Magricela como Olívia Palito, mulher do Popeye, parecia um galho seco dentro do vestido escuro. Era antipática e ranzinza. Usava óculos de lentes grossas: não enxergava direito, vivia confundindo um aluno a outro.
A aula de religião não contava ponto nem influía na nossa média, mas a diretora nos obrigava a frequentar.
Um dia apareceu uma barata na sala de aula. Descobrimos então que Dona Risoleta tinha horror a baratas: soltou um grito, apontou a bichinha com o dedo trêmulo e subiu na cadeira, pedindo que matássemos. Era uma barata grande,daquelas cascudas.
A classe inteira se mobilizou para matá-la. Foi aquele alvoroço: empurrões,cotoveladas,pontapés, risos e gritaria, todos querendo atingi-la primeiro. E a coitada, feito barata tonta, escapando no chão. Até que, de repente, tive a sorte de dar com ela passando a correr entre meus pés - e esmigalhei-a em uma pisada só.
Fui aclamado como herói, vejam só: herói por ter matado uma barata. Até Dona Risoleta me agradeceu trêmula, descendo da cadeira e me dando um beijo na testa. Esse beijo a turma não me perdoou,durante muito tempo fui vítima da maior gozação: diziam que dona Risoleta estava querendo me namorar.
Deste episódio nasceu uma brincadeira que passamos a fazer em toda aula de religião, duas vezes por semana. Alguém trazia uma barata viva dentro de uma caixa de fósforos vazia, para soltar na sala de aula entre as carteiras, até que um aluno denunciasse a sua presença. Quando não era a dona Risoleta que soltava um gritinho:
- Uma barata!
Um dia ela foi reclamar providências da diretora, dizendo que o prédio era velho, estava precisando de uma limpeza em regra, vivia cheio de baratas. Naquele tempo não havia dedetização,de modo que a diretora não tomou providência nenhuma, nunca tinha visto barata na escola. Aquilo eram fricotes de Dona Risoleta.
E a coisa ficou por isso mesmo, de vez em quando aparecendo uma baratinha, para alegrar a aula de religião. Houve uma que subiu pela perna da professora e foi se esconder debaixo da sua roupa. A mulher deu um pulo de três metros de altura se sacudindo toda, aos berros, como se estivesse louca, por pouco não se atirou pela janela.
Até que o Dico um dia esqueceu na carteira uma caixa de fósforos com a barata dentro. Sem saber para que diabo aquele aluno havia de ter trazido fósforos de casa, se todos nós éramos crianças, não fumávamos, dona Risoleta, curiosa, abriu a caixa. A barata saltou em sua cara num vôo aflito, largando pedaços de asas no ar, e se refugiou nos seus cabelos. A coitada só faltou desmaiar de susto. Saiu correndo feito doida com barata e tudo e foi nos denunciar à diretora.
O Dico acabou suspenso por uma semana, como responsável por todas as baratas que já tinham aparecido. Com isso, ficou sob ameaça de perder o ano, por falta de frequência.
Do livro O Menino no espelho.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Procriação
Todo mundo procria.
cachorro
gato
burro
cavalo
gente
cutia...
como num avatar...
Todo mundo procria
menos parteira Sofia
que ajudava a criar.
sábado, 18 de setembro de 2010
DIÁRIO
Jogo todas as fichas no diário.
É mais um porto seguro
âncora do meu navio.
Trago milhões
de esperanças
que vão acalmar
o mar bravio.
Quando despontar
“terra à vista!”
olharemos para trás
e para frente
descobriremos que a alegria
é irmã da fé e da dor
e em todo o horizonte
poderemos semear
o amor!
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
TUITANDO
As novas ferramentas virtuais estão aí. Dizem que vieram pra ficar - sei, este é um "baita" lugar-comum...
Além do blog, dizem-me para não esquecer do twitter. Nele, as mensagens não podem ultrapassar os 140 caracteres.
Um poeta gaúcho, Fabrício Carpinejar, já publicou um livro que resultou de suas frases no twitter - que podem ser chamados de ideogramas, ou aforismos.
Literatura assim tão condensada é tema de controvérsias. Uns são a favou, outros contra. Pelo que andei lendo, mensagens de 140 caracteres são um ótimo exercício para o escritor. Obriga-o a cortar, em seu texto, tudo aquilo que é "desnecessário", deixando apenas o essencial. E sabemos que isso não é fácil.
Ontem pensei tanto nisso, e também na possibilidade de, em breve, ter um twitter...
Então sonhei... Com uma frase, que não sei como chamar... É minha primeira "tuitada".
