Não sei mais se sou desajeitado ou se as
roupas encolheram. Meu esforço é hercúleo pra colocar o moletom. É como se
fosse vestir os trapos de todo mundo. Sou pego de surpresa, como se fosse
visita que não aguardava. Agora estou nu e a insegurança machuca as maças do rosto.
Não consigo disfarçar. Sou criança inocente. Não sei se tenho amigos ou apenas
conhecidos, Doutor. Eles cresceram muito enquanto fiquei pequeno. No final da
festa eles são gigantes que se agacham pra me abraçar e beijar. Quando vou
crescer, quando vou me conhecer, quando vou me encontrar?
As garotas que eu quis me olham indiferentes. Talvez
seja hora de traçar novo rumo, Doutor. Sim. Hoje despertei e vi muito desejo no
ar. Quando acordei havia uma certeza impregnando meu quarto: chega de passar de
livro em livro como ave migratória. Basta de colocar nas mãos dos outros o meu
destino. Basta de fazer check-in e mostrar o percurso diário de bar em bar. Se
a inspiração me falta, vou me autoflagelar lavando a louça com a água a cem
graus. Quando as mãos arderem voltarei à vida. Como um colecionador de
borboletas vou correr atrás de alguma ideia. Mesmo que esta não passe de
beija-flor que fica passando passando e logo desaparece pra se deleitar noutro
jardim.
(Diário
de B. B. Palermo)
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