- Pai, eu
tenho um namorado.
Pai, que
ouve isso da filha mocinha, pela primeira vez, sente uma dor muito grande. Todo
sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo roda sob seus pés. Ele pensava, até
então, que só a filha dos outros tinha namorado. A sua tem, também. Um namorado
presunçosamente homem, sem coração e sem ternura. Um rapazola, banal, que
dominará sua filha. Que a beijará no cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da
dança. Que lhe fará ciúmes de lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão,
enganando-a com outras mocinhas. Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda
certeza, lhe dirá o nome feio e, possivelmente, lhe torcerá o braço. E ela
chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem
sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda:
"Gosto de você, mais que de tudo, só de você." Mais que de tudo e
mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele,
o pai. E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará
tonta, com o estômago às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir
dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre
suas namoradas. Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha
mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os
mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torça o bracinho da
filha. Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais que ódio de
fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem evitar que todos esses
medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber que sua filha é igual
à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será beijada na boca. Ele, o
pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme, o nome feio. E torceu-lhe
o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada fosse filha de ninguém. Ele, o
pai, humanamente lamentável, lamentavelmente humano. Ele, o pai, tem, agora,
que olhar a filha com o maior de todos os carinhos e sorrir-lhe um sorriso
completo de bem-querer, para que ela, em nenhum momento, sinta que está sendo
perdoada. Protegida, sim. Amada, muito mais. E, quando ela repetir que tem um
namorado, dizer-lhe apenas:
- Queira bem
a ele, minha filha.
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