sábado, 14 de novembro de 2009

PAUSA

O nome estava sobre a mesa, junto a livros, recortes de jornais e anotações que faziam o papel de agendas.

Era vendedora de loja de artigos esportivos. Se comprasse o tênis, ela ganharia comissão.

Não sou de retornar a um compromisso, rabo entre as pernas, cumprir uma promessa qualquer. Vencem os apelos de tantos novos acontecimentos.

Não joguei nome e cartão no lixo porque o prazo de validade não estava vencido. Ou foi uma distração, como juntar à velha agenda mais um novo endereço.

- Quem sabe um dia não vá precisar?

- Quem sabe...

Mas o tempo é cruel e nos faz esquecer, ou embaralhar as peças, fazendo a tranqüilidade de nossa engrenagem emperrar.

Aprendi a usar o controle remoto. Conheço a função da tecla “pause”.

A memória, seu nome, os compromissos, todos, todos estão salvos.

Salvo, eu quero dar muitos abraços, os sentidos a cento e vinte por hora.

Sem raiva, rancor e obsessão pelo progresso.

Quero assoprar as brasas das experiências. Não deixar as cinzas tomarem conta de tudo.

A pausa é o intervalo que aguarda o “play”.

Entre pauses e plays, quero manter o controle (remoto) de mim mesmo.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

MAQUETE DOS SONHOS



Carrego comigo

a maquete dos sonhos.


Tem praças, prédios e avenidas

calçadões e clarões

que se abrem entre os edifícios

para conversar com as estrelas.


Minha cidade maquete

é o abraço de mãos,

pensamentos e coração.


E nela cabe

jardins e canções

donzelas nas janelas

bancos espalhados entre as sombras

para os velhinhos conversarem.


Cabe mais uma rua

casa

escola

morro

placa

praça

bosque

riacho

o sino da capela

a tocar


cabe tudo quanto

você poça imaginar!


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Estatutos de um Novo Mundo para as Crianças - Miguel Sanches Neto



Artigo 1 - Fica criada a semana de três dias – sexta, sábado e domingo. Sexta será para a escola, no sábado e no domingo a gente folga.

Artigo 2 - Decreta-se o fim das fábricas de armas, tanques e outras porcarias de guerra.
Estas indústrias produzirão brinquedos e jogos em que a luta seja disputa amistosa.

Artigo 6 - Fica proibida a circulação de dinheiro, as coisas valerão o que elas são, e uma será trocada pela outra na grande praça a ser criada no centro e em cada bairro da cidade.

Artigo 7 - Fica decretado o fim das cercas, muros, portões, estacionamentos e edifícios comerciais.
Parágrafo único: No lugar de prédios imprestáveis serão plantados parques.

Artigo 8 - Toda cidade fica obrigada a ter pomares públicos, para que se possa subir em árvores e colher frutas.

Artigo 9 - Proíbe-se a entrada de carros nas cidades, eles permanecerão do lado de fora, como cavalos mansos, esperando a hora das viagens.

Parágrafo 1: Nas ruas só será permitido andar a pé ou de bicicleta, skate, pônei e patins.

Parágrafo 2: Todas as avenidas deverão ter canteiros com árvores, bancos, pássaros e, se possível, pingüins.

Artigo 10 - Fica permitido que qualquer criança dê sua opinião e que ela tenha tanto valor quanto a de um ancião.

Artigo 11 - Ficam esquecidas, a partir de hoje, as formas chatas de escrita (decretos, redação escolar, discursos); todo texto terá que ser música.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

SIMULTANEIDADE - Mário Quintana



- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!

- Você é louco?

- Não, sou poeta.

sábado, 7 de novembro de 2009

VAMPIROMANIA



Se ela surgisse

vertendo sorrisos

desfiando a roupa

e cheia de planos


se me vasculhasse

tintim por tintim

com desejo ardente

de uma adolescente


se fosse vampira

que reaparecesse

a cada cem anos

pra sugar minha vida

com afiados caninos

bebendo meu sangue

fazendo tintim

com seu canudinho

e rindo de mim


chutaria o destino

pra tê-la comigo

lambendo meus sonhos

e rindo assim


se ela não fosse

vampiromaníaca

eu daria o fora

sem me despedir


e não me importa

que o monstro ou deus

agora se zangue

e suma pra sempre

e nunca mais faça

a coleta de sangue.


