Hilda Hilst é uma figura de extremos que ultimamente tem se tornado cada vez mais famosa. Um de seus maiores desejos em vida era justamente “ser lida”, algo que ela teve a certeza de que iria acontecer pouco antes de sua morte, quando uma grande editora, a Globo Livros, se comprometeu em editar sua obra completa a partir de 2001. Hilda morreu em 2004, morando em Campinas, o seu refúgio da vida badalada que teve em São Paulo na juventude.
Além da obra completa de Hilda Hilst que engloba textos em prosa, poesia e teatrais, a Editora Globo também publicou o livro “Fico besta quando me entendem” que compila diversas entrevistas concedidas por Hilda Hilst durante sua vida. Assim como em seus livros, os temas existenciais, místicos e filosóficos são constantes e se misturam com o cotidiano, a política e o ser escritora.
“As pessoas perguntam sempre por que a gente escreve e eu fico pensado em todos os motivos que levam de repente uma pessoa a escrever e penso que a raiz disso em mim está na vontade de ser amada, numa avidez pela vida. Quem sabe também se não é uma necessidade de viver o transitório com intensidade, uma força oculta que nos impele a descobrir o segredo das coisas. Uma necessidade imperiosa de ir ao âmago de nós mesmos, um estado passional diante da existência, uma compaixão pelos seres humanos, pelos animais, pelas plantas.”
Quase premonitória, Hilda Hilst também fala de como a necessidade de se rebelar contra a morte também acompanha o ofício de escritora.
“A verdade é que, diante da morte, a gente nunca está realmente conformada. É por isso que penso que o que me leva a escrever é uma vontade de ultrapassar-me, ir além da mesquinha condição de finitude.”
Os motivos psicológicos e existenciais para se escrever são mais ou menos claros para Hilst, porém há o conteúdo e a relação dele com a própria vida. Ela que se isolou em seu sítio em Campinas para escrever é talvez um dos exemplos mais importantes da relação entre a vida e a literatura, de como andam juntas:
“É bem verdade que o escritor está sempre falando de si mesmo, porque é somente através de nós mesmos que podemos nos aproximar dos outros. Desnudando-nos, procuramos fazer com que os outros se incorporem ao nosso espaço de sedução. Estendemos as teias e desejamos que o outro faça parte delas, não para devorá-lo, mas para que sinta perplexidade e faça a pergunta, para que tome conhecimento da possível qualidade do nosso fio-sedução; caminhe conosco, num veículo que pode ser afetivo-odioso.” […] “Samuel Beckett na sua peça Dias Felizes escreve: “Eu não posso dizer mais; diz-se o que se pode”. Prefiro dizer: Quero falar tudo nos meus textos e posso dizer ainda mais. Faço perguntas possíveis a mim mesma: se eu falasse com a voz do mundo, como falaria? Se eu falasse com a voz dos ancestrais (que representa o sangue e o sêmen dentro de mim) haveria refulgência de uma nova voz? É preciso tentar tudo, experimentar tudo. Talvez assim a verdade, a resposta, seja encontrada.”
Consciente das complicações intelectuais e dos limites do escritor em desbravar com profundidade e domínio todos os temas, Hilda Hilst, assim como Bioy Casares ecoa ao redimir-se de um prefácio infeliz, mostra que a humildade e a disposição a se corrigir também são essenciais para se fazer literatura:
“Temos todos nós, escritores, os nossos textos infelizes, mas sempre sobra algum deles tatuado de sagrado e de magia.”
Repleto desse conhecimento visceral que Hilda Hilst cultivou durante toda sua vida, “Fico besta quando me entendem” é leitura obrigatória para quem quiser entender uma das maiores escritoras brasileiras.
Veja também um trecho da peça “Osmo” baseada nos textos de Hilda Hilst e o que Jorge Luís Borges também tem a dizer sobre ser um grande escritor.
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