Essa frase, ou aforismo, está escrita aqui como me veio no sonho. Não foi alterada nenhuma palavra. Não sei se isso se pode chamar de literatura surreal. Vou transcrevê-la abaixo, enquanto aguardo outros sonhos desse tipo - não esquecendo, claro, de um papel e de uma caneta ao lado da cama.
Em vez de julgar, deu-lhe de comer a primeira maça do rosto.
Além do blog, dizem-me para não esquecer do twitter. Nele, as mensagens não podem ultrapassar os 140 caracteres.
Um poeta gaúcho, Fabrício Carpinejar, já publicou um livro que resultou de suas frases no twitter - que podem ser chamados de ideogramas, ou aforismos.
Literatura assim tão condensada é tema de controvérsias. Uns são a favou, outros contra. Pelo que andei lendo, mensagens de 140 caracteres são um ótimo exercício para o escritor. Obriga-o a cortar, em seu texto, tudo aquilo que é "desnecessário", deixando apenas o essencial. E sabemos que isso não é fácil.
Ontem pensei tanto nisso, e também na possibilidade de, em breve, ter um twitter...
Então sonhei... Com uma frase, que não sei como chamar... É minha primeira "tuitada".
Essa frase, ou aforismo, está escrita aqui como me veio no sonho. Não foi alterada nenhuma palavra. Não sei se isso se pode chamar de literatura surreal. Vou transcrevê-la abaixo, enquanto aguardo outros sonhos desse tipo - não esquecendo, claro, de um papel e de uma caneta ao lado da cama.
Em vez de julgar, deu-lhe de comer a primeira maça do rosto.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Sonhei que era um gatinho
Sonhei que era um gatinho
- Miau! ...miau!...
Que ia por um caminho
- Miau! ...miau!...
Perseguindo um ratinho
- Miau! ...miau!...
E ao ver-me pertinho
- Miau! ...miau!...
Gemia o bichinho
- Que mau! ...que mau!...
Correia Júnior. Barquinho de papel. s/ed. 1961.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
PERFIL
Por que Fulana não me quis
por que nunca senti nada por Ciclana
que gostava tanto de mim?
Idade, cor, sexo e outras informações
fazem meu raio-x
completo
psicólogos cibernéticos
um batalhão de experts
crêem piamente
que vou encontrar
o par perfeito.
Uma multidão se junta
de uma hora para outra
a esse exército
para garantir
o meu sucesso.
Satélites fazem par com GPS
a informática roda o mundo
e me encaixa, fazendo cruzamentos
com programas atualizados
para que eu encontre o par perfeito.
Eles têm informações sigilosas
das coisas que sempre desconfiei
mas que nunca compreendi direito.
Dizem os cientistas
que minha parte biológica
tem a pista que vai me conduzir
aos braços de meu grande amor.
Dizem, sem grito e sem mímica,
que não é uma questão
de saber ou não saber
de ser ou de não ser,
mas de rolar ou não rolar
a química!
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
CRESCI NA PAREDE
Há um retrato na parede
que aceitou ser a síntese
da minha geografia.
Gira no sentido anti-horário
para escancarar
toda a minha agonia.
Desenhado com cuidado
escolhido o melhor ângulo
maquiou a superfície
tragicômica do meu ego.
Dediquei muito tempo
em busca do meio termo
entre me mostrar e me esconder.
A ficha caiu quando me encarei de frente
e vacilei ao ver o retrato me observar
num desafio indiferente
do alto da parede.
Um dia, criança,
fazia bonecos reais e imaginários
com massa de modelar.
Era um tempo em que eu e meus amigos
desfilávamos poses cheios de história e sentimento.
Agora cresci
como a erva depois da chuva
no limiar da primavera.
Ombros, primeiro o esquerdo,
depois o direito, subiram até o alto,
para contemplar o mundo do outro lado.
Minhas pernas se alongaram tanto
correndo atrás de outros continentes
- aqueles lugares que sempre quis conhecer.
Cresci tanto e mesmo assim
vivo extraviado no meu canto
e já não consigo olhar indiferente
a este meu rosto que sorri
com ironia e espanto.
sábado, 11 de setembro de 2010
VINICIUS DE MORAIS - o filme
Fiquei me perguntando sobre quais motivos teria para exibir um filme (documentário) sobre a vida e a obra de um poeta brasileiro, para alunos de Ensino Médio.
Próximo à literatura e à poesia, diria que o filme sobre Vinicius mostra a poesia transformar-se em letra de música. O depoimento de Edu Lobo, no filme, aborda isso. E o quanto Vinicius foi mestre em transformar os versos do poema em ritmo, melodia e harmonia. Vinicius foi autor de mais de 400 poesias e 400 letras de música.
