Alongo as pernas feito um cachorro
velho
que desperta depois de séculos
hibernando
e me conecto com o mundo – bastou me
acomodar
numa mesa no restaurante onde ela trabalha.
Ando paranoico: quando a vejo passar,
direciono minhas câmeras para o tamanho
dos seus pés.
Aí, entorno umas doses de um licor pra
lá de açucarado
feito com cachaça ordinária e me
convenço de que ela,
nos seus 20 anos, é a síntese do amor
que procuro.
Chega a ser cômica, naquele avental
estiloso
da cozinha do restaurante, uns óculos
suspeitos de quem
nunca teve problemas de visão e um
sorriso de quem
se diverte em iludir e (até?) fisgar o
cachorro velho.
Copo cheio, minha poesia desce redonda
e a imaginação não tem limites de
velocidade
e o mundo agora anda no passo certo.
Todas as vezes que ela vinha para o
restaurante, à tardinha,
pedalando sua bicicleta, ao cruzar por
mim movia os lábios
num tímido Oi.
Hoje, ao se aproximar, me abanou e eu
entrei em transe
e me senti O Messias – aquele – e me dirigi
até a praça
e fiz um longo discurso aos cães de rua
que por lá perambulavam.
Usando parábolas e tals, mostrei aos
bichos quais os propósitos da vida
e também o que significa levar uma vida
interessante.
A bronca foi intensa, e os irmãos
uivaram pra valer,
ovacionando o meu discurso.
Foi aí que um cachorrinho se aproximou
e eu vi, era o Arthur, o Bacana,
e ele riu... Sim, juro, o cachorrinho
riu!
Ela é a juventude que eu preciso e que
havia abandonado
num canto escuro de coração.
Brothers, não é proibido sonhar e
imaginar – ao contrário.
Garanto-lhes que essa é a melhor
bagagem que carregamos.
Na manhã seguinte, sóbrio, observei sua
letra,
no pedido do x-salada que me preparou
com todo o amor que há no mundo.
Orgulhoso, mostrei pro Beiço e ele riu,
pra lá de bêbado:
– Cadelão, isso é
letra de homem!
Sorri. Talvez ele tivesse razão.
Talvez fosse mesmo letra de homem.
Talvez só provocação pra testar meu equilíbrio e reação.
Por isso, o retruquei: e daí?
O que importa, grande Beiço, é o gesto, o cuidado, o carinho que senti
naquele lanche simples.
E neste instante percebo que o amor não tem forma, idade ou gênero
e se manifesta nos pequenos detalhes: num sorriso tímido,
num aceno de mão, numa caligrafia no pedido do x-salada.
Levantei o copo e bradei ao velho Beiço: brindemos ao inesperado:
– Às surpresas da vida e aos amores que nos encontram
quando menos esperamos!
E o velho Arthur riu.
(B. B. Palermo)