terça-feira, 19 de maio de 2020

Elas podem perder o encanto e virar freiras


Ando louco pra descer a serra
e passear em Paraty.
Gastei um monte de grana
com uma puta de 20 e poucos
que toda semana troca a tintura do cabelo.
Quando volta da rua ela alisa os cachos
com seus dedos
e diz que a inhaca
é da fumaça de óleo diesel
e sua voz e seus gestos
me dão vontade de vomitar.
Não aprendi a fazer poupança
não consigo me apegar ao dinheiro
quando está em minhas mãos ele tem asas.
Queria escrever bons poemas
como sou bom de copo
mas estou rodeado de zumbis
que vertem dos esgotos
e fogem das metáforas
como se fossem a luz do sol.
Eu queria salvar o mundo
desenvolver a fórmula mágica.
Queria escrever um bom livro
e me imortalizar.
Não consigo nem cuidar do meu fígado.
Dia desses volto a descer a serra
e brindar a doce Paraty
e reencontrar a insana inspiração.
Eu tenho medos loucos.
A melhor parte do dia é lavar a louça
ouvindo Belchior ou blues.
Bater uma ao acordar antes do almoço
foi o jeito que encontrei
pra beijar na testa o novo dia.
Não suporto imaginar tanta gente
em albergues e asilos
e tantos outros perecendo
em comércios e fábricas.
Eu tenho medo de que o mundo
não tenha salvação.
Eu tenho medo de que as garotas de 20 e poucos
percam o encanto pelo corpo
e virem freiras.

(B. B. Palermo)



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