Chico Buarque, ainda jovem, morando na Itália com sua família, conta que certa vez sua família recebeu a visita do poeta. Houve uma inquietação no coração de Chico Buarque, e uma agitação em toda a sua família: afinal, estariam frente a frente com um poeta compositor, o que era uma novidade. Chico diz que ficou deslumbrado ao ver pela primeira vez um poeta tocando violão.
Outro objetivo seria mostrar para os jovens alunos os aspectos históricos e culturais da sociedade brasileira, principalmente o Rio de Janeiro daquela época. Principalmente o surgimento da "Bossa Nova", em nossa MPB. Conforme Edu Lobo, a música Chega de saudade marcou a ruptura com o passado. Nela, tudo era novo - ritmo, melodia, batida, etc. Gilberto Gil, no seu depoimento, diz que essa música mudou sua vida. É que ela falava das coisas simples da vida de uma maneira totalmente diferente. Ao mesmo tempo, mantinha a forma poética da tradição e rompia com a mesma.
Outro bom motivo para justificar ter exibido esse filme para jovens diz respeito ao amor e à paixão. Pode-se dizer, sem temer cair em clichês, que o jeito de Vinicius amar passou distante de qualquer fórmula que a sociedade impõe a respeito do amor.
Tonia Carrero diz que Vinicius necessitava do fogo da paixão - só assim podia viver e escrever. Quando a normalidade se instalava, e a rotina se intrometia em sua vida, nosso poeta sofria, e só renascia ao viver de novo um grande amor.
Não estou aconselhando ninguém a amar do jeito como Vinicius amou. Afinal, casou-se 9 vezes. Quero falar do seu amor à humanidade, transmitido por sua poesia.
Todos somos singulares em nossa maneira de amar. E vemos que há muitas por aí: uns amam tanto, que chegam a sufocar o outro (a). Outros sentem-se tão sufocados pelo amor do parceiro (a) e, diante disso, ou se esforçam para escapar dessa armadilha, ou se resignam e se submetem. Mesmo percebendo tal opressão, não têm coragem de estabelecer uma ruptura e ir em busca de algo novo.
Outro aspecto do filme que merece ser debatido com as jovens gerações tem relação com o depoimento de Chico Buarque, ao afirmar que Vinicius não tinha grandes preocupações com a vida material - o dinheiro. O que ele ganhava não retinha. Vivia rodeado de amigos, e o dinheiro escorria pelos seus dedos. É que para ele, esses eram momentos de celebração - onde, claro, a música estava no centro das atenções.
Chico Buarque diz que não consegue imaginar Vinicius vivendo na sociedade de hoje (nem se ele iria suportar). É que, cada vez mais, os valores que estão em jogo e que dão as cartas são o consumismo, o individualismo e a competição.
O desapego que Vinicius tinha com o dinheiro, valia para os amores e para suas criações - criou a Bossa Nova, mas foi adiante, para percorrer outros caminhos.
Todos nós sabemos que esse desapego tem, como contrapartida, suas consequências. Afinal, Vinicius estava na companhia (rodeado) pelos seus amores, e ex-amores, e também seus filhos.
Mas é o preço que pagamos ao vivermos uma vida intensa.
Lembro agora, numa associação com Vinicius, do filme Sociedade dos poetas mortos. A ruptura com alguns valores caros à tradição pode ter um gosto amargo, embora possibilite a expanção e abertura para novos caminhos.
Lembram da frase "Carpe Diem"? Pois é, numa tradução meio apressada significa "aproveitem o dia". Claro, para fazer isso é preciso uma boa dose de coragem, vencer o medo e a segurança que uma vida "enraizada" nos proporciona. Por outro lado, manter a segurança pisando o solo do que sempre foi e é aceito como verdade significa podarmos nossas asas.
O que fazer, então?
Só pra terminar, um amigo meu encontrou coragem de se separar de sua mulher depois de conhecer Vinicius ( assistindo o filme, claro). Se ele reatou com a ex-mlher, ou se livrou do apego a ela? Isso eu não sei dizer agora. Nem diria se soubesse...rsrsrsrs.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
UM ANTRO DE ASSASSINOS - Leo Cunha
Quatro anos de idade, olhos inquietos, fita azul no cabelo, a menina espia toda a sala para garantir que ninguém está escutando. Depois fala quase sussurrando:
- Hoje você não me ponha os pés fora dessa casa, ouviu bem?
E balança o travesseiro de penas, que, fazendo as vezes de bebê, responde:
- Por quê, mamãe?
- Por que não! Pronto e acabou! - a garota ralha com o travesseiro.
- Mas eu queria brincar lá na rua...
A menina sacode o travesseiro no ar:
- Não discuta comigo! Quer ficar sem sobremesa?
O bebê não quer.
- Sorte sua, filhinho. Hoje tem... tem... hoje tem cocada.
Lambe os beiços pensando na cocada, quando, de repente, escuta um barulho do lado de fora. Acha que alguém vai entrar pela porta, finge que o bebê é um travesseiro e deita a cabeça, com muito cuidado.
Não era ninguém. A menina se empina de novo e desamarrota o bebê.
- Se você prometer que não vai falar pra ninguém, eu te conto um segredo...
O bebê promete.
- Sabe por que eu não deixo você sair? É que essa cidade aqui é muito perigosa. Eu vi na televisão um moço falando que essa cidade é um antro de assassinos... Imagina, filhinho, um antro!
O bebê sacode de medo.
- Pois é... - a menina sussurra. - Até eu, que sou velha, que sou sua mãe, até eu fico com medo de sair pra rua. Mas o que é que a gente pode fazer, né? O papai tem que trabalhar aqui.
Olha de novo ao redor e abraça apertado o filhinho.
- Mas não fica com medo, não. Se a gente ficar em casa, bem comportada, não vai ter problema nenhum. O papai não ia trazer a gente pra essa cidade se fosse tão perigoso assim. Vai ver o moço da TV exagerou um pouco.
O sono vai batendo, o bebê vai virando travesseiro de novo, a menina já está quase dormindo.
- Sabe, filho, eu só queria mesmo era saber uma coisa: o que será que quer dizer "um antro"?...
Do livro Tela plana, editora Planeta.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
POR QUE FUJO
Não me pergunte por que fujo. Não salpique respostas. Faço-o, simplesmente. Tornou-se acontecimento normal, que resguardo de qualquer autocrítica.
Afastar-se dos laços costumeiros e inquestionáveis, como tomar um banho frio por alguns dias. Fugir para dizer que não quero depender de amarras e de currais.
Não me pergunte “Desde quando você age assim?”
Só sei que sofro e me sinto bem. Nem adianta você dizer “Você é doido, sabia?”.
Fugir é um estilo de vida. Rejuvenesce a alegria e a tristeza.
Estou viciado em fugir. Tem seus ápices, delírios, e depois a melancolia baixa e cobre tudo, como neblina.
De que maneira passou a fazer parte de minha vida, não sei.
Devo estar exausto de tua voz. Das curvas de teu corpo. Perderam-se os labirintos, foi-se o mistério. Restou “Deve-me obrigação e respeito!”.
Compreendo as convenções sociais, mas fugir dá um prazer bucólico, que não quero compartilhar. É meu segredo. Minha caixa preta.Tua mesmidade cotidiana não preenche as lacunas da solidão.
Aí você diz “Eu me esforço, sabia?”.
Entendo, embora seja um engodo perseguir a paixão, deixada por teu vácuo, nas noites acesas de encontros embriagados, lá onde teu lamento estonteou-se na contramão.
Investiga-se a caixa preta e descobre-se que não me vês da maneira como te vejo. Traduzo-te numa linguagem sensual. A língua e a cama, com símbolos infinitos, numa linha pontilhada de sinais extraviados pela asneira do dia-a-dia.
Frases decoradas, gramática inútil, no fundo de tua boca.
Você me vê como “O homem da minha vida,” “O único que amei...” Mas essas etiquetas usuais não me convencem. Não são alavancas suficientes para me fazer rastejar montanha abaixo.
Sabes que não te vejo assim. E é por que te vejo diferente que necessito fugir.
Sei entortar as grades, pular o muro. Sou expert nos detalhes, que planejo no horário de visita, quando a truculenta insônia vem dar “Oi!”.
domingo, 5 de setembro de 2010
AUTO-RETRATO
Meus braços ficaram curtos
e não abrigam mais
todo mundo.
Meus lábios
queriam beijar
agora encolheram
até desaparecerem.
Meu peito está rouco
e fez o coração gigante
acordar e fugir
num instante.
Muitas coisas boas da vida
ficaram ranzinzas
roubaram as cores mais vivas
e a roupa que eu visto
agora está cinza.
Minha cara colorida
quis sempre alegrar
mas nesse momento
virou chacota e espanto.
Meus olhos
lanternas gigantes
apagaram-se de pronto
e esconderam meu rosto.
Tudo o que sei é que sou
super-herói.
Mas os que não
aprenderam a amar
me convenceram que sou
esquisito monstro
envergonhado de estar
pendurado e exposto.
Para o bem ou para o mal
estarei em algum lugar...
Afinal, quem eu sou,
e onde vou me encontrar?
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