quarta-feira, 24 de março de 2010

Areia e espuma - de Gibran Khalil Gibran

Um pensamento deste autor traz luz para encontrarmos alguns possíveis motivos que levam alguém a se submeter a um processo de "bombardeio" ao seu corpo, visando entrar no livro dos recordes. Diz o pensamento:

Não há luta entre o corpo e a alma, a não ser nas mentes daqueles cujas almas estão adormecidas e cujos corpos estão desajustados.

para ajudar a repensar nossas ambições, Gibran nos presenteia com a seguinte parábola:

"Havia num bosque isolado uma bonita violeta que vivia satisfeita com suas companheiras. Certa manhã, ergueu a cabeça, e viu uma rosa que se balançava acima dela, radiante e orgulhosa.

 Gemeu a violeta, dizendo: "Pouca sorte tenho eu entre as flores! Humilde é meu destino! Vivo colada à terra, e não posso erguer a face para o sol, como fazem as rosas..."

A Natureza ouviu e disse: "Que te aconteceu, filhinha? As vãs ambições apoderaram-se de ti?"

"Suplico-te, ó mãe poderosa, disse  a violeta, transforma-me numa rosa, por um dia só que seja."

"Não sabes o que estás pedindo, respondeu a Natureza. Ignoras o que se esconde de infortúnios atrás das aparentes grandezas."

"Transforma-me em rosa, insistiu a violeta, e aceitarei todas as consequências de minhas aspirações e desejos."

A Natureza estendeu sua mão mágica, e a violeta tornou-se uma rosa suntuosa. Na tarde daquele mesmo dia, o céu escureceu, e o vento e a chuva devastaram o bosque. As árvores e as roseiras foram abatidas. Só as humildes violetas escaparam ao massacre. E uma delas, olhando à sua volta, gritou às companheiras: "Olhem e vejam o que a tempestade fez das grandes plantas que se elevam com orgulho e impertinência!"

Disse uma outra: "Vivemos coladas à terra, mas escapamos à fúria dos furacões."

Uma terceira disse: "Somos pequenas e humildes; mas as tempestades nada podem contra nós."

A rainha das violetas viu também a rosa que tinha sido violeta, estendida por terra como morta. E disse: "Vejam e meditem, minhas filhas, sobre o destino da violeta que as ambições embriagaram. Que sua infelicidade lhes sirva de exemplo."

Ouvindo estas palavras, a rosa agonizante agitou-se, e disse, com voz entrecortada:

"Escutai, antes, vós, ignorantes, medíocres, covardes. Ontem, eu era como vós, humilde e satisfeita. Mas a satisfação que me protegia, também me limitava. Podia continuar a viver como vós, colada à terra, até que o inverno me envolvesse na sua neve e me levasse ao silêncio eterno, sem que conhecesse dos segredos e glórias desta vida mais do que as inúmeras gerações de violetas, desde que existem violetas.

Mas escutei no silêncio da noite, e ouvi o mundo superior dizer a este mundo: O alvo da vida é alcançar o que há além da vida. Pedi, então, à Natureza - que nada é senão a materialização de nossos sonhos invisíveis - que me transformasse em rosa. E a Natureza atendeu ao meu desejo.

Vivi uma hora como rosa. Vivi uma hora como rainha. Vi o mundo com os olhos das rosas. Ouvi a melodia de éter com os ouvidos das rosas. Acariciei a luz com as pétalas das rosas. Pode alguma de vós gabar-se desta honra?

Morro, agora, levando na alma o que nenhuma violeta jamais experimentara. Morro, sabendo o que há por trás dos horizontes estreitos onde nasci. É este o alvo da vida."

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