Sirvam-me um uísque barato
com duas pedras de veneno
para que suba à cabeça
dos que fogem do improvável.
Vamos nos embriagar enquanto é tempo.
Lobos riem dos sonhos
dos cordeiros asseados,
perfumados,
Bíblia debaixo do braço,
negando os perigos da vida.
Algumas doses de Cicuta
para os que se ajoelham
diante do que não compreendem
e não confraternizam a beleza
ao seu redor.
Sirvam uma alavanca de Arquimedes
para os broxas e eunucos,
sirvam uma dúzia de energéticos literários
para os ansiosos,
egoístas,
iludidos.
Sou especialista em desfilar
com essa gente etiquetada,
papos uniformizados,
ideias de linha de montagem.
Tenho epifanias nos lugares onde operários
bebem depois do trabalho,
e diaristas retornam para casa,
idade avançando,
ventre se impondo,
pernas afinando e, que terrível,
elas nunca saberão que eu existo.
Vacilante, caminho sobre a fogueira
que formata meu cérebro
de segunda a sexta-feira.
Somos uns caras legais,
estamos na meia idade,
um pouco curvados, é certo,
mas ainda temos oxigênio
pra queimar.
Foi-se o imponderável,
apagamos o fogo poético
com jatos de cerveja quente,
cigarros, café e a alegria fugaz
por ter ganho no Jogo do Bicho
depois de um bom tempo.
O bebum me direciona um olhar sideral
sugerindo que eu assista noticiários de TV
sensacionalistas,
mergulho com ele no abismo
e tenho orgulho das suas verdades patéticas.
Seja o centro de tudo,
sirva aos amigos em torno da mesa
os entulhos que deserdaram
de tua essência.
Isso tudo não importa.
Qualquer mau cheiro existencial se dissipa
ao contemplar a mãe que conduz a filhinha pela mão
retornando da escola para casa
no final de tarde.
(B. B. Palermo)