sábado, 19 de fevereiro de 2011

Vida em manchetes - Luis Fernando Verissimo


- Viu só? Caiu outro avião.


- É. Desta vez foram 85 mortos.


- Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.


- Bobagem.


- Bobagem é morrer.


- Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...


- Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.


- Você caminha por onde?


- Como, por onde? Pela calçada, ué.


- Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.


- Quer dizer que calçada...


- É perigosíssimo...


- O negócio é não sair de casa.


- E, é claro, mandar cortar a luz.


- Por que cortar a luz?


- Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base do crânio.”


- Está certo. Corto a luz.


- “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?


- Gás.


- Escapamento. “Visinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão arrasa apartamento.”


- Fogareiro a querosene.


- “Tocha humana! Morreu antes que...”


- Comida enlatada fria.


- Botulismo.


- Mando comprar comida fora.


- Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traquéia. “Comida estragada, diarréia fatal!”


- Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina...


- Hepatite...


- ... e oxigênio


- Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.


- Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...


- Picada de cobra. Coice de Mula. Médico não chega a tempo.


- Não saio mais da cama!


- Está provado: 82 por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.


- Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Tenho um jeito infalível de escapar da morte.


- Qual é?


- Eu vou me suicidar.

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