quinta-feira, 13 de agosto de 2020

O nascimento dessas vênus

 

Ela está aflorando.

Vi seu ensaio fotográfico no Facebook.

Como apresentação, uma legenda com poucas linhas,

versos de um poema com mensagem pra cima:

"Ela está renascendo", "só ela sabe o poder que tem".

Tudo a ver com o final do inverno,

folhas secando, caindo e outras brotando,

enfim, a vida se renovando.

 

Achei lindo saber que a garota está se espaçando.

Tudo a ver com mudança.

Tudo a ver com novas perspectivas.

Tais novidades deixam-me na fila de espera

por mais e mais novidades.

 

Deve estar mandando recado para alguém.

Talvez um amor frustrado, algum laço rompido que ainda dói.

Um ensaio para mais voos com novas plumagens.

Ou quis alfinetar possíveis concorrentes,

ou despertar a ira e a inveja de umas linguarudas, suas conhecidas.

 

Deixei-me afetar por tão belas fotos.

Fui me enredando.

Eu, poeta de boteco, carrego debaixo das asas

não apenas o odor dos suores etílicos,

mas também o odor perfumado da sensibilidade,

e alguns velhos livros que mostro aos amigos.

 

Vocês podem perguntar, aliás, eu também me pergunto:

até quando permanecerei enredado?  

Até minha cervical me incomodar, até minha nuca latejar.

Espero ansiosamente o nascimento dessas vênus

saltando das molduras e incendiando meus olhos.

Aguardo entre um gole e outro,

entre as lembranças das poucas e boas performances sexuais,

entre os inchaços do ventre e os gemidos do fígado.

 

Súbitos espantos.

Seu álbum de fotos

me remete aos álbuns da infância,

encaixotados em algum lugar.

Eram imagens de anjos repletos de luz.

Hoje o zoom persegue bumbuns,

glúteos e tanquinhos musculosos.

É o que todos esperam.

É o corpo falando 

e nós obedecendo.

 

Obrigado, garota, teu álbum na internet

despertou boas lembranças

que aos poucos foram se avivando.

Eis o amor dessas lindas.

Amor das flores humanas

(na falta de um nome mais resplandecente),

e isso justifica tantas poses estampando o sensual nas vitrines.

 

Pela minha torta vida reta,

eis-me aqui, te levando.

Olhos vidrados, abandonei minhas leituras preferidas

de poemas e contos e romances,

e corri até a academia mais próxima.

Ficarei no ponto.

E aí ninguém me segura.

Grudarei nos teus cabelos, como chiclete,

sem medo de despencar no abismo

do abandono.

 

Que a beleza da garota vença o tempo,

seja outra Mona Lisa me sorrindo da moldura,

pendurada numa parede de um saguão qualquer.

Que ela fique eternamente bela e jovem,

e que eu permaneça alegre

e com poucos e bons amigos no bar.

E fique o mar sempre calmo,

e que a raiva, o ciúme e a inveja

sejam descartadas

como se fossem lixo eletrônico.

 

(B. B. Palermo)

 


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