quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Poeta do avesso

 


Alguns senhores, 

papos sérios - 

do alto de suas caipirinhas 

e uísques vagabundos -

não chegavam 

a um consenso 

sobre onde comprar 

a melhor carne do Texas. 

Aí o Zé olhou 

pra garçonete,

linda, 

discreta,

curiosa 

e gostosa,

e disparou:

- Menina, tu não quer devorar 

esse velho coração?


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Chegamos lá

 


Gatinhas de gesso,

com seus lindos olhos ausentes, 

nos observam dos pátios das mansões. 

É como se não nos vissem,

por isso não há corpo,

sexo ou resistência do ar.

Rancorosos, frequentamos academias,

invadimos baladas e sugamos 

aqueles drinks açucarados e depois

nos refugiamos sob as saias 

das mamães. 

Discurso próprio já era,

esperta, a palavra nos foge,

ficamos travados na hora 

de soltar o verbo,

mas não quer dizer que não há 

outras saídas:

compremos uma esteira 

e a instalemos na garagem, 

um lava a jato para nos ocuparmos 

nos fins de semana, 

dando novo visual 

aos carros e calçadas. 

Compremos uns 5 mil livros 

pra ocuparem nossas paredes e mentes ou, do contrário, 

doemos boa parte dos livros que temos

aos que fazem por merecer. 

Talvez seja indispensável uma barraca, 

mesmo sendo usada umas 2 X por ano.


Talvez a essência está em zelarmos 

as medalhas conquistadas na juventude, 

até sacarmos que nossa carcaça 

definitivamente se encontra 

bêbada 

e lúcida. 

Ufa! 

Chegamos lá!


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Em busca do repouso



Localizo um bar na direção noroeste

saindo da cidade. 

Do outro lado da avenida 

há um bosque com eucaliptos altos, 

e nas suas copas uns ninhos 

enormes de caturritas,

indo pra lá e pra cá, 

ao sabor do vento. 

Parecem estar na corda bamba,

como a minha vida de poeta 

depenado,

fugindo da gaiola. 

Não é primavera, 

e os pássaros estão calmos.

Quando tudo florescer 

e a sua gritaria for insuportável, 

abandono meu ninho

e rumo para outro continente. 

No bar, os caras entornam seus drinks,

despreocupados com futuras homenagens

nas funerárias,

por padres ou pastores 

e suas belas e reconfortantes 

mensagens:

"Foi um bom homem, bom pai, 

esposo e trabalhador, 

e agora descansa 

junto ao Senhor".


Não suportamos pensar 

que nosso futuro

é o repouso,

quando nosso ninho 

não mais balançará

nem correrá o risco 

de cair.


(B. B. Palermo)

domingo, 22 de janeiro de 2023

Cachorros sabem

 


Pressentia que devia mudar de ares.

Cachorrões sabem que é cansativo 

estar rodeado a vida toda 

pela mesma

matilha. 

Ainda não pressentira a necessidade 

de trocar a filosofia pelo álcool, 

o álcool pela poesia, 

a ficção pelo álcool. 

Hoje, com uma ou com outra,

tanto faz.

Como não encontrei algo decente para fazer,

escrevo umas coisas que vejo

nas ruas.

Estou indiferente a essa destruição acelerada

do amor pelo ódio, 

da esperança pelo terror. 

Tanto faz.

Não importa de qual lado,

somos todos perdedores. 

Miseráveis, o que nos preocupa realmente 

é a vida dos outros.

Há cães decentes e indecentes 

em todo lugar, 

e eles me atraíram para cá. 

Vou me afastar do bando

e vou andar sobre as águas 

e vou acenar pra plateia 

que afunda

abraçada. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

O último chope

 


A última verdade, 

mentira, dissimulação, 

sinceridade, verbo ser,

metáfora aleatória, 

adjetivo qualquer, 

grito, silêncio.

Alguma 

coisa

será 

pela última vez. 

Resta a esperança 

de outra

e outra 

e mais outra

saideira.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Amor

 


Em Texas Beach,

por onde quer que vá

há um cão 

abandonado 

pedindo carinho.

Ainda não aprendi 

a retribuir 

todo esse

amor.


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Um tubarão em Texas Beach

 


- Cadelão, tá sabendo do tubarão 

que apareceu em Texas Beach?

