perfeita desses caras me deixa com dificuldades
pra compreender o que realmente pensam.
Amam mais ou fingem amar,
disfarçando com gentilezas seu ódio aos outros?
Gostam do que fazem?
Curtem a rotina diária de canalizar boa parte das energias para manter seu status
e serem bem-vindos no circo social?
Às vezes tenho a impressão de que, dado o atual estado de coisas,
o número de suicídios anda meio baixo.
Mas não se preocupem.
Estou sendo simplório.
Boa parte das coisas que vejo se dá de maneira estrábica.
Tenho feito exercícios pra combater a miopia.
Não sou aluno disciplinado.
Muitas vezes rolo na cama, ao acordar,
sem encontrar qualquer motivação pra cumprir meus turnos
de guarda nesse canil.
Não tenho certeza se sou guarda que observa de fora,
ou se faço parte da alcateia feroz.
O que compensa é o tempo pra fazer algumas leituras.
Por exemplo, li esses dias o livro "Relato de um náufrago",
de Gabriel García Márquez.
Enquanto eu fico aqui contando pra todo mundo minha vidinha sem graça,
o personagem do livro sobreviveu durante dez dias a um naufrágio,
sem água e comida, num pequeno bote em alto mar.
Esse cara sim levou a vida no limite
e herdou boas histórias pra contar.
E, constato, boas histórias poucos vivem.
Os mais velhos replicam o mesmo filme
"no meu tempo"... "no meu tempo era assim...".
Coitados.
Não percebem que a plateia escasseou.
Seu cinema e roteiro estão falidos.

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

O amigo de um amigo me falou



A mulherzinha do amigo de meu amigo tem um grande desejo,
e conta pra todo mundo.
Quer colocar silicone nos peitos.
Já fez um preenchimento no bumbum, e está fazendo o maior sucesso.
Ela e o marido e a filha pré-adolescente sabem que a mãe é a bússola.
Diante da esposa, nada de bate-boca, nada de disputar território.
A função do amigo de meu amigo é dizer "sim" e ser o provedor.
Óbvio que há válvulas de escape, para arejar a relação.
Ambos dão suas escapadas.
O sujeito sonha ser palestrante famoso e também editar muitos livros,
alguém tão bem-sucedido como Mario Sergio Cortela.
Foi o que ele me falou, esses dias, no bar.
Então eu disse que sonhava ser um stand up famoso e polêmico,
algo como um George Carlin.
O problema é que, enquanto eu sugava cervejas e cervejas,
ele bebericava coca-cola.
Sua imaginação não conseguiu me acompanhar no delírio.

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Manchete


No amor tudo é imposto,
multas, retaliações, taxas, 
cortes, tachações...
Amor infantil ou adulto,
todos pagam seu tributo.
E tem coisa bem pior:
aquele amor que é só manchete,
má notícia e muito susto!

(Carlos Silveira)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Amor, mais um jogo de palavras?



Para essas criaturas quase divinas,
bem-sucedidas em tudo,
o amor é perfeito,
pouco importa se muitas vezes não tenha fogo e paixão e corpo.
Cruzei diversas vezes por esse estranho cidadão.
A cada dia com seus disfarces e máscaras
e promessas e desculpas.
Ouço as criaturas cantarem em verso e prosa seu amor impossível,
tramado por um jogo de palavras, retas e redondas e quadradas,
claras ou obscuras, estressadas ou surdas, solitárias ou bem-resolvidas,
bem-mastigadas ou mal-comidas.
Cantam o amor jogando para o alto tais jogos de palavras,
enquanto as últimas sempre debocham de seus sonhos idealizados de amor.

(B. B. Palermo)

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...