terça-feira, 11 de agosto de 2020

No mesmo barco

 

Não recue, Cadelão, não receie,

ricocheteie nos paralelepípedos,

mamãezinha te observa do seu lugar,

sem julgar,

agora ela é puro amor

e corre pra te salvar

e lamber tuas feridas.

 

Ela não dá bola

pro teu depósito

de dores simuladas,

ela é exclusiva,

esteio imaginário,

ela vai benzer teus sonhos

abandonados,

um entulho de cinzas,

que se resume na tese,

antítese e síntese

dos teus fantasmas

adormecidos.

 

Muito colo em algum lugar,

muito sim, muito não,

mamãezinha é o sereno amor

de tua vida.

 

O que rolou nas repetidas jornadas,

pra que esse amor sem conta

descambasse numa infinita falta de amor?

O que rolou, criatura infeliz,

que te impediu ser

o amante ideal?

 

Agora mamãe não liga

pro inferno e o pecado,

agora todos são bons,

e estão livres de culpas,

embora tu esperneie

e pense e repense,

e não chegue a nenhum lugar.

De nada serve qualquer filosofia,

de nada serve qualquer religião,

apenas somos autênticos

quando o medo do fim vier,

de nada serve julgar todo mundo

com a bíblia de teus fantasmas,

não causará qualquer ruído

gritar teu verbo na escuridão.

 

Tu acredita num segundo nascimento,

razão desse que agora finda,

tu acredita que vai manusear

tua linguagem

inclusive

no silêncio eterno.

 

Agora descemos do sótão,

agora subimos do porão,

ninguém é bonito ou feio,

somos apenas entulhos,

coisas inúteis

pra jogar fora.

 

Tu não precisa se preocupar

se não aprendeu latim ou grego,

inglês, francês ou alemão,

a presença de mamãezinha

petrifica e silencia

todas as línguas.

 

Não sei, Cadelão, como será tua eternidade silenciosa,

mas dizem que estás fora de rota,

excluído da universal rotação.

 

Estamos todos no mesmo barco,

resta-nos navegar e agarrar

o momento.

Até a eternidade.

 

Até o esquecimento.

 

(B. B. Palermo)

 

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