- Claro, Beiço, eu tava lá. 

- Han??

- Tinha uma garotada metida a surfista.

Embriagado de poesia e cerveja, resolvi

dar-lhes umas aulas.

Assim que peguei a primeira onda, ela quebrou,

fiquei meio zonzo, engoli água e aí levei uma rabanada, assim, de lado.

Beiço, o bicho nadou em círculos ao meu redor,

me olhou de lado e falou:

ESTA NÃO É A TUA PRAIA, CADELÃO!


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Sensível demais

 


Os ovos tinham aparência estranha, sei lá,

me esforçava pra raciocinar,

Eram de granja?

Galados?

O que significa, porra, essa cor rosada?

Secava as mãos num pano de prato 

que fedia pra caralho, 

Barbaridade, como pode esse cheiro,

se o estou usando não faz uma semana?

Veio à mente a possibilidade de uma faxina geral. 

Fogão encardido, frituras e molhos derramados, 

a pia entupida, copos, talheres, pratos.

A senhoria deixou um tapete comprido junto ao balcão da pia,

não tive coragem de verificar

a aparência dos monstrinhos que ali se escondiam. 

Ao chegar no nono latão,

me dou conta de que o James está na área, e o ratinho me fita com admiração. 

Óbvio, está aguardando o que lhe pertence.

Desisti da faxina ao lembrar o que o Buk me disse certo dia:


CADELÃO, SE O SUJEITO MORA SOZINHO E ESTÁ COM A COZINHA SEMPRE SUJA, EU TE PROVAREI,  EM 5 ENTRE 9 CASOS, QUE O SUJEITO É FORA DE SÉRIE. 


(Inspirado no conto "Sensível demais", de Bukowski. Livro "Fabulário geral do delírio cotidiano ").


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Espere de você

 


Você está morto e de nada importam 

as cenas das novelas, 

os jogos nos pay-per-views, 

o noticiário nacional e internacional. 

A lua segue seu caminho, 

algumas vezes é lembrada e contemplada por apaixonados, 

enquanto você despenca 

no esquecimento. 

Ator, empresário, 

pai, filho, 

neto, padre, pastor, 

você já teve palcos, 

vacilou, sacudiu a poeira

e se regozijou. 

A vida cansa, 

há a fadiga dos metais,

de cérebros, 

corações, rins,

fígados, etc. etc. etc.

Papéis representados,

provisórios, ilusórios, 

não acreditarmos que somos coadjuvantes 

e por tempo limitadíssimo,

ridículo ou sublime. 

Fique ligado,

você ainda está vivo 

e a vida se alimenta do

movimento, 

somos uns palermas emigrantes, 

mutantes,

agarre a vida enquanto ela te acena.

Você pode ter bons momentos.

Não embarque no pessimismo semeado por aí, 

dizendo:


DOS HUMANOS EU NADA ESPERO.


Tudo certo.

Não espere dos outros. 

Espere de você. 


(B. B. Palermo)

domingo, 8 de janeiro de 2023

1001 tons de camarão



Quis encarar o mar

com a cerveja na mão, 

quis fazer um duelo 

mas saquei o surreal da coisa,

uma multidão sapecava na areia

enquanto me observava 

e se besuntava com uns protetores 

do Paraguai. 

Apalpei minha pança 

sapecada pelo sol

e decidi avançar contra as ondas 

até onde a água acariciasse 

meu umbigo. 

Não sou bobo, 

não brinco com o garoto 

gingando e

roncando e

chicoteando 

este corpitcho 

que tem assumido 1001 tons

de camarão. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Alma

 


Meia tarde, esperava 

algo grandioso 

que espantasse o meu tédio. 

Poderiam desembarcar por aqui

centenas de alienígenas 

ou baixar o fim do mundo, 

que fosse. 

Precisava de ação para conter o inevitável:

correr pro bar encher a cara

e o saco de uns bêbados 

ingênuos. 

Foi aí que percebi:

os cães que circulam 

nessas ruas

têm mais alma 

do que os ricaços 

desfilando em seus 

carrões. 


(B. B. Palermo)

Uma juba lindona

  Na Alemanha as pessoas saem pelas ruas com livros e leem nas praças e metrôs e ônibus. Ela diz que é independente e é casada e co...