O texto que segue é uma homenagem ao grande amigo Pedro Dilkin, que faleceu no domingo das Mães, 13 de maio de 2012, antes de ter completado cinco décadas de existência.
“O que é, é; o que não é, não é”. Esse princípio lógico de identidade não implica, necessariamente, a existência de um ponto de equilíbrio capaz de nos permitir a manutenção de nosso corpo – e alma? – em posição “normal”, sem oscilações ou desvios. A razoável harmonia em que possamos estar é altamente variável e depende de uma série de elementos, que se pensam e compensam mutuamente, para um precário autodomínio do todo.
Tal é o ser. Feito nós, como diria o poeta: “Feito anjo, meio ingênuo, meio bom, meio ruim, quase normal”.
Eis a hecceidade própria de cada indivíduo singular, concreto, determinado no tempo e no espaço.
Eis o Pedro, até o dia em que beijou o chão com o espírito desertor, saindo da vida para entrar na história. E fez-se literatura com A ilha da vida, ficção altamente autobiográfica, com suas convicções e certezas sobre a existência e a verdade. Tudo sob o amparo de Einstein, Kant, Nietzsche, Freud e Schopenhauer; o som de Os Futuristas, Cenair Maicá e Raul Seixas; e as lembranças sempre presentes de seus antigos amores, já há muito ausentes.
Com a vida por um fio, o equilibrista perdeu os movimentos, passou do ponto – e despencou. Quedou-se solitário em viagens imaginárias a um passado idealizado, abrindo mão dos princípios da realidade e do prazer: assim, nem se livrou dos pesares, nem se adaptou às exigências das necessidades.
Feito nós, e nós difíceis de desatar, ilhou-se mantendo uma tênue ligação peninsular com o social: pela contrição devotada a alguns “bares da vida” (como diria o Milton, “todo artista deve ir aonde o povo está"); pelas idas (ultimamente, esparsas) aos jogos do E. C. São Luiz e à Affi (Associação dos Funcionários da Fidene); pela montagem domiciliar de um sebo (livros e vinis) e de uma “radioteca” com aparelhos antigos, todos em intocável sintonia com a Rádio Guaíba pré-Universal); pelo amor incondicional ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a um Partido dos Trabalhadores ainda impoluto, aos quais defendia, literalmente, com unhas e dentes; pelo acolhimento, sempre irrestrito e carinhoso, a cada cão abandonado que batia à sua porta, ajudando-o a afugentar a solidão e acordar a vizinhança (não sem algum incômodo e um tanto de contrariedade).
Eis o Pedro, Dilkin, que, após quase trinta anos de Ijuí, no Domingo das Mães, dia 12 de maio/2012, tomou a Barca do Adeus e foi despertar a dona Frida em São João do Oeste/SC. Ancorado na Linha Medianeira, onde nasceu, agora, por ora, não mais o Uruguai nos une, mas um Oceano nos separa, pra que todos saibam que morrer é compulsório e viver é opcional.
Segue o Pedro talvez inconsolável a perguntar “Pra que lado este mundo vai?”, na esperança de que um dia a ciência e nossa impotência (individual e institucional) possam dar um fim ao “mal do século” (a depressão), causador, ao menos em grande parte, do naufrágio de seu inafundável Titanic. E nós, cegos, em nossos esconderijos de ou sem palavras, seguimos em nossa posição de descanso, e não de sentido, ante as ilusórias reflexões/refrações de nossos espelhos, teimando em sermos caricaturas (permanências) e não metamorfoses. E nosso ponto de desequilíbrio a advertir-nos do perigo de andar na contramão, por incompreendermos que a tragédia humana não é a morte, mas a indiferença com a vida – pão que se deveria repartir de forma imediata e milagrosa.