terça-feira, 17 de agosto de 2010

DA UTILIDADE DOS ANIMAIS - Carlos Drummond de Andrade




Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca… Todos ajudam.


- Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?


- Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa.


- Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?


- Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo.


- Ele faz pincel, professora?


- Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.


Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru:


- Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando da carne. Canguru é utilíssimo.


- Vivo, fessora?


- A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz… produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores, etc.


- Depois a gente come a vicunha, né fessora?


- Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer…


- A gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha.


- Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?


- A carne também é listrada?- pergunta que desencadeia riso geral.


- Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento – não sabem o que é? O cocô do pingüim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pingüim…


- A senhora disse que a gente deve respeitar.


- Claro. Mas o óleo é bom.


- Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa.


- Pois lucra. O pêlo dá escovas é de ótima qualidade.


- E o castor?


- Pois quando voltar a moda do chapéu para os homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar de um bom exemplo.


- Eu, hem?


- Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living da sua casa.


Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não cauculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado.


- Engraçado, como?


- Apanha peixe pra gente.


- Apanha e entrega, professora?


- Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.


- Bobo que ele é.


- Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo?


- Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos.

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