sábado, 10 de agosto de 2019

ei, dolly - Bukowski


ela me deixou há 5 semanas e foi para Utah.
é isto, acho que ela se foi.
dias atrás saí para mandar uma carta para ela
e a vi sentada no banco da parada de ônibus,
era o cabelo dela lá
de costas
e todo peso desabou de novo sobre mim
apressei o passo e olhei para o seu rosto - 
era outra pessoa. sardas, nariz chato, olhos verdes,
nada, nada.

então segui pela Western Avenue indo de bar em bar
e voltei a vê-la na minha frente.
vi aquelas calças coladas, eu conhecia aquele rabo,
e lá estava aquele cabelo de novo,
e o jeito dela de caminhar,
apressei o passo para alcançá-la,
cheguei ao seu lado e olhei seu rosto - 
um nariz de índio, olhos azuis, uma boca de sapo - 
nada, nada, nada.

então havia uma garota num bar tocando piando.
não era ela mas quando o cabelo caiu de certa
maneira,
por um momento, era. e o cabelo tinha o mesmo
comprimento
e os lábios eram parecidos mas não os mesmos, e
ela me viu olhando-a enquanto cantava, eu estava
bêbado,
claro, ajudou a criar a ilusão, e ela
disse há alguma em especial que você queira ouvir?
Dolly, eu disse, e ela cantou - 

Ei, Dolly...

agora mesmo olhei e ela estava do outro lado da rua.
ela saiu do prédio do outro lado da rua
com um cara loiro e jovem e ficou lá parada de óculos
escuros,
e eu pensei, o que ela está fazendo do outro lado da
rua de
óculos escuros, e sua risada para mim atravessou a
janela
mas ela não me acenou e então entrou no carro com o 
jovem, era um carro novo, pequeno e vermelho, caro,
e eles seguiram na direção oeste. desta vez tenho
certeza
que era ela.

Bukowski. Do livro "Queimando na água, afogando-se na chama").

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pílulas diárias de fofoca

  – Em Canela, ninguém cumprimenta ninguém! Em Capão, todo mundo diz “bom dia!”, “tudo bem?”. Aqui tu anda de bermuda e chinelos e ningu...