terça-feira, 11 de maio de 2021

Não seja bobo, Cadelão

 

Não seja bobo, Cadelão, desista de afiar a realidade

como se fosse arma branca pra te proteger dos perigos.

Talvez a realidade seja um aquário,

tua pátria,

teu meio de fuga,

tua válvula de escape,

a úlcera no teu estômago,

o guindaste que vai botar de ponta cabeça tuas crenças.

Tu é um peixinho indefeso na mira de predadores perversos.

Tu se prende facilmente às ratoeiras dos noticiários

e ao bombardeio do bando que te quer igual,

e te torne pacato quanto eles,

desejando converter a natureza implacável

que lhes é indiferente.

Meu, não há salva-vidas para todos,

e tu não é milionário, ao contrario,

tu és um lerdo e animado chinelão.

Já estivemos juntos nuns acampamentos hippies,

rolava maconha, sexo e nenhum estresse.

A vida era simples,

não se agredia o planetinha,

bastavam nossos copos,

nossos corpos,

nosso baseado,

nossas canções.

Odiávamos juntar patrimônio,

o barato era transcender.

Cadelão, parece que hoje as coisas fermentam e crescem,

e logo se retraem e cheiram a podre,

como bueiro de esgoto entupido.

Somos especialistas em pesquisar e compartilhar tragédias,

e os arquivos de nossos smartphones estão transbordantes

de vídeos e fotos e tantas outras merdas.

Ambíguos, temos fé e rezamos, e cremos sinceramente

que na hora do botar pra foder

Deus vai nos estender a mão.

Toupeiras racionais, adoramos ser românticos.

Até parece mentira que - nessas cruzadas de ódio

que vivemos uns contra os outros -

ainda perdemos tempo perguntando e escrevendo tratados

sobre o que é a felicidade,

o amor,

a ética.

Esquece, Cadelão, é perigoso afiar a realidade

como se fosse arma invisível

para te proteger dos perigos.

A cretina já tomou posse

de tua conta bancária,

de tua alma,

dos teus nervos

e do teu coração.

 

(B. B. Palermo)

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