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

FEIRA DO LIVRO DE IJUÍ










Na tarde de quinta-feira, 05 de novembro, junto à feira do livro na Praça da República, proporcionamos para as crianças de escolas de Ijuí momentos de contação de histórias e oficina de poesias. Num primeiro momento, que chamamos de Histórias que o povo conta, contamos histórias extraídas da cultura popular brasileira, como O macaco e a boneca de cera, livro de Sônia Junqueira e, na seqüência, O macaco e a velha, que é uma outra versão com os mesmos personagens(dentre muitas de outras versões de nossa tradição cultural). Também a história do escritor brasileiro Ricardo Azevedo, A tartaruga e a fruta amarela.

Num mundo repleto de individualismo, e também do imediatismo e velocidade que a tecnologia nos proporciona, retomar a cultura popular é valorizar a experiência coletiva. É isso que defendemos, através da contação de histórias: reconstruir o discurso coletivo. Principalmente para não sermos tragados e engolidos pelo mundo virtual. Enquanto que o tempo da cultura atual é o do imediatismo, do instante, a cultura popular nos coloca em tempos de longa duração.




Num segundo momento, desenvolvemos declamação de poemas, principalmente dos poetas brasileiros, Sérgio Capparelli e Ricardo da Cunha Lima. Ler poemas em voz alta não é bem ler: ao fazer isso, exploramos seu ritmo, sua musicalidade, com ouvidos bem atentos, e assim a experienciamos com mais profundidade.




A poesia está no cotidiano, e passa pelos nossos olhos e ouvidos. Está no lúdico, na alegria, nos brinquedos, na corporeidade. Isso as crianças vivem, diferente dos adultos que acham que poesia é algo difícil, distante. Nosso objetivo, com essas oficinas, é redescobrirmos a poesia que há na vida.






A contação de histórias que apresentamos na feira do livro de nosso município decorre do projeto que desenvolvemos na escola IMEAB (Instituto Municipal de Educação Assis Brasil). Nesta escola, desenvolmemos 28 horas semanais, junto a turmas da pré-escola até quarto ano, intitulado A hora do conto.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Paulo Leminski - do livro Caprichos e relaxos



Amor, então,

também, acaba?

Não, que eu saiba.

O que eu sei

é que se transforma

numa matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima.

domingo, 1 de novembro de 2009

PAPUDOS



Onde moro
os grilos falam mais alto.

Não sei se festejam
não sei se reclamam
não sei se me enchem de vida
não sei se me enchem o saco.

São grileiros papudos
que fizeram um pacto
com Deus ou com o diabo.

Mas que incomodam, incomodam!

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

MÁSCARA


Olhar misterioso que veio
disfarçar o seu medo

para gravar
numa caligrafia
insinuosa

a embriaguês
das pernas

quadris e ombros

estremeço
como um réu
diante do seu olhar

apenas a minha máscara cai.

Agora sou super-herói
aniquilado pelos vilões
que farão parte
da próxima aventura.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

METADES



Metade de mim quer conquistar

o outro lado do muro

a outra metade quer ficar

e modificar o passado.


Uma aposta na experiência

a outra aposta no futuro.


Olho o horóscopo

e meu signo diz

que o período é excelente

para conversas fáceis

e encontros amorosos.


Tenho coleções de senhas

tenho coleções de chaves

e, no ritmo do possível,

jogo todos os jogos.


Sei de cor

onde vão dar

esses labirintos.


Agora é final da madrugada

e o despertador afugenta

os sonhos das duas metades

e silencia as outras metades

que invento.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

DO LIVRO "TUDOS" - Arnaldo Antunes



Estou cego a todas as músicas,
não ouvi mais o cantar da musa.

A dúvida cobriu a minha vida
como o peito que me cobre a blusa.
Já a mim nenhuma cena soa
nem o céu se me desabotoa.
A dúvida cobriu a minha vida
como a língua cobre de saliva
cada dente que sai da gengiva.
A dúvida cobriu a minha vida

como o sangue cobre a carne crua,
como a pele cobre a carne viva,
como a roupa cobre a pele nua.
Estou cego a todas as músicas.
E se eu canto é como um som que sua